O Globo
Ele está colocando os interesses de sua
família e de um governo estrangeiro acima do país que jurou representar
Os próprios parlamentares têm oferecido motivos de sobra para a desmoralização do Legislativo brasileiro. O mais recente é a omissão — ou conivência — de suas lideranças diante da situação de Eduardo Bolsonaro. Deputado federal por São Paulo, Eduardo está fora do país desde 18 de março, nos Estados Unidos. Desde então, deixou de cumprir suas funções parlamentares e, pior, tem atuado ativamente contra os interesses nacionais. Em um Legislativo sério, comprometido com seus ritos e deveres institucionais, Eduardo já teria perdido o mandato.
Segundo o próprio, ele se mudou para os
Estados Unidos para se dedicar em tempo integral a convencer o governo Donald
Trump a apoiar a absurda anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de
2023, no Brasil, e a pressionar por sanções contra o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre
de Moraes. Para isso, pediu uma licença de 120 dias, que expirou no
domingo, 20 de julho. Ele afirma que não renunciará ao cargo. De acordo com o
artigo 240 do Regimento Interno da Câmara
dos Deputados, está sujeito à perda de mandato por ausência injustificada
ao exercício das funções parlamentares após o fim da licença.
Mas Eduardo também deveria estar sujeito à
cassação por quebra de decoro, conforme o artigo 9º do Código de Ética e Decoro
Parlamentar da Câmara dos Deputados e do artigo 55, inciso II, da Constituição
Federal. Em mais de uma ocasião, declarou ter sido responsável pelo tarifaço de
50% imposto ao Brasil pelo governo Trump. No episódio mais recente, atacou a
comitiva de senadores brasileiros que será enviada aos Estados Unidos para
negociar com autoridades americanas em defesa do setor produtivo. Trata-se de um
comportamento que beira o crime de lesa-pátria: Eduardo está colocando os
interesses de sua família e de um governo estrangeiro acima dos interesses do
país que jurou representar.
A possibilidade, articulada por seus aliados,
de que ele assuma um cargo de secretário em algum estado ou município é
igualmente escandalosa. Nesse cenário, Eduardo se licenciaria novamente do
mandato, fingiria ocupar o cargo de secretário — enquanto segue nos Estados
Unidos — e retornaria ao cargo de deputado quando bem entendesse. É um escárnio
com a função pública e com o eleitorado que ele tanto afirma representar.
O silêncio da Câmara dos Deputados, que nem
sequer pautou o tema, apenas reforça a percepção de que regras e princípios
fundamentais da vida democrática são ignorados quando dizem respeito aos seus
próprios integrantes. O Legislativo brasileiro já enfrenta níveis
alarmantemente baixos de confiança pública. Se continuar nesse caminho, corre o
risco de comprometer de forma irreversível sua legitimidade para tomar decisões
em nome do país.
*Beatriz Rey é doutora em ciência política e pesquisadora associada à Fundação POPVOX, nos Estados Unidos
Nenhum comentário:
Postar um comentário