O Estado de S. Paulo
É o que temos porque ninguém escapa da condição
humana cuja história – como revela a grande anistilândia brasileira, os
bíblicos tarifaços americanos e o projeto putinesco de reunir a União Soviética
– repetimos vivendo seus episódios como novidades – ou “avanços”.
Na história humana, o denominador comum não é
a serenidade, mas o angustiante desconcerto diante da divergência nas
concepções de vida e morte, da rotina e do inesperado, do dado e do fabricado –
essas dimensões que permeiam todos os sistemas culturais conhecidos.
O denominador comum para lidar com as diferenças sempre foi o confronto, jamais a compreensão que, nos sistemas religiosos, surge com perdão e amor.
Poderio militar faz parte do berço do
Ocidente. Escravidão, desobediência, preconceito, agressividade e,
simultaneamente, perdão, compaixão, altruísmo e esperança são características
fundacionais na nossa história. Um caminho marcado pela expulsão do Eden, esse
marco de nossa consciência do bem e do mal; e da carga que veio com a
liberdade.
Essa visão distanciada talvez ajude a entender
esses arrebatamentos das duas maiores potências mundiais. Sobretudo se
pensarmos que o ponto de partida para toda essa tecnologia é ocidental e, no
fundo, demonstra a capacidade de ser transplantada e dominada no Oriente,
apesar do racismo e dos preconceitos culturais. A base do conflito entre EUA e
China é, justamente, a recorrente surpresa de ver os bonecos falando mais e
melhor do que o ventríloquo.
O progresso pelo infinito progressismo, que
weberianamente desencanta o mundo, consolida o poderio militar que tem sido a
escolha preferencial dos EUA e da Rússia.
Dissidências entre estados nacionais,
interligados por um mercado autorregulado e por um hipercapitalismo comandado
pelo brutal poder de uma plutocracia, conduzem a esse filme no qual dois autocratas
decidem decidir não decidindo. Em pleno frio do Alasca os dois potentados
congelam esperanças. Um alto e o outro baixo, eles reinstituem os dualismos com
os quais vivemos desde a origem do mundo. O alto é narcisista, o baixinho,
onipotente – ambos são agentes do caos.
Vejam a recorrência. O encontro Trump&
Putin no Alasca espelha o tratado celebrado em Tordesilhas, Espanha, em 7 de
junho de 1494, quando o mundo foi dividido entre Portugal e Espanha com o aval
indiscutível do papa.
Hoje, desencantados e sem mediadores,
assistimos ao que parece ser o aval dado a Putin para continuar seu projeto e a
Trump para permanecer na sua incoerente opressão tarifária e permeada de
ataques à soberania nacional.
Vejam a ironia: o Alasca é uma variante de
Tordesilhas, um tratado que viabilizou o Brasil. •
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