É muito improvável governo cumprir metas de Haddad
O Globo
Números mostram que dificilmente o déficit
será zerado e os resultados fiscais prometidos serão entregues
Desde o início do ano, os economistas e
analistas de mercado manifestam receio sobre os gastos públicos. A fonte do
temor é a última passagem do PT pelo Palácio do Planalto. No último governo
Dilma Rousseff, a dívida pública saltou de 52% para 70% do PIB (hoje está em
74%). Diante das dúvidas, a reação de Luiz Inácio Lula da Silva foi de
indignação. Pois, oito meses depois, os fatos mostram que as vozes céticas não
estão distantes da realidade.
É verdade que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs ao Congresso, com apoio de Lula, um novo arcabouço fiscal para substituir a regra do teto de gastos (o texto espera avaliação da Câmara depois de ter sido modificado no Senado). Embora imperfeito ao impor elevação da arrecadação nada desprezível, o novo arcabouço foi saudado, pois qualquer regra é melhor que regra nenhuma. Haddad foi além. Prometeu reduzir o déficit deste ano a R$ 100 bilhões e estabeleceu como meta zerá-lo em 2024, com superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026.
Desde que o anúncio foi feito, analistas
têm posto em questão a capacidade de o governo entregar o prometido. Nas
últimas semanas, tem ficado claro que as metas dificilmente serão cumpridas. Já
são nítidos os sinais de que o déficit de R$ 100 bilhões prometido para este
ano não é factível. O próprio Tesouro elevou a estimativa de R$ 108 bilhões em
fevereiro para R$ 146 bilhões em seu último relatório.
A situação se complica quando se analisam
os dois lados do Orçamento. Comparando o primeiro semestre deste ano com 2022,
as receitas caíram de 14,2% para 13,7% do PIB, enquanto as despesas cresceram
5,1%. O cumprimento das metas traçadas por Haddad exigiria, de acordo com
cálculos do Ipea, uma alta de 1,4% do PIB nas receitas e um corte de 1,5% do
PIB nas despesas até 2026. É um ajuste fiscal da ordem de R$ 300 bilhões, que
não aparece no radar de ninguém no governo.
Em vez disso, têm surgido iniciativas para
implementar manobras contábeis de toda sorte, de modo a maquiar os números.
Haddad conversou na semana passada com o ministro da Advocacia-Geral da União,
Jorge Messias, sobre a viabilidade de retirar das despesas primárias dívidas do
governo já sacramentadas pela Justiça (os precatórios). A medida permitiria ao
governo gastar, sem ter de fazer os cortes correspondentes, como manda a Lei da
Responsabilidade Fiscal. No papel, até poderia cumprir as metas, mas tudo não
passaria de ficção.
O governo também pediu ao Congresso a
exclusão de R$ 5 bilhões de gastos no PAC. A justificativa é que o dinheiro não
sairá do Tesouro, mas de estatais federais. A estratégia, comum em governos
petistas, é buscar subterfúgios para elevar o gasto público. Se, lá adiante,
uma dessas estatais passar por apuros em razão de investimentos infelizes no
PAC, quem virá em socorro?
Várias vezes no passado, Lula insistiu no
discurso falacioso de que o gasto no que o Brasil precisa não é despesa, mas
investimento. Diante da realidade, o raciocínio populista rapidamente se
desfaz. Governos que gastam mais do que arrecadam elevam a dívida pública.
Dívidas maiores aumentam o temor de que não serão honradas. Quanto maior o
risco percebido, mais altos devem ser os juros pagos ao mercado, e menos
dinheiro sobra para gastar. Depois de tanta experiência no governo, o PT já
deveria ter aprendido.
Descarbonização da América Latina exige
compromisso urgente
O Globo
Estudo estima em quase 10% do PIB a
necessidade de investimentos no continente para zerar emissões
O compromisso assumido há oito anos pelos
países da América Latina — zerar, até 2050, as emissões líquidas de carbono na
atmosfera — já está atrasado. Não será cumprido sem uma estrutura robusta de
financiamento a projetos de descarbonização. Pelas contas da consultoria
McKinsey, serão necessários mais de US$ 20 trilhões (o equivalente ao PIB dos
Estados Unidos) para atingir a meta.
A cifra, que já leva em conta o
barateamento das tecnologias necessárias com o tempo, corresponde a algo como
US$ 740 bilhões anuais, ou 9,4% do PIB da região. O desafio é evidente se
levarmos em conta que os países latino-americanos são pressionados por demandas
sociais de toda sorte, que várias economias (inclusive a brasileira) ainda
dependem de combustíveis fósseis para crescer e que nem todo projeto de redução
de emissões gera resultado positivo no prazo curto ditado pelo mercado
financeiro.
O relatório da McKinsey registra a lentidão
da América Latina na adoção das tecnologias verdes. Enquanto carros elétricos e
bicicletas se tornam a cada dia mais comuns em cidades europeias como Lisboa ou
Paris, o transporte em toda a região ainda se apoia no diesel. Não à toa,
segundo a McKinsey, transporte e mobilidade é o setor que exigirá maior
investimento para descarbonização (US$ 8,2 trilhões), seguido de energia (US$
3,1 trilhões) e construção (US$ 2,2 trilhões).
De acordo com o estudo, Brasil, Chile,
Colômbia e México são os países que mais avançaram em exigências ambientais,
como a divulgação de informações corporativas. Cerca de 50% dos ativos
bancários latino-americanos já estão em instituições financeiras que aderiram
ao Net-Zero Banking Alliance (NZBA), iniciativa das Nações Unidas para zerar
emissões de carbono, mas a maioria em subsidiárias de bancos estrangeiros. É
preciso mais.
Um fato positivo foi o anúncio, no início
do mês, de uma aliança de 19 instituições bancárias para apoiar o
desenvolvimento sustentável da Amazônia. Tais iniciativas precisam se
multiplicar no continente também para outros setores além da preservação florestal.
A McKinsey aponta oportunidades em recursos minerais (como o lítio necessário
para baterias), energia renovável e biocombustível. No caso brasileiro, as
novas áreas de investimento formam um mercado estimado em mais de US$ 125
bilhões.
Para destinar recursos aos negócios
lucrativos de descarbonização, será fundamental regulamentar o mercado de
créditos de carbono (no Brasil, o tema está empacado no Congresso). O papel do
Estado será essencial também na regulação e nos incentivos a setores menos atraentes
ao mercado. Não será trivial destinar quase um décimo da riqueza gerada no
continente ao objetivo de zerar as emissões. O investimento menor, segundo a
McKinsey, adiará o objetivo de zerar as emissões. Todo o planeta pagará o
preço, e a própria América Latina será uma das regiões mais atingidas, pois
concentra 13 dos 50 países mais suscetíveis às mudanças climáticas.
Imprensa responsável
Folha de S. Paulo
Não há democracia sem liberdade de
expressão; reparações precisam de equilíbrio
Ditaduras modernas já não recorrem a
tanques nas ruas para se instalar no poder, mas nem por isso abrem mão da
censura em sua escalada antidemocrática. É que a imprensa livre ajuda a
fiscalizar o governo de turno, sujeitando-o a críticas públicas com as quais
nenhum líder autoritário aceita conviver.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal
precisam ter isso em mente ao concluir o
julgamento sobre um pedido de indenização feito ao Diário de Pernambuco por
entrevista publicada em 1995.
A ação ganhou relevância porque tem
repercussão geral. Significa dizer que, para além da decisão na situação
concreta, o STF definirá, de forma mais ampla, se e em quais casos um veículo
de comunicação pode ser condenado a pagar danos morais quando um entrevistado
imputa, de forma falsa, a prática de um ato ilícito a alguém.
Está em jogo um embate clássico entre
dispositivos que desfrutam do mesmo status na Constituição. De um lado, a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem; de outro,
a liberdade de expressão e a garantia de acesso à informação, tendo como
corolário a liberdade de imprensa.
Seria um erro supor que exista resposta
simples para o dilema. Se a ninguém interessa viver indefeso contra violações
dos direitos da personalidade, tampouco se cogita uma sociedade democrática em
que as ideias não possam circular como um direito difuso e universal.
A solução mais razoável que se tem
encontrado consiste em rechaçar toda forma de censura e, como contrapartida,
criar mecanismos para reparar eventuais excessos cometidos pela imprensa.
Se foi esse o caminho escolhido pela
Constituição de 1988 e recepcionado com pompa pelo Supremo, segue-se que a
responsabilização jamais pode ser de tal monta ou tão frequente que, na
prática, torne-se censura disfarçada.
Para ficar num exemplo extremado, nenhum
veículo de comunicação escaparia da falência se precisasse pagar danos morais
por ofensa a honra a todo político implicado em escândalos de corrupção.
A caracterização dos excessos da imprensa
precisa ser inequívoca; é preciso haver não um erro, mas dolo ou negligência
gritante, de modo que salte aos olhos o abuso no exercício da liberdade.
Na maior parte dos casos, instrumentos
menos lesivos dão conta da situação, e muitos jornais, como esta Folha, já
os adotam independentemente da Lei do Direito de Resposta: correção de erros
constatados e espaço adequado à parte ofendida, entre outros.
O STF deveria reconhecer os benefícios
desse equilíbrio; do contrário, oferecerá
subsídios judiciais a quem queira calar a imprensa —caminho
certo para minar a democracia, de cuja defesa recente os ministros tanto se
orgulham.
Apagão da razão
Folha de S. Paulo
Faltam esclarecimentos sobre o blecaute,
usado pelo governo contra privatização
A semana terminou sem que as autoridades
responsáveis tenham obtido maiores avanços no esclarecimento do apagão que
atingiu 25 estados e o Distrito Federal na terça-feira (15). A precariedade de
informações, porém, não impediu que PT e governo fizessem exploração política
rasa do episódio.
Até aqui, divulgou-se apenas que o problema
teve início em uma linha de transmissão entre Quixadá (CE) e Fortaleza.
Permanece nebuloso como o incidente deflagrou blecautes de alcance nacional —o
que não deveria ocorrer.
Foram descumpridos prazos dos protocolos de
informações sobre o evento, a cargo do Operador Nacional do Sistema (ONS). Na
quinta-feira (17), o órgão anunciou que o Relatório
de Análise da Perturbação será concluído em 45 dias, em vez dos 30 habituais.
Não há como subestimar o impacto do apagão,
que poupou apenas o estado de Roraima, não participante do sistema integrado
nacional. Houve até seis horas de transtornos, a depender da região, a partir
das 8h31.
Para expoentes petistas, as agruras vividas
pela população pareceram boa oportunidade para associar —sem nenhuma base
técnica— a falta de energia à privatização da Eletrobras, ocorrida em 2022 sob
o governo Jair Bolsonaro (PL).
Destacou-se nas diatribes ninguém menos que
a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, ex-funcionária da ex-estatal.
Mais grave foi o
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), engrossar a cantilena
desinformada. Titular de uma pasta que mal justifica sua presença na
Esplanada, Silveira reclamou da desestatização, aprovada pelo Congresso,
especulou sobre causas do apagão, a serem apuradas pelo ONS, e prometeu
punições, o que cabe à agência reguladora do setor.
Movido a ideologia estatista,
corporativismo sindical e interesse em distribuir cargos para aliados, o
governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta recuperar o comando da Eletrobras
com uma esdrúxula ação no Supremo Tribunal Federal.
Poucos fora da bolha governista levam a sério a iniciativa, mas o Planalto pôde contar na semana passada com o infalível parecer favorável do procurador-geral da República, Augusto Aras. Resta esperar que o STF proteja Lula de si mesmo e do pior de sua agenda passadista —por ora, felizmente, contida pelas imposições da realidade.
O limite da imprensa já está na
Constituição
O Estado de S. Paulo
Julgamento no STF sobre liberdade de
expressão é oportunidade de reafirmar a responsabilidade dos veículos de
imprensa e a indispensável autonomia no exercício do jornalismo
Julgamento no STF é oportunidade de
reafirmar autonomia no exercício do jornalismo.
Uma vez mais o tema da liberdade de
imprensa está no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte indeferiu o recurso de
um jornal condenado por veicular entrevista que continha acusação infundada. E,
como o caso teve repercussão geral reconhecida, os ministros podem em breve
formular uma orientação para todo o Judiciário sobre o assunto – o que requer
especial cuidado.
Em 1995, o Diário de Pernambuco publicou
uma entrevista em que o delegado Wandenkolk Wanderley acusou o ex-deputado
Ricardo Zarattini Filho de ter participado do atentado a bomba no Aeroporto dos
Guararapes, no Recife, em 1966. Zarattini Filho entrou com uma ação de
indenização, alegando que a informação não era verdadeira – ele não foi
indiciado ou acusado pelo ato criminoso – e que foi impedido de exercer o
direito de resposta. No julgamento, o STF manteve a decisão condenando o jornal
a pagar R$ 50 mil por danos morais.
A decisão do STF sobre o caso ilumina dois
aspectos importantes sobre a liberdade de imprensa.
Ao contrário do que ocorre com as redes
sociais – dentro do marco legal atual, elas são praticamente irresponsáveis
pelo que difundem –, os veículos de imprensa são responsáveis juridicamente
pelo conteúdo que publicam. Essa responsabilidade jurídica gera nos meios de
comunicação um especial dever de cuidado com a checagem, a revisão e a eventual
correção a respeito do que publicam. Isso é um enorme bem para o público. Um
jornal não lava as mãos pelo que publica. Ele é responsável pelo conteúdo que
sai em suas páginas, sejam impressas ou digitais – responsabilidade essa que
propicia uma relação de confiança única com seus leitores.
Em segundo lugar, a decisão do STF joga
luzes sobre o fato de que, num regime de liberdade de imprensa, a eventual
responsabilização de um veículo de imprensa – no caso, a indenização pecuniária
por danos morais – é sempre posterior. Nunca é censura. Nunca é uma atividade
prévia à publicação. A proteção realizada pelo Judiciário em relação a outros
bens jurídicos e direitos que possam estar envolvidos no caso em concreto –
afinal, as liberdades de expressão e de imprensa não são absolutas – nunca
significa impedir que o público tenha acesso ao que um jornal pretende
publicar. É sempre uma responsabilização posterior, com base no que foi
efetivamente publicado.
Estes dois aspectos – a responsabilidade
jurídica dos veículos de imprensa e a responsabilização posterior por eventuais
danos causados pelo conteúdo publicado – estão orientados precisamente a
proteger a liberdade de imprensa. No Estado Democrático de Direito, a liberdade
nunca é sinônimo de irresponsabilidade, como também nunca é mera fantasia de liberdade.
Ela é real, envolve riscos, podendo eventualmente gerar danos, e, por isso,
existe a possibilidade de posterior responsabilização. Ou seja, no estudo a
respeito de possível orientação futura sobre o tema, o STF não pode perder de
vista que o Direito vem precisamente proteger essa liberdade real – limitada
sim, mas não fictícia.
No julgamento do recurso do Diário de Pernambuco, os ministros do STF não chegaram a um consenso sobre a tese a ser firmada como orientação geral para o Judiciário. Essa dificuldade é sintomática da complexidade do tema. Ele não somente envolve um fino equilíbrio entre vários e importantes bens jurídicos, mas afeta diretamente uma das condições de existência do próprio Estado Democrático de Direito: um ambiente de liberdade, em que as pessoas se sintam livres para expor e debater as ideias e em que a imprensa tenha condições de realizar livremente seu trabalho.
Mais do que firmar uma tese geral sobre o
assunto sem o devido amadurecimento, o STF tem o dever de defender a Constituição
e as liberdades constitucionais. Nesse sentido, talvez o melhor caminho seja
justamente não formular uma orientação geral sobre o tema, que – a depender do
seu teor – poderia tolher o trabalho jornalístico ou, ainda mais grave, levar o
Judiciário a imiscuir-se na edição de um jornal. Os parâmetros são os da
Constituição.
Novas dúvidas sobre as metas fiscais
O Estado de S. Paulo
Arcabouço ainda não foi aprovado, mas a
expansão fiscal do governo Lula já coloca em xeque a credibilidade do
dispositivo. É preciso anunciar metas realistas e começar a cortar gastos
A Instituição Fiscal Independente (IFI) do
Senado trouxe um novo alerta sobre o cumprimento das metas fiscais. Com base em
dados de sistemas do Senado e do próprio governo, o órgão destaca que a
arrecadação está em desaceleração desde maio, enquanto o ritmo de execução de
despesas tem aumentado de forma consistente. Essa combinação teve como
consequência uma piora acentuada do resultado primário nos últimos meses,
comportamento que deve ser mantido ao longo do ano.
Os gastos, segundo a IFI, foram
pressionados pelo reajuste do funcionalismo público e do salário-mínimo, piso
dos benefícios pagos pela Previdência Social, do abono salarial e do
seguro-desemprego. A tendência é que eles continuem a crescer, em razão do
aumento do número de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS).
As receitas, por outro lado, caíram 5,4%
entre janeiro e julho deste ano. Com a queda na cotação do barril de petróleo
no exterior, o governo arrecadou R$ 16,1 bilhões a menos em royalties. As
receitas com dividendos, por sua vez, recuaram quase R$ 19 bilhões. Mesmo a
arrecadação de tributos também caiu nos sete primeiros meses do ano, com
exceção das receitas recolhidas com o Imposto de Renda das pessoas físicas.
De acordo com a projeção da IFI, o governo
deve registrar um déficit primário de R$ 67 bilhões nos sete primeiros meses do
ano. Será muito difícil, portanto, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
consiga reduzir o buraco entre receitas e despesas para algo mais próximo dos
R$ 100 bilhões neste ano, muito menos zerá-lo no ano que vem.
O relatório confirma a pertinência das
críticas que o governo recebeu quando apresentou o arcabouço fiscal. As metas
dependem demais de medidas de recuperação de receitas e de propostas que ainda
precisam da aprovação do Legislativo, mas a expansão real das despesas está
garantida, qualquer que seja o cenário de arrecadação.
No Legislativo, a agenda econômica do
governo está travada desde o fim do recesso parlamentar. Lideranças da Câmara
sentaram sobre a medida provisória (MP) que taxa fundos no exterior, que
perderá validade se não for votada na próxima semana. A estratégia do governo,
de incluir a medida como emenda na MP que reajusta o salário-mínimo, foi mal
recebida e pode ser facilmente derrubada.
Também já há muita resistência sobre a
taxação de fundos exclusivos, tema que o Congresso já rejeitou em ocasiões
anteriores e quer que seja tratado no âmbito da segunda etapa da reforma
tributária, sobre a renda. Essa proposta, no entanto, só deve ser enviada ao
Legislativo depois que o Senado aprovar a primeira etapa da reforma tributária,
sobre bens e serviços – o que, na melhor das hipóteses, ocorrerá somente em
outubro, segundo o plano de trabalho apresentado pelo relator, Eduardo Braga
(MDB-AM).
A apreciação do arcabouço fiscal tampouco
foi concluída no Congresso, o que tem comprometido a elaboração do próprio
Orçamento. Sem o arcabouço, o governo precisará deixar R$ 200 bilhões em
despesas penduradas, ou seja, condicionadas à aprovação do dispositivo que
substituirá o teto de gastos. O número evidencia o tamanho da expansão fiscal
que o presidente Lula promoveu, muito além do necessário para recompor as
políticas públicas devastadas pelos anos de bolsonarismo.
O pior, no entanto, é que esses gastos
colocam em xeque a credibilidade do arcabouço antes mesmo de o dispositivo ter
sido aprovado. Parece claro que Haddad terá de recuar e anunciar metas fiscais
mais realistas e compatíveis com a realidade – a não ser que decida compactuar
com manobras.
A queda de braço que a Câmara tem feito com
o governo em torno do arcabouço, no entanto, é uma oportunidade para que os
dois lados trabalhem juntos em prol da responsabilidade fiscal. Os deputados
podem apertar mais o arcabouço, retirando as exceções que o Senado incluiu no
texto e que deixou fora do alcance do dispositivo. Já o Executivo pode
finalmente começar a cumprir sua promessa de reavaliar o tamanho de seus
gastos, políticas públicas, subsídios e renúncias fiscais.
Educação aos trancos e barrancos
O Estado de S. Paulo
SP retoma livros didáticos. Ainda bem.
Espera-se melhor planejamento nas próximas decisões
Ao assumir a pasta da Educação do Estado de
São Paulo, o secretário Renato Feder divisou uma série de bons princípios que
orientariam sua gestão, entre eles priorizar a qualidade do ensino, focando na
frequência escolar e aprendizagem de disciplinas essenciais, como matemática e
português; ampliar o ensino técnico; robustecer o apoio aos professores; e
incentivar diretores a se dedicar mais às questões pedagógicas.
Mas, na prática, como diz o vulgo, a teoria
é outra. Como ocorre com frequência na gestão pública, há uma distância entre
as palavras e os atos. No caso da Secretaria da Educação, essa distância tem
sido percorrida de maneira errática, com idas contraditórias e vindas
recalcitrantes.
Exemplo notório foi a dispensa de 10
milhões de livros didáticos recebidos gratuitamente do Programa Nacional do
Livro e do Material Didático (PNLD). Feder afirmou que o material, “raso” e
“superficial”, seria satisfatoriamente substituído por “slides em PowerPoint”.
Poucos dias depois, concomitantemente a uma liminar da Justiça suspendendo o
ato, o governo recuou. “Podem usar à vontade o PNLD”, disse Feder.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra. A
avaliação de Feder não era de todo impertinente: se não a substituição, a
complementação do livro pela tecnologia é pauta de primeira importância, e os
livros do PNLD muitas vezes pecam, de fato, pela superficialidade, quando não
por erros factuais ou vieses ideológicos.
O problema não está tanto no diagnóstico,
mas na terapia. A tecnologia pode e deve ser utilizada para diversificar canais
de aprendizagem e motivar alunos. Mas, para progredir nesse sentido, é preciso
avaliar diligentemente os recursos à disposição das escolas. Depois, se não
bastasse o senso comum, diversos estudos comprovam o valor do livro físico para
a absorção de conteúdos pelas crianças. De resto, muitos livros do PNLD têm
qualidade reconhecida, sendo inclusive utilizados por escolas de ponta.
Experiências bem-sucedidas, como a de
Sobral, no Ceará, mostram que o caminho é mesclar novas tecnologias a materiais
impressos, e, entre estes, fazer uma triagem entre os livros do PNLD e outros.
Agora, Feder afirma que aderiu ao PNLD para “enriquecer” a escola com uma
“possibilidade adicional”, após conversas com “profissionais da educação,
especialistas, professores e alunos”. Uma questão é: por que não conversou
antes? Outra: continuará a fazê-lo?
Uma série de decisões abruptas – como a
instalação repentina de um aplicativo nos celulares dos professores ou a
determinação de que os diretores fiscalizem sistematicamente nas aulas –
levanta dúvidas sobre a segunda questão.
Do que se sabe, antes de se dedicar ao serviço público, Feder teve uma carreira bem-sucedida como empresário, com muitos empregados a serviço de suas ideias. Mas esse comportamento voluntarista não combina bem com a democracia. Decisões precedidas de debate público e bem justificadas não são mera formalidade. O dono da rede de educação estadual não é ele, mas a população paulista, da qual o secretário é só um servidor.
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