O Estado de S. Paulo
Xandão não esclarece nem recua. Não esclarecer é fundamental. Ele amplia – de puxadinho em puxadinho – a falta de parâmetros objetivos sob os quais ordena. Ordena a censura. Prévia. O criador de cautelares transformou a lei penal em massinha de modelar. Terreno imprevisível, permeado de autoritarismo, desde o qual sobretudo ameaça mandar prender. Recuou nada.
Cabe tudo – todo o exercício de poder – nos
termos jurídicos vagos, expressão ao mesmo tempo cheia de personalidade, com
que intimida. Ele controla o discurso. Este é o objetivo: manter o controle
sobre o discurso. Por meio de conceitos subjetivos aplicados ao processo penal,
gere individualmente a interpretação sobre forma e conteúdo. Controla –
administrando o cerceamento sobre forma e conteúdo – a circulação da palavra.
A chave é o elemento “terceiro”, essa figura
incontrolável e de classificação impossível. Bolsonaro não está – nunca esteve
– proibido de dar entrevista ou de discursar. Não diretamente. Não está
impedido de falar. Quando falou, violou a medida cautelar. E aí?
O ex-presidente não se manifesta sem ser
filmado e ter seu papo difundido. Por terceiros. Jamais foi proibido de falar.
Né? Proibido – atenção à lista de
condicionantes cuja definição, para fins de matéria penal, é infactível – “de
utilizar subterfúgios para a manutenção da prática de atividades criminosas,
com a instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como material
pré-fabricado para posterior postagem nas redes sociais de terceiros
previamente coordenados”. Uau!
Quem determina o que sejam os “subterfúgios”?
Como se avalia “instrumentalização”? Qual a caracterização de “material
pré-fabricado”, para que possa basear prisão? Como distinguir “terceiros
previamente coordenados”, ou sob “patente coordenação”? Quem terá todas as
respostas? A balança xandônica.
Qual a segurança jurídica para o sujeito se
manifestar?
Este artigo não é sobre o golpista Bolsonaro.
Antes sobre precedentes. O cara continua tendo o verbo submetido pela
interpretação artística de Xandão sobre atos alheios. São muitas as cassações
projetadas a partir do recurso a conceitos subjetivos. A inviabilidade de
controlar terceiros – sob o peso de ser responsabilizado pelo que fizerem – é a
significação do constrangimento à liberdade de expressão.
De novo “os terceiros”: “postagens nas redes
sociais de terceiros, em especial por milícias digitais e apoiadores políticos
previamente coordenados para a divulgação de condutas ilícitas (...)”. Surge
esta categoria jurídica – “em especial”. Há os especiais, pois. Continua
havendo os terceiros. Qual a métrica para “apoiadores políticos” que
utilizariam dolosamente as redes sociais? Como identificar o apoiador político
“previamente coordenado”? Quem identifica?
A Justiça que “não é tola” tampouco pode ter
por juízo o faro – o feeling, a malícia – do delegadão.
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