Valor Econômico
Proposta terá influência sobre os juros
longos e as expectativas de inflação
O primeiro trimestre do ano se aproxima do
fim e o cenário para a economia brasileira segue nublado. Com o anúncio do
projeto da regra fiscal que vai substituir o teto de gastos, previsto para esta
semana, o governo pode reduzir as incertezas em relação às contas públicas. Há
sinais, porém, de resistência da ala política a medidas de controle das
despesas. Isso pode resultar numa proposta menos crível, fazendo o Banco
Central atrasar o início do ciclo de corte de juros tão desejado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC define na quarta-feira o rumo da Selic, devendo manter a taxa em 13,75% ao ano. Um sinal de que uma redução dos juros está mais próxima, ou menos distante, dependerá em boa parte da percepção sobre o novo conjunto de regras para as contas públicas.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Armando Castelar avalia que os
juros deverão cair no fim deste ano ou no começo do ano que vem. Ele diz que a
inflação continua a rodar acima da meta, com os núcleos do IPCA ainda na casa
de 8,5% no acumulado em 12 meses, muito acima do alvo de 3,25% perseguido pelo
Banco Central (BC) neste ano. Os núcleos buscam reduzir ou eliminar a
influência dos itens mais voláteis. Alguns analistas, por sua vez, consideram
factível uma queda da Selic no meio do ano.
Para Castelar, se for anunciada uma nova
regra fiscal satisfatória, que dê previsibilidade para a trajetória das contas
públicas, os juros de longo prazo tendem a cair, além de ajudar no controle das
expectativas de inflação. As taxas de juros mais longas têm se mantido em
níveis muito elevados, acima de 6%, descontada a inflação, embutindo um alto
prêmio de risco, reflexo das incertezas na economia, afirma ele. A eventual
redução desse ambiente incerto “será a maior contribuição para o corte dos
juros vindo de um bom arcabouço fiscal”, afirma Castelar.
Ele não acha, contudo, que isso abrirá
espaço para uma queda imediata dos juros, considerando que a instituição seguirá
as regras do regime de metas de inflação. Desde que Lula passou a criticar o BC
e o nível da Selic, as projeções para o IPCA passaram a subir com mais força, o
que dificulta o cumprimento das metas. O consenso do mercado aponta para um
IPCA de 5,96% em 2023, de 4,02% para 2024 e de 3,8% para 2025. Para este ano, o
alvo é de 3,25%, como já foi dito, e de 3% nos dois anos seguintes.
Na sexta-feira, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, apresentou a Lula a proposta da nova norma para as contas
públicas. As informações são de que a ala política resiste a medidas que
restrinjam os gastos, por temer o impacto sobre a atividade econômica e, por
tabela, sobre a popularidade do presidente. O governo vai discutir novamente o
projeto da Fazenda amanhã, numa reunião entre Haddad, o ministro da Casa Civil,
Rui Costa, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Se a regra anunciada for
muito frouxa, não reduzirá as incertezas sobre a trajetória da dívida bruta,
que deve voltar a crescer a partir deste ano, num quadro de menor crescimento
das receitas, pressão sobre as despesas e maiores gastos com juros. O resultado
será uma maior demora para o começo dos cortes da Selic, adiando a recuperação
da atividade. O FGV Ibre projeta uma expansão do PIB de 0,3% neste ano, com a
queda dos serviços e da indústria sendo mais que compensada por uma alta forte
da agropecuária. Já o consenso do mercado, por enquanto, é de um crescimento de
0,89%, segundo os economistas ouvidos pelo BC.
Na semana passada, a Secretaria de Política
Econômica (SPE) da Fazenda baixou a estimativa de crescimento de 2023 de 2,1%
para 1,61%, justificando o corte do número pelos indicadores que mostraram
arrefecimento da economia e pelos “efeitos defasados mais intensos da política
monetária sobre a atividade e mercado de crédito do que o anteriormente
projetado”, além da perspectiva de menor liquidez “nos EUA e em outras
economias”.
Apesar de a projeção da Fazenda ser
superior à do consenso de mercado, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, pregou
no Twitter a necessidade de uma política fiscal “contracíclica, expansionista”,
afirmando que, “se é verdade que a economia crescerá menos este ano, segundo
indicadores divulgados pelo governo, precisamos então aumentar os investimentos
públicos e não represar nenhuma aplicação no social”. É um sinal de que a regra
fiscal elaborada por Haddad tende a enfrentar oposição dentro do PT. Ainda que
seja mais flexível e tenha mecanismos anticíclicos, ela não pode prescindir de
medidas para conter o ritmo de expansão de despesas, sem exceções em demasia,
ou não será crível.
Nesta semana, o Federal Reserve (Fed, o BC
americano) também vai decidir o rumo dos juros americanos. Castelar acredita em
alta de 0,25 ponto percentual, com o comunicado indicando menos aumentos à
frente. Para ele, a interrupção do aperto monetário nos EUA seria uma má ideia,
num quadro em que a inflação segue pressionada, apesar dos problemas
enfrentados por alguns bancos, como o Silicon Valley Bank e o Signature, que
quebraram, e o First Republican, socorrido por uma injeção de US$ 30 bilhões de
instituições privadas.
Castelar, desse modo, espera por parte do
Fed uma estratégia parecida com a do Banco Central Europeu (BCE), que elevou os
juros em 0,5 ponto na semana passada, ao mesmo tempo em que deixou de se
comprometer com novos aumentos da taxa. A se concretizar esse quadro de menos
altas dos juros no exterior, haverá menos pressões do mercado global sobre as
taxas por aqui, ainda que isso não deva se traduzir em redução da Selic nos
próximos meses, avalia Castelar. Ele tampouco vê uma contração violenta do
crédito (um “credit crunch”) no Brasil que justifique um relaxamento monetário
imediato. Os problemas, para Castelar, são localizados - o crédito de modo
geral continuaria a fluir, embora a um ritmo mais lento.
Há quem veja, porém, a possibilidade de
antecipação do início dos cortes de juros, como os economistas do Barclays. Em
relatório, eles dizem trabalhar com a primeira baixa da Selic em setembro, mas
consideram possível que o ciclo comece em junho ou agosto, a depender da
evolução das condições financeiras domésticas e internacionais.
Para a ala política do governo e para o PT,
mesmo um corte dos juros em junho ou agosto tende a ser visto como tardio.
Novos embates com o BC, nesse cenário, são bastante prováveis. Por mais que
seja repetitivo, vale dizer que será uma estratégia contraproducente. O mais
eficaz é o governo apresentar uma regra fiscal flexível, com limites para
gastos, que indique uma trajetória de estabilização e queda da dívida bruta como
proporção do PIB ao longo do tempo. Para isso, porém, o governo de Lula precisa
resistir à tentação populista.
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