Valor Econômico
Investimentos públicos e privados são
complementares e precisam estar articulados
O Brasil realmente é um país cheio de
contradições. Os dados do mercado de trabalho são um bom exemplo. Se por um
lado alguns números são favoráveis, especialmente quando analisadas suas taxas
recentes de variação, em valores absolutos são um verdadeiro fracasso.
Segundo a PNAD Contínua do IBGE, a taxa
média de desemprego no último ano (9,3%) foi a mais baixa desde 2016.
Comparativamente a 2020, primeiro ano da pandemia, houve queda de quatro pontos
percentuais, o que não é pouca coisa. Mas em termos absolutos havia
impressionantes 10 milhões de pessoas desocupadas e 24 milhões de subutilizadas
em 2022.
No interior do mercado de trabalho a inserção precária da população está disseminada. Das 98 milhões de pessoas ocupadas em 2022, apenas 36 milhões possuíam carteira de trabalho assinada. Em contrapartida, havia 13 milhões sem carteira assinada e 25,5 milhões de trabalhadores por conta própria, a maioria dos quais sem cobertura previdenciária. Destacam-se também as quase 6 milhões de pessoas no emprego doméstico, a maioria também sem carteira assinada. A população ocupada na informalidade representava quase 40% das pessoas ocupadas em 2022. Imaginem o desafio, tanto em termos econômicos quanto sociais, para o país sustentar os informais no futuro quando não puderem mais trabalhar.
Olhando pelo lado do rendimento, os dados
são também bastante desfavoráveis. Em 2022 o rendimento médio (R$ 2.714) atingiu
o menor nível desde 2013. Nos últimos dois anos houve queda de 8% no rendimento
médio real. O baixo crescimento econômico, aliado à inflação, está por trás da
queda do rendimento da população nos últimos anos.
Os dados desfavoráveis do mercado de trabalho
justificam a preocupação do atual governo com a questão social e a luta por
encontrar recursos orçamentários que permitam a transferência de renda aos mais
pobres e aos excluídos do mercado de trabalho. Trata-se de uma questão
emergencial que precisa ser enfrentada. Mas no médio prazo é preciso que a
economia volte a crescer para que as pessoas consigam se inserir da melhor
forma possível no mercado de trabalho.
A economia vem rateando desde 2014. É
praticamente uma nova “década perdida”. Como sair do atoleiro em que o país
está mergulhado? Como fazer com que as pessoas precisem cada vez menos de
transferências sociais e consigam gerar sua própria renda?
A resposta certamente passa pela questão da
produtividade e da geração de empregos. Desde 2013 a produtividade do trabalho
encontra-se estagnada no país, exceto em 2020 quando houve crescimento por
conta da crise no mercado de trabalho no primeiro ano da pandemia, voltando em
seguida ao padrão anterior. A produtividade baixa dos últimos anos permitiu a geração
de empregos, mas em sua maioria precários e mal remunerados. Note-se,
entretanto, que geração de empregos e aumento da produtividade do trabalho são
objetivos perfeitamente compatíveis, podendo gerar um círculo virtuoso,
bastando para isso que a economia cresça mais que a produtividade.
A comparação com os níveis de produtividade
de outros países é muito desfavorável ao Brasil. Segundo o ranking da World
Population Review de 2022, o Brasil aparece em 57º lugar numa lista de 62
países, atrás da Argentina, México, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru e Equador.
Por outro lado, a produtividade do trabalho dos países mais desenvolvidos é
muito maior que a brasileira - Noruega (7 vezes); Estados Unidos (6,2); França
(5,5); Alemanha (5,3).
Por que a posição do Brasil é tão negativa
comparativamente ao padrão internacional e por que a produtividade tem evoluído
de forma tão negativa nos últimos anos? Várias causas têm sido apontadas.
Um dos primeiros pontos mencionados por
especialistas sobre o tema e que contribui para o baixo nível de produtividade
do país é o padrão deficiente da escolaridade da população em geral e da força
de trabalho em particular e a má qualidade do ensino. Se por um lado a
escolaridade média tem crescido, por outro ainda há muito a ser feito nessa
área, começando pelo ensino fundamental, passando pelo ensino técnico e
continuando no ensino superior.
Outra questão importante sempre apontada é
a baixa taxa de investimentos, que vem de longa data e tem se acentuado nos
últimos anos por conta dos desequilíbrios da economia. Como consequência, há
grandes deficiências na infraestrutura conduzindo à utilização de tecnologias e
processos produtivos defasados que contribuem para a estagnação da
produtividade.
Há ainda questões associadas ao ambiente de
negócios, a uma estrutura tributária complexa e ao excesso de burocracia, que
acabam dificultando o processo produtivo retardando o crescimento da
produtividade.
O que fazer para superar as atuais
dificuldades em termos de produtividade? A resposta é complexa passando,
inicialmente, pela vontade política para enfrentar os atuais problemas. Alguns
pontos, entretanto, poderiam ser destacados.
Seria fundamental que as políticas públicas
consigam dar conta das diversas áreas que influenciam o nível geral da produtividade
do país (investimentos em infraestrutura, educação básica, formação
profissional em geral, crédito para empresas inovadoras, entre outras) onde as
atuais carências são conhecidas e planejada sua superação a médio prazo. Com
isso seria dado um primeiro passo.
O pano de fundo para o aumento da
produtividade seria, sem dúvida, a retomada da capacidade de investimento do
setor público limitada pelas dificuldades fiscais do país. Investimentos
públicos e privados são complementares e precisam estar articulados. As
parcerias público-privadas devem ser bem aproveitadas. A política de teto de
gastos dos últimos anos criou um sério obstáculo para a participação do Estado
nos investimentos, dificultando com isso a parceria com o setor privado. Terá,
portanto, que ser substituída por um outro mecanismo como prometido pelo atual
governo.
Alguma limitação ao crescimento dos gastos
públicos precisaria ser implementada para evitar seu eventual descontrole com o
abandono definitivo do teto dos gastos, como, por exemplo, através da definição
da trajetória de evolução da relação dívida pública/PIB a médio/longo prazo,
que é uma forma padrão de controle da dívida pública. Pelo lado da receita
ainda há espaço para o aumento da arrecadação de impostos, como no caso da
tributação de dividendos e na redução de diversas desonerações existentes que
poderiam dar uma contribuição adicional à questão fiscal.
O fato de estarmos diante de um novo
governo nos próximos quatro anos representa um momento especial que precisa ser
bem aproveitado para modificar a trajetória dos investimentos no país e com
isso contribuir para o crescimento da produtividade no futuro.
*João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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