quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Não faltam obstáculos para a paz na Ucrânia

O Globo

Europeus fazem bem em se mostrar unidos com Zelensky. Mas demandas de Putin mostram que ele quer guerra

Os principais líderes europeus fizeram bem em interromper as férias para participar na Casa Branca — em conjunto, com mensagem firme e clara — do encontro entre os presidentes americano, Donald Trump, e ucraniano, Volodymyr Zelensky. Afinados, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o chanceler alemão, Friedrich Merz, o presidente francês, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, demostraram uma união imprescindível em defesa da Ucrânia. Obtiveram de Trump a promessa de uma reunião futura de Zelensky com o russo Vladimir Putin, seguida de um insólito encontro trilateral, com o próprio Trump, para firmar um acordo de paz que encerre a guerra de mais de três anos.

Obstáculos não faltam. Na semana passada, Trump recebeu Putin no Alasca com tapete vermelho, aplaudiu-o diante das câmeras e tratou com deferência incompreensível um ditador ainda considerado chefe de Estado de um país inimigo. Os detalhes do encontro não foram revelados, mas as condições de Putin para um acordo são conhecidas. A Rússia quer que a Ucrânia ceda a soberania não apenas sobre a região conhecida como Donbass, mas também sobre as áreas ocupadas pela linha atual do avanço das tropas russas, além de sobre a Crimeia, invadida em 2014. Também se recusa a aceitar a entrada a Ucrânia na Otan e emitiu comunicado negando até uma proteção nos termos do artigo 5º do tratado da aliança atlântica, que assegura defesa militar conjunta em caso de agressão a qualquer integrante.

Zelensky tem imposto como condição para qualquer concessão o compromisso de garantias robustas contra futuras invasões russas. Ainda que a Ucrânia aceite ficar fora da Otan, os termos teriam de ser equivalentes aos do artigo 5º, com a presença de militares europeus em território ucraniano e apoio americano. Na encenação que armou diante das câmeras na Casa Branca, Trump pela primeira vez reconheceu essa possibilidade mas, quando questionado no dia seguinte, descartou o envio de tropas.

É verdade que desta vez prevaleceu a cordialidade, em contraste com a humilhação a que submetera Zelensky em sua visita anterior a Washington. Trump fez vagas promessas de garantia à segurança ucraniana. Mesmo assim, falta o principal: assegurar que desta vez serão cumpridas. Putin já descumpriu diversos compromissos assumidos no passado. Continua a promover ataques e não parece nada interessado na paz, apenas em conquistar território ucraniano. Sem cessar-fogo, qualquer negociação não passa de teatro.

Trump se tornou central no desfecho do conflito, mas seu comportamento é insondável. A qualquer momento, pode cortar a ajuda militar à Ucrânia para forçar Zelensky a aceitar as condições impostas pelo Kremlin, de modo a encenar uma cerimônia que lhe permita posar de pacificador. Só que nenhuma encenação acabará com as tensões. Mesmo que haja qualquer acordo, persistiriam as pretensões imperiais da Rússia sobre a Ucrânia, a incerteza sobre o comportamento de Putin e a ameaça de um conflito que se estenda pela Europa. Negociações de paz são necessárias, mas, sem compromissos concretos, seu resultado é incerto.


É vergonhosa a persistência de policiais trabalhando para bandidos

O Globo

Pelo menos 72 PMs fazem segurança particular para contraventores, revelou levantamento do  O Globo

Os papéis de bandido e policial infelizmente têm se confundido com frequência maior no dia a dia. No Rio, pelo menos 72 policiais militares da ativa, pagos pelo Estado para proteger os cidadãos, fazem segurança particular para contraventores, como mostrou levantamento do GLOBO nos processos criminais envolvendo três bicheiros. O número não leva em conta bombeiros, policiais civis, penais e agentes da reserva, que também costumam ser arregimentados pelo jogo do bicho.

No mês passado, a promiscuidade dos agentes da lei foi exposta pelo atentado ao contraventor Vinicius Pereira Drumond no Rio. Alvejado com mais de 30 tiros, ele escapou ileso, graças à blindagem do Porsche que dirigia e à pronta ação da escolta. Ela reunia dois PMs do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), tropa de elite da corporação. Os guarda-costas improváveis foram identificados pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e pelo Ministério Público durante investigações de assassinatos e outros crimes da contravenção.

A promiscuidade não é fato novo. Surpreende é persistir por décadas. Em 1994, o estouro da fortaleza do bicheiro Castor de Andrade só deu certo porque contou com um pequeno grupo de promotores e PMs do serviço reservado de absoluta confiança, impedindo que ele fosse avisado, como costumava acontecer. Os agentes selecionados para a ação não estavam na folha de pagamento de Castor. Daí a frase que ficou famosa: “Que polícia é esta?”. Não era a que ele tinha no bolso. A operação expôs uma longa lista de propinas pagas a autoridades para fazer vista grossa ao jogo do bicho.

Não é só no Rio que a linha entre policiais e bandidos tem sido ultrapassada. Em São Paulo, as investigações sobre a execução do empresário Vinícius Gritzbach, delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), no aeroporto de Guarulhos, também expuseram ligações entre agentes e o crime. Em junho, a Justiça Militar de São Paulo aceitou denúncia contra 18 PMs acusados de envolvimento no caso. Gritzbach delatou relações espúrias entre policiais e o PCC. Sua escolta também era formada por PMs.

Não se pode generalizar. A vasta maioria das dezenas de milhares de policiais respeita as fronteiras da lei. Mas preocupa que haja desvios apesar das medidas de controle. A questão central não é se policiais deveriam fazer bicos — essa é outra discussão. O que não faz sentido é trabalharem como seguranças para cidadãos com extensas folhas corridas, beneficiados com frequência por informações privilegiadas sobre investigações e operações. Não há dúvida de que casos assim costumam ser punidos, por vezes com expulsão. É preciso, contudo, evitar que aconteçam, aperfeiçoando os critérios de recrutamento e permanência nas tropas.

PEC muda precatórios e dá vantagem a Estados e cidades

Valor Econômico

Aprovação da PEC levará a mais questionamentos no Supremo, pelo desequilíbrio a favor dos credores ante contribuintes

Falta apenas a votação em segundo turno no Senado para que seja aprovada a PEC 66/2023, que muda completamente o pagamentos dos precatórios, a favor dos devedores: União, Estados e municípios. No caso da União, o projeto torna mais fácil atingir a meta fiscal primária, pois dela retira, em 2027, 90% do total dos débitos com esses títulos. Estados e municípios serão contemplados com uma proporção fixa da receita líquida destinada aos pagamentos, que serão de menor monta que os atualmente feitos e terão um outro indexador, não mais a taxa Selic. Estados e municípios ganham também o direito de parcelar, em 30 anos (360 meses), débitos previdenciários incorridos até 31 de agosto. O expediente do Executivo e do Legislativo confirma a máxima de que a dívida não existe para ser paga, mas refinanciada para sempre.

A PEC 66 pode ser votada a qualquer momento. Uma confluência de interesses, todos atendidos pelo projeto, fez com que a mudança constitucional, que exige dois terços dos votos das duas Casas, em duas votações, fosse facilmente aprovada. No caso do Executivo, o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que os precatórios fossem incluídos na meta fiscal primária selaria em 2027 o fim do regime fiscal, que não produziu superávit até hoje - nem o fará no ano que vem ao poder usar a margem de tolerância existente. A incorporação dos precatórios ao resultado fiscal, bomba com data marcada para estourar, foi desarmada de uma forma que torna mais fácil chegar à meta.

Pela PEC, apenas 10% do montante anual a ser pago dessas dívidas serão incorporados progressivamente ao resultado fiscal a cada ano. Pelo esquema vigente, em 2026, R$ 55 bilhões dos R$ 115 bilhões previstos - ou 47% - serão desconsiderados para a meta. Com a mudança, 2027 terá enorme alívio. Se, por exemplo, a soma de precatórios e requisições de pequeno valor for igual à de 2026, R$ 103,5 bilhões ficarão fora da meta, R$ 48,5 bilhões a mais. O afrouxamento permitido no início será muito maior até que a margem de tolerância para o cumprimento da meta fiscal, de 0,25% do PIB (R$ 31 bilhões).

O governo Lula regularizou o pagamento dos precatórios e obteve uma transição concedida pelo STF para sua incorporação plena ao regime fiscal. Os credores de Estados e municípios, porém, não terão a mesma sorte, com a aprovação da PEC. O projeto foi feito à perfeição para dar o que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), chama de “auto suficiência do pagamento das dívidas dos Estados e municípios”. Como não há auto suficiência de recursos, os entes federativos puderam determinar quanto estão dispostos a pagar por uma dívida transitada em julgado, de recebimento que deveria ser líquido, certo e tempestivo.

Estados e municípios tinham até 2029 para arrumar a casa em relação às dívidas com precatórios. No arranjo, os credores - empresas e contribuintes - terão provavelmente de esperar muito mais, para receber possivelmente menos. A PEC limitou até mesmo o pagamento de quem está sem estoque de dívidas, e poderá usar só 1% da receita corrente líquida (RCL) para precatórios. A prefeitura do Rio tem gastado 2,8% da receita para essas despesas e poderá utilizar 1% apenas. Quem tem dívida acumulada de 15% a 30% da receita corrente líquida pagará 1,5% da RCL, numa gradação que atinge 5% para quem tem débitos acumulados de 85% da receita líquida.

A desembolsos menores corresponderão mais dívidas em atraso. Um estudo do BTG Pactual calculou que, se a regra já estivesse valendo, Estados e municípios gastariam R$ 12,9 bilhões a menos que em 2024. Haveria queda de 42%, com quitação de R$ 17,8 bilhões e não os R$ 30,7 bilhões feitos (Valor, 14-8). Com isso, o estoque de precatórios em atraso em dez anos atingiria R$ 880 bilhões. Pelo estudo, as dívidas em atraso com precatório no fim de 2024 era de R$ 110,4 bilhões sob responsabilidade dos Estados e R$ 82,9 bilhões, dos municípios.

A PEC 66 modifica o indexador dessa dívida, a Selic, e coloca em seu lugar o IPCA mais 2% de juros. Foi também mudada a data para inclusão do pagamento no exercício fiscal. Vale hoje o dia 20 de abril, limite para que a Justiça apresente os montantes transitados em julgado para quitação até o fim do ano seguinte. Pela PEC passa a valer 1 de fevereiro, perto do fim das férias forenses. Precatórios notificados após essa data esperarão até o segundo exercício seguinte.

O efeito conjunto das mudanças pode ser sentido no mercado secundário desses títulos. Um precatório do governo de São Paulo, por exemplo, teve deságio maior e passou a ser negociado a 25% do valor de face com a iminência da aprovação da PEC, contra 45% antes.

O pagamento dos precatórios deveria ser, tanto quanto possível, uma rotina administrativa. O STF enquadrou a União e Estados para impedir que esses débitos sejam sempre postergados indefinidamente em detrimento de gastos com outras prioridades, ou mesmo sem prioridades. A aprovação da PEC levará a mais questionamentos no Supremo, pelo desequilíbrio a favor dos credores ante contribuintes que foram vitoriosos em longos processos, nos quais não cabem mais recursos. É uma questão de Justiça.

União e PP ensaiam oposição com vaga no governo

Folha de S. Paulo

Federação cria maior força política do país, mas descompasso entre discurso e prática é a sua marca neste momento

A boa notícia é que regras recentes têm estimulado a redução da quantidade de siglas, em uma bem-vinda racionalização do ecossistema partidário

União Brasil e PP selaram nesta terça (19) aliança caracterizada pela grande força política dos dois partidos somados e pelo descompasso constrangedor entre o discurso oposicionista que professam e as práticas governistas que adotam.

Juntas, as duas legendas lideram o ranking de número de deputados federais (109), senadores (14, mesma quantidade que PSD e PL), governadores (6) e prefeitos eleitos em 2024 (1.328).

A ideia é atuar, nas disputas de 2026 e 2028, como se fossem um só partido, em uma federação a ser homologada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com isso, pelo menos nesses dois pleitos, formarão uma chapa única em todos os cantos do país, o que tende a facilitar a conquista de nova bancada robusta no Legislativo.

Associar dois partidos dessa monta, contudo, não é tarefa que se execute sem arestas. Embora seja de esperar pontos de tensão nos acordos estaduais, onde líderes regionais decerto vinham cevando seus próprios planos, é no âmbito nacional que as incoerências ressoam de forma gritante.

Em evento para anunciar a federação, sobraram críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com a defesa de um ajuste fiscal feito por meio do corte de despesas, não do aumento da arrecadação. Ou seja, menos impostos e menos Estado —na contramão do que costumam pregar as gestões petistas.

Não haveria nada a observar quanto a isso se não fosse por um detalhe: o União Brasil indicou três ministros para o governo Lula (Celso Sabino, do Turismo; Frederico de Siqueira Filho, das Comunicações; Waldez Góes, da Integração Nacional), enquanto o PP tem um nome na Esplanada (André Fufuca, do Esporte).

Consta que Antonio Rueda e Ciro Nogueira, respectivamente presidentes do União Brasil e do PP, gostariam de romper com o governo —até porque Ronaldo Caiado (União), governador de Goiás, alimenta pretensões presidenciais sempre que não está apoiando Jair Bolsonaro (PL).

O desembarque não ocorre, segundo se diz, porque integrantes de ambos os partidos desejam manter o poder de indicar quadros para cargos da máquina federal. Uma das principais resistências nesse sentido seria o presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União-AP).

Chega-se, assim, a um arranjo que chama a atenção pela dissonância, mas não pelo ineditismo. Basta lembrar que o antigo PMDB permaneceu exatamente dessa forma durante vários anos em que dividiu o governo com o PT.

A boa notícia é que, agora, os vetores do sistema político apontam na direção certa. Regras aprovadas pelo Congresso há menos de uma década têm estimulado a criação de federações e a redução da quantidade de siglas, em uma bem-vinda racionalização do ecossistema partidário.

Com a decantação da nova fórmula, é possível vislumbrar um cenário em que a coerência programática sobrepuje a hipocrisia ideológica hoje prevalente.

Baixo nível dos reservatórios exige elevar a atenção em SP

Folha de S. Paulo

Volume é o menor desde a crise hídrica de 2015; é necessário ampliar investimentos e conscientização e reduzir vazamentos

Crescimento populacional e instabilidade climática devem estimular mais planejamento urbano e soluções integradas de conservação

É inquietante constatar que o nível dos reservatórios de água da Grande São Paulo, responsáveis pelo abastecimento de 21 milhões de pessoas, atingiu o índice mais baixo desde a crise hídrica de 2014-15.

As agruras da maior seca documentada na região seguem vivas na memória e impingiram dolorosa mudança de hábitos: uma rara estiagem causou interrupções no fornecimento e baixa pressão por meses, especialmente nos bairros mais altos e periféricos.

À época ficaram evidentes a insuficiência no planejamento hídrico da Sabesp (a companha de abastecimento do estado, privatizada há um ano) diante de situações excepcionais. O problema é que episódios de seca continuada podem não ser tão excepcionais assim num cenário de agravamento da crise climática.

De lá para cá, contudo, não há dúvidas de que a empresa reforçou sua infraestrutura. Sob controle estatal, ampliou a interligação entre os sistemas, o que permite redistribuir a transferência de água para reequilibrar os níveis, e atuou na recuperação de nascentes, bacias e mananciais.

Ainda assim, as medições dos últimos tempos geram preocupação. O nível dos sete reservatórios que abastecem a Grande SP era de 72,5% em 2023, 59,6% em 2024 e, no último dia 14, estava em 41,1% —uma baixa de 31,4 pontos percentuais em dois anos.

Se em 2015, auge da crise histórica, os reservatórios agonizavam com 11,4% da capacidade nessa mesma data, é forçoso recordar que em, 2013, um ano antes da grande estiagem, o volume estava em 61,1%; ou seja, 20 pontos acima da situação atual.

Com um agosto mais seco que o normal, os percentuais devem continuar em queda até o final de setembro. Técnicos da Sabesp e do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) descartam a volta dos traumáticos racionamentos, mas campanhas de conscientização já estão no horizonte.

De fato, de modo geral, o uso consciente da água ainda está longe do ideal —ainda que, desde 2015, a redução per capita tenha chegado a cerca de 15%.

Cabe à Sabesp, também, conter as perdas, um flagelo do abastecimento: 29,5% da água tratada é desperdiçada em vazamentos ou ligações clandestinas; abaixo da média nacional, mas bem aquém dos padrões internacionais.

A combinação de crescimento populacional e clima instável exige desde já planejamento urbano de longo prazo, soluções integradas de conservação e pesado investimento em infraestrutura —mundo afora, outras regiões metropolitanas já vivem a escassez hídrica como rotina diária.

O voluntarismo temerário do sr. Dino

O Estado de S. Paulo

Ministro do STF erra na forma e no conteúdo ao tentar proteger o colega Alexandre de Moraes dos arreganhos de Trump, gerando imensa insegurança jurídica no setor bancário brasileiro

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino tomou uma decisão temerária, para dizer o mínimo, ao tentar proteger seu colega Alexandre de Moraes dos efeitos das sanções que lhe foram impostas pelo governo dos EUA em represália a suas determinações no âmbito do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Dino achou que era o caso de usar os autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.178, relativa ao desastre ambiental de Mariana (MG), para fazer um manifesto político em nome da defesa da soberania nacional contra os arreganhos do presidente americano Donald Trump. E, ao fazê-lo, o sr. Dino criou uma situação de enorme insegurança jurídica para o sistema financeiro brasileiro. Um feito e tanto para um ministro calouro na história do STF.

O caso concreto da ADPF 1.178 diz respeito à legitimidade de municípios brasileiros para propor ações judiciais perante a Justiça do Reino Unido com o objetivo de obter indenizações por supostos danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana, ocorrido em 2015. Dino, corretamente, asseverou que “leis estrangeiras, atos administrativos e ordens executivas” emanados do estrangeiro não têm validade no Brasil, salvo quando homologados pelo Judiciário pátrio ou expressamente previstos em acordos de cooperação judiciária internacional. O problema está na instrumentalização da ADPF 1.178 para influenciar outro debate, de altíssima complexidade, envolvendo a sanção imposta pelo governo dos EUA a Moraes nos termos da Lei Magnitsky.

O ministro Dino não cita esse diploma legal estrangeiro em sua decisão, mas nem precisava. O objetivo de neutralizá-lo em solo nacional ficou mais do que evidenciado quando o próprio ministro afirmou que, quando da propositura da ADPF 1.178 pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), considerou que “não havia urgência de provimento judicial” de sua parte. No entanto, prosseguiu Dino, ele mudou de ideia ao se deparar com o “fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas nações sobre outras”, o que o ministro enxerga como agressões a “postulados essenciais do Direito Internacional”.

Ora, como se sabe, a Lei Magnitsky não “vale” fora dos EUA – ou seja, essa lei, como quase todas as outras, não produz efeitos extraterritoriais. Vale dizer, não viola propriamente a soberania de outro país. O que a Lei Magnitsky determina é que pessoas físicas e jurídicas sujeitas à jurisdição dos EUA, estas sim, não podem ter relações comerciais com os sancionados caso queiram manter negócios naquele país. No que concerne à situação de Moraes, bancos brasileiros com operações em dólar ou negócios nos EUA não podem simplesmente seguir tendo o ministro como cliente, ignorando a sanção imposta pela Casa Branca, sob pena de sofrer duríssimas retaliações econômicas e políticas que poderiam, no limite, inviabilizar suas atividades.

O uso da Lei Magnitsky para punir Moraes foi uma medida arbitrária e sem qualquer lastro no espírito da lei. Sua instrumentalização caracteriza Donald Trump em estado bruto: um presidente que usa o descomunal poder dos EUA para impor suas vontades – no caso, subjugar o STF para livrar a cara de Jair Bolsonaro. O problema, no entanto, é outro: ao agir para proteger um colega, Dino impôs às instituições financeiras brasileiras uma escolha impossível: desobedecer ao STF e sofrer sanções no Brasil ou desrespeitar a Lei Magnitsky, pondo em risco suas operações nos EUA. Esse risco teve um preço: só nas últimas 48 horas, os maiores bancos do País perderam quase R$ 42 bilhões em valor. Ademais, se havia necessidade de analisar os efeitos da Lei Magnitsky aqui, a questão deveria ter sido apreciada no processo correto, a ação cautelar relatada pelo ministro Cristiano Zanin, instaurada para tratar especificamente desse tema.

O voluntarismo de Dino mostra como a tentação de usar o STF como espaço de militância política faz mal ao País. A Corte deveria se limitar a ser a última linha de defesa da Constituição, o que já é muita coisa, não uma central de recados político-ideológicos. Ao transformar a ADPF 1.178 em instrumento para blindar Moraes, o ministro instalou um tumulto jurídico e econômico que ninguém no Brasil, ao menos por ora, sabe como resolver.

No show de Trump, quem brilha é Putin

O Estado de S. Paulo

O presidente americano atuou como dublê do autocrata russo na cúpula com Zelenski e líderes europeus ao falar em concessões territoriais em troca de vagas promessas de segurança

O duplo espetáculo diplomático encenado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, nos últimos dias – primeiro no Alasca, com o autocrata russo, Vladimir Putin, depois em Washington, com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, e sete líderes europeus – não resultou na tragédia que se temia. Não houve imposição de uma paz envenenada em que Kiev fosse forçada a ceder territórios em troca de garantias frágeis. Tampouco se repetiu a humilhação de Zelenski no Salão Oval há pouco tempo. Emergiram até alguns sinais positivos: Trump mencionou pela primeira vez a possibilidade de participação americana em garantias de segurança para a Ucrânia, e a presença dos líderes europeus demonstrou um razoável grau de unidade transatlântica. Mas qualquer esperança de progresso substantivo evapora sob a pressão dos fatos: a guerra prossegue, os bombardeios russos se intensificaram justamente durante as conversas, e a distância entre as posições permanece abissal.

As reuniões revelaram mais sobre estilo do que sobre substância. Trump exibiu sua habitual diplomacia performática: encontros coreografados, declarações grandiloquentes, promessas vagas. A ameaça inicial de impor um cessar-fogo se liquefez após o aperto de mão com Putin em Anchorage. Em Washington, as conversas giraram em torno de mapas e hipóteses de “troca de terras”, um eufemismo para concessões territoriais que Kiev rejeita por princípio. Trump acenou com garantias de proteção à Ucrânia, mas sem definir mecanismos concretos, deixando no ar se os EUA realmente se arriscariam na defesa dos ucranianos contra um novo ataque russo.

A Europa, por sua vez, correu a Washington menos para buscar a paz do que para escoltar Zelenski. Receava que Trump, seduzido por Putin, tentasse empurrar um acordo unilateral, sacrificando a integridade ucraniana em troca de uma solução rápida. Essa manobra foi evitada. Os líderes europeus falaram com uma só voz, defenderam Zelenski de pressões assimétricas e extraíram de Trump uma adesão, ainda que retórica, à ideia de segurança coletiva. Foi um gesto político relevante, mas insuficiente para moldar o rumo da guerra.

Putin, no entanto, saiu fortalecido no plano simbólico. Apareceu lado a lado com o presidente dos EUA em território norte-americano, projetando-se como igual. Extraiu de Trump vetos à devolução da Crimeia e ao ingresso da Ucrânia na Otan, e ainda ditou a pauta: sua proposta de “troca de terras” dominou as conversas, deslocando o centro de gravidade do debate. E, enquanto negociava, intensificava os ataques sobre cidades ucranianas, demonstrando que sua lógica é a da chantagem armada. A insistência em promessas de que nunca mais invadiria a Ucrânia soa cínica, dada sua longa trajetória de violações.

No fundo, o impasse é claro. Kiev não aceita abrir mão de território soberano. Moscou não aceita um acordo que envolva tropas ocidentais em solo ucraniano. E Washington, sob Trump, oscila entre ameaças vagas e lisonjas sinceras a Putin, oferecendo apenas promessas maleáveis de apoio europeu com “coordenação” americana. A paz, assim, segue tão distante quanto antes.

Há, porém, consequências duradouras. A diplomacia de Trump reforça a percepção de que os EUA já não são um fiador confiável da ordem europeia. Para muitos governos, a lição é inequívoca: a segurança do continente dependerá cada vez mais da própria Europa. Essa constatação já se reflete em compromissos de aumento de gastos militares, novos arranjos de defesa e uma incipiente disposição de formar uma força multinacional para a Ucrânia – ainda que envolta em dúvidas sobre escala, viabilidade e custo político.

Trump prometeu que sua diplomacia pessoal traria resultados rápidos. Por ora, entregou apenas espetáculo. Putin reafirmou sua crueldade com bombas sobre civis, e a Europa mostrou disciplina, mas nenhuma estratégia clara. Se há uma conclusão desses encontros, é a de que conversas sem substância não aproximam a paz: apenas compram tempo para que Moscou prolongue a guerra.

Governismo de oposição

O Estado de S. Paulo

PP e União Brasil são um fenômeno: atacam Lula e permanecem no governo

O PP e o União Brasil oficializaram ontem a federação que os transforma num gigante eleitoral e financeiro para as duas próximas eleições. Os números são eloquentes: quase R$ 200 milhões da soma dos dois fundos partidários, se considerado o patamar que ambos receberam nas eleições passadas; 109 deputados, 15 senadores e 7 governadores, constituindo assim a maior bancada da Câmara dos Deputados, cerrando fileiras com o PL e o PSD entre as maiores bancadas no Senado e abrigando ainda o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP); além de 1,3 mil prefeitos eleitos em 2024, um presidenciável, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e quatro ministros.

Mais do que a robustez da federação, que lhe garante poder de fogo e negociação na montagem de alianças, chama a atenção outro feito: PP e União Brasil instituíram a singular condição de serem, simultaneamente, governo e oposição. Quem acompanha a história errática do nosso sistema partidário sabe que a fluidez ideológica, vamos chamar assim, costuma adornar a vida das legendas. É comum ainda que os partidos abriguem forças distintas, que convivem internamente e disputam espaços e decisões. Também não chega a ser novidade agremiações centristas trafegarem entre a adesão ao governo de ocasião, invariavelmente retribuída com cargos e verbas, e, conforme as circunstâncias, a migração para a oposição. Seria ingenuidade não enxergar a federação recém-nascida com tais lentes, mas os caciques dos dois partidos conseguiram uma proeza maior.

Eles conjugam a permanência na base de apoio ao governo – onde ocupam os Ministérios do Turismo (Celso Sabino), Comunicações (Frederico de Siqueira Filho), Integração e Desenvolvimento Regional (Waldez Góes) e Esporte (André Fufuca), além do comando da Caixa e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) – com a ferocidade oposicionista a Lula da Silva e ao PT, exibida especialmente pelos presidentes das duas legendas, Ciro Nogueira (PP) e Antonio Rueda (União Brasil). Há meses, ambos não só fazem críticas duras ao governo como estão alinhados à candidatura presidencial da direita. Por outro lado, nomes dos dois partidos abrigados no governo têm resistido a um eventual desembarque, mesmo ante as frequentes ameaças de rompimento que Nogueira e Rueda têm feito.

É uma espécie única, que só mesmo o Brasil é capaz de produzir: o governismo de oposição, um paradoxo que resulta em algo impensável até mesmo para os padrões elásticos de coerência ideológica e partidária do País. E assim, enquanto ocupam oficialmente a base de apoio ao governo e usufruem dos cargos e verbas de ministérios e estatais, difundem críticas públicas ferozes ao governo que supostamente representam e trabalham por candidaturas oposicionistas. Pode-se argumentar que o PT costuma relegar a segundo plano parceiros fora da patota. Mas basta acompanhar o ideário de ambos para constatar que nada têm a ver com o lulopetismo: a agenda que pregam, como a defesa de ajuste fiscal, menos impostos e redução do Estado, significa tudo menos o que Lula e seus sabujos defendem.

Donde se conclui que é hora de os dois partidos decidirem, de uma vez por todas, se são governo ou oposição.

Modelo de escola cívico-militar pode levar a exclusões

Correio Braziliense

Por que agentes de segurança pública precisam ser responsáveis pela educação, quando o contrário não acontece?

Em uma guerra judicial que dura meses, o governo de São Paulo planeja iniciar a contratação de militares da reserva para trabalhar em escolas cívico-militares a partir do mês que vem. O projeto que se estende em caráter estadual e municipal em boa parte do Brasil agora se torna política pública também no principal estado do país em termos populacionais e econômicos.

Especialistas, porém, apontam para diversos problemas das escolas cívico-militares — entre eles, alguns flagrantes já no contracheque. Segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), o salário dos policiais militares aposentados nessas unidades será de R$ 6.034 para 40 horas de trabalho semanais, enquanto agentes escolares na rede estadual ganham no máximo R$ 1.650 cumprindo a mesma carga horária. 

A proposta também precisa ser questionada em seu cerne: por que agentes de segurança pública precisam ser responsáveis pela educação quando o contrário não acontece? Seria razoável um professor no comando de batalhão especializado, por exemplo? 

Além do mais, estudiosos alertam que escolas cívico-militares andam na contramão do básico da pedagogia e do ensino público: manter portas abertas para permitir a educação de todos, de maneira igualitária, sem preconceitos. Se há uma padronização, até mesmo com a dispensa de estudantes que não alcançam determinados índices, a escola deixa de cumprir seu papel número um: o de evitar a segregação social. 

Segundo a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos, até mesmo o uniforme adotado pelas escolas cívico-militares segrega a população estudantil, já que boa parte dos itens obrigatórios não é fornecida pelo poder público. A sociedade brasileira, em hipótese alguma, deve financiar políticas públicas que atendem apenas a uma parcela da população. Se um projeto é público, ele deve partir, em primeiro lugar, da universalização do acesso ao mesmo. 

Quem defende a criação dessas unidades escolares alega que os estudantes têm rendimento melhor nos espaços geridos por militares do que em escolas convencionais. Alguns pontos, no entanto, precisam ser problematizados. Como essas escolas são criadas geralmente por gestores alinhados às forças de segurança, é esperado que recebam maiores investimentos em infraestrutura, por exemplo. O mesmo vale para a já abordada questão salarial.

A iniciativa dos governadores em busca de uma melhor educação sempre é válida. Mais do que isso: extremamente necessária em um país que ainda peca na formação das novas gerações. Mas educação se faz com educadores. Assim como segurança pública se faz com pessoal treinado e preparado para executar suas funções. É melhor que cada um atue conforme suas qualificações técnicas.

ECA Digital deve ser votado hoje

O Povo (CE)

A regulação das redes vai continuar em pauta. O governo federal vai enviar ao Congresso Nacional, na próxima semana, mais dois projetos de lei sobre as big techs

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), quer votar nesta quarta-feira o projeto de lei (PL) 2628/22, que estabelece normas de proteção a crianças e adolescentes em ambientes digitais.

De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), sob relatoria do deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), o PL vem sendo chamado de "ECA Digital", referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente, pois o projeto de lei tem como foco a proteção desse segmento nas redes sociais.

Estabelecer algum tipo de regulamentação para o funcionamento das plataformas digitais sempre causou polêmica, tanto na sociedade quanto nos ambientes políticos. É de se lembrar que o chamado PL das Fake News, que propunha regulamentação das redes, foi aprovado no Senado em 2020, mas arquivado na Câmara dos Deputados em abril de 2024, quando o presidente da Câmara era Arthur Lira (PP-AL). Em sua tramitação, o projeto esteve sob intensa pressão de partidos de oposição e das grandes empresas de tecnologia.

A principal crítica a se criar algum tipo de critério para o funcionamento das plataformas digitais parte de parlamentares de direita, sob a alegação de que isso equivaleria a censura. O argumento insustentável, a não ser que se considere, por exemplo, a União Europeia e o Reino Unido (RU) lugares onde a liberdade de expressão é cerceada.

O grupo europeu, de 27 países, e o RU aprovaram leis para responsabilizar as plataformas digitais e empresas de tecnologia pelos conteúdos que publicam. E esse é o ponto principal que as big techs querem derrubar.

E ainda existe oposição ao ECA Digital, mesmo depois dos horrores mostrados no vídeo do youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, revelando como funciona abertamente uma verdadeira indústria de abuso e de exploração sexual infantil nas redes sociais.

Ao que tudo indica, depois da comoção provocada pelas revelações de Felca, o projeto deverá ser aprovado.

É importante salientar que foi o repúdio generalizado da sociedade a esse tipo de prática criminosa, tão bem explicitada por Felca, que levou o Congresso Nacional a correr com o projeto de lei 2628/22, que propõe uma série de regras a serem cumpridas no ambiente digital para evitar o abuso e exploração infantil.

No entanto, o assunto vai continuar em pauta. Segundo informou a plataforma de notícias G1, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai enviar ao Congresso Nacional, na próxima semana, dois projetos de lei sobre as big techs.

Uma das propostas cria regras para regulação de conteúdo. A outra, redigida no Ministério da Fazenda, refere-se à regulação econômica, com medidas para coibir práticas de concorrência desleal pelas plataformas.

Como citado acima, nada diferente do que já fizeram a União Europeia e o Reino Unido, dentro dos marcos democráticos.


 

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