Valor Econômico
Discurso de que já assegurou o pagamento de 99,35% das vítimas é um trunfo a ser utilizado, mas nem de longe garante que Lula sairá ileso no fim
A CPMI do INSS, que tem instalação marcada para esta quarta-feira (20), começa em um cenário relativamente favorável para o governo Lula. Sim, é verdade: quando se trata de comissões parlamentares de inquérito, sempre se deve lembrar da célebre frase do ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães, segundo a qual “CPI a gente sabe como começa, mas não sabe como termina”. Pode-se dizer, contudo, que até agora o roteiro traçado no Palácio do Planalto foi bem-sucedido.
Há um componente de sorte. A CPMI começa após
o injustificável tarifaço dos Estados Unidos contra o Brasil, que deu ao
presidente Luiz Inácio Lula da Silva um discurso e a oportunidade de melhorar
sua popularidade. No entanto, também é possível afirmar que a intenção do
governo sempre foi adiar o máximo possível o início dos trabalhos do colegiado.
Em primeiro lugar, para conseguir acelerar o
ressarcimento das vítimas. Tirar da oposição essa bandeira. Em outra frente,
para evitar que algum bolsonarista radical fosse nomeado relator.
O risco de a oposição assumir a relatoria foi
afastado na sexta-feira (15). Na semana passada, o presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), finalmente anunciou o escolhido para a
função: será o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), seu correligionário. O
presidente da CPMI será o senador Omar Aziz (PSD-AM), aliado do governo
federal.
Confirmou-se, dessa forma, o cenário que há
semanas vinha sendo projetado por auxiliares do presidente Lula. Segundo essas
fontes, a definição do nome do relator não seria para blindar o governo, mas
para preservar a classe política como um todo. “A política vai se proteger.”
Sabe-se que o caso envolveu associações,
sindicatos e movimentos sociais do campo, o que inevitavelmente renderá ataques
da oposição ao governo Lula e seus aliados. No entanto, também se tem
conhecimento que servidores públicos que trabalharam em diversas administrações
estão no foco das investigações. Isso envolve interesses de vários partidos.
E como a comissão tem a meta de apurar a
“magnitude” e a “duração” do esquema que desviou, de forma sistêmica,
benefícios de milhões de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), haverá margem para que a base aliada mantenha a estratégia de envolver
o governo Jair Bolsonaro no problema. A tropa de choque governista chega com a
missão de questionar quem indicou os responsáveis pela implementação do esquema
criminoso, quem eventualmente os protegeu ou se omitiu durante os governos
passados.
Um exemplo pôde ser visto em meados de maio,
durante participação do ministro da Previdência, Wolney Queiroz, em uma
audiência na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e
Defesa do Consumidor do Senado.
Após ser questionado pelo senador Sergio Moro
(União-PR) a respeito do escândalo, o ministro partiu para o ataque. “Ontem,
por exemplo, eu estava assistindo ao Jornal Nacional e houve uma denúncia de um
servidor em 2020. Um servidor, em 2020, denunciou à Polícia Federal que havia
descontos indevidos, que havia fraude. Essas denúncias foram feitas em 2020,
senador. Parece que vossa excelência era o ministro da Justiça nessa época.
Vossa excelência fez alguma coisa para coibir essas fraudes?”, perguntou Wolney
Queiroz.
Moro reagiu imediatamente, afirmando que não
havia recebido informações sobre o assunto quando comandava o Ministério da
Justiça, pasta à qual a PF é subordinada. Mudou-se de assunto, mas o recado
estava dado.
Os desvios realmente aumentaram no atual
mandato. Por isso, a base está instruída a sustentar que este governo não se
omitiu e, no fim das contas, foi o responsável pela deflagração da operação que
colocou um freio nas fraudes.
Por outro lado, a administração Lula deve ter
que explicar por que não agiu anteriormente. Se alertas foram dados
internamente, como não houve providências antes da operação policial? Nada
mudará o fato de que o escândalo derrubou a cúpula do INSS e Carlos Lupi (PDT)
do Ministério da Previdência Social. No Supremo Tribunal Federal (STF), o
ministro do Dias Toffoli aguarda um parecer da Procuradoria-Geral da República
(PGR) para definir se as apurações sobre fraudes em descontos associativos de
aposentados e pensionistas do INSS seguem na Corte ou se serão enviadas à
Justiça Federal.
Tudo indica que o outro ponto da estratégia
do Palácio do Planalto deu certo. A CPMI será instalada após o STF homologar o
acordo apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para ressarcir as
vítimas dos descontos ilegais e, mais do que isso, depois de os pagamentos também
terem avançado.
Entre as 2.451.126 pessoas aptas a aderir ao
ressarcimento, 1.874.955 já o fizeram. E o número de pagamentos emitidos
(agendados até esta quarta-feira) soma 1.862.696.
Ou seja, o governo terá o discurso de que já
assegurou o pagamento de 99,35% das vítimas que até agora aderiram ao acordo.
Reservou R$ 3,3 bilhões para esse fim, mas ainda não divulgou quanto foi
desembolsado. De qualquer forma, esse é um trunfo a ser utilizado logo no
início dos trabalhos da CPMI, o que nem de longe garante que Lula sairá ileso
no fim. Serão longos 180 dias, com desfecho imprevisível.
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