domingo, 20 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

É muito improvável governo cumprir metas de Haddad

O Globo

Números mostram que dificilmente o déficit será zerado e os resultados fiscais prometidos serão entregues

Desde o início do ano, os economistas e analistas de mercado manifestam receio sobre os gastos públicos. A fonte do temor é a última passagem do PT pelo Palácio do Planalto. No último governo Dilma Rousseff, a dívida pública saltou de 52% para 70% do PIB (hoje está em 74%). Diante das dúvidas, a reação de Luiz Inácio Lula da Silva foi de indignação. Pois, oito meses depois, os fatos mostram que as vozes céticas não estão distantes da realidade.

É verdade que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs ao Congresso, com apoio de Lula, um novo arcabouço fiscal para substituir a regra do teto de gastos (o texto espera avaliação da Câmara depois de ter sido modificado no Senado). Embora imperfeito ao impor elevação da arrecadação nada desprezível, o novo arcabouço foi saudado, pois qualquer regra é melhor que regra nenhuma. Haddad foi além. Prometeu reduzir o déficit deste ano a R$ 100 bilhões e estabeleceu como meta zerá-lo em 2024, com superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026.

Desde que o anúncio foi feito, analistas têm posto em questão a capacidade de o governo entregar o prometido. Nas últimas semanas, tem ficado claro que as metas dificilmente serão cumpridas. Já são nítidos os sinais de que o déficit de R$ 100 bilhões prometido para este ano não é factível. O próprio Tesouro elevou a estimativa de R$ 108 bilhões em fevereiro para R$ 146 bilhões em seu último relatório.

A situação se complica quando se analisam os dois lados do Orçamento. Comparando o primeiro semestre deste ano com 2022, as receitas caíram de 14,2% para 13,7% do PIB, enquanto as despesas cresceram 5,1%. O cumprimento das metas traçadas por Haddad exigiria, de acordo com cálculos do Ipea, uma alta de 1,4% do PIB nas receitas e um corte de 1,5% do PIB nas despesas até 2026. É um ajuste fiscal da ordem de R$ 300 bilhões, que não aparece no radar de ninguém no governo.

Em vez disso, têm surgido iniciativas para implementar manobras contábeis de toda sorte, de modo a maquiar os números. Haddad conversou na semana passada com o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, sobre a viabilidade de retirar das despesas primárias dívidas do governo já sacramentadas pela Justiça (os precatórios). A medida permitiria ao governo gastar, sem ter de fazer os cortes correspondentes, como manda a Lei da Responsabilidade Fiscal. No papel, até poderia cumprir as metas, mas tudo não passaria de ficção.

O governo também pediu ao Congresso a exclusão de R$ 5 bilhões de gastos no PAC. A justificativa é que o dinheiro não sairá do Tesouro, mas de estatais federais. A estratégia, comum em governos petistas, é buscar subterfúgios para elevar o gasto público. Se, lá adiante, uma dessas estatais passar por apuros em razão de investimentos infelizes no PAC, quem virá em socorro?

Várias vezes no passado, Lula insistiu no discurso falacioso de que o gasto no que o Brasil precisa não é despesa, mas investimento. Diante da realidade, o raciocínio populista rapidamente se desfaz. Governos que gastam mais do que arrecadam elevam a dívida pública. Dívidas maiores aumentam o temor de que não serão honradas. Quanto maior o risco percebido, mais altos devem ser os juros pagos ao mercado, e menos dinheiro sobra para gastar. Depois de tanta experiência no governo, o PT já deveria ter aprendido.

Descarbonização da América Latina exige compromisso urgente

O Globo

Estudo estima em quase 10% do PIB a necessidade de investimentos no continente para zerar emissões

O compromisso assumido há oito anos pelos países da América Latina — zerar, até 2050, as emissões líquidas de carbono na atmosfera — já está atrasado. Não será cumprido sem uma estrutura robusta de financiamento a projetos de descarbonização. Pelas contas da consultoria McKinsey, serão necessários mais de US$ 20 trilhões (o equivalente ao PIB dos Estados Unidos) para atingir a meta.

A cifra, que já leva em conta o barateamento das tecnologias necessárias com o tempo, corresponde a algo como US$ 740 bilhões anuais, ou 9,4% do PIB da região. O desafio é evidente se levarmos em conta que os países latino-americanos são pressionados por demandas sociais de toda sorte, que várias economias (inclusive a brasileira) ainda dependem de combustíveis fósseis para crescer e que nem todo projeto de redução de emissões gera resultado positivo no prazo curto ditado pelo mercado financeiro.

O relatório da McKinsey registra a lentidão da América Latina na adoção das tecnologias verdes. Enquanto carros elétricos e bicicletas se tornam a cada dia mais comuns em cidades europeias como Lisboa ou Paris, o transporte em toda a região ainda se apoia no diesel. Não à toa, segundo a McKinsey, transporte e mobilidade é o setor que exigirá maior investimento para descarbonização (US$ 8,2 trilhões), seguido de energia (US$ 3,1 trilhões) e construção (US$ 2,2 trilhões).

De acordo com o estudo, Brasil, Chile, Colômbia e México são os países que mais avançaram em exigências ambientais, como a divulgação de informações corporativas. Cerca de 50% dos ativos bancários latino-americanos já estão em instituições financeiras que aderiram ao Net-Zero Banking Alliance (NZBA), iniciativa das Nações Unidas para zerar emissões de carbono, mas a maioria em subsidiárias de bancos estrangeiros. É preciso mais.

Um fato positivo foi o anúncio, no início do mês, de uma aliança de 19 instituições bancárias para apoiar o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Tais iniciativas precisam se multiplicar no continente também para outros setores além da preservação florestal. A McKinsey aponta oportunidades em recursos minerais (como o lítio necessário para baterias), energia renovável e biocombustível. No caso brasileiro, as novas áreas de investimento formam um mercado estimado em mais de US$ 125 bilhões.

Para destinar recursos aos negócios lucrativos de descarbonização, será fundamental regulamentar o mercado de créditos de carbono (no Brasil, o tema está empacado no Congresso). O papel do Estado será essencial também na regulação e nos incentivos a setores menos atraentes ao mercado. Não será trivial destinar quase um décimo da riqueza gerada no continente ao objetivo de zerar as emissões. O investimento menor, segundo a McKinsey, adiará o objetivo de zerar as emissões. Todo o planeta pagará o preço, e a própria América Latina será uma das regiões mais atingidas, pois concentra 13 dos 50 países mais suscetíveis às mudanças climáticas.

Imprensa responsável

Folha de S. Paulo

Não há democracia sem liberdade de expressão; reparações precisam de equilíbrio

Ditaduras modernas já não recorrem a tanques nas ruas para se instalar no poder, mas nem por isso abrem mão da censura em sua escalada antidemocrática. É que a imprensa livre ajuda a fiscalizar o governo de turno, sujeitando-o a críticas públicas com as quais nenhum líder autoritário aceita conviver.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal precisam ter isso em mente ao concluir o julgamento sobre um pedido de indenização feito ao Diário de Pernambuco por entrevista publicada em 1995.

A ação ganhou relevância porque tem repercussão geral. Significa dizer que, para além da decisão na situação concreta, o STF definirá, de forma mais ampla, se e em quais casos um veículo de comunicação pode ser condenado a pagar danos morais quando um entrevistado imputa, de forma falsa, a prática de um ato ilícito a alguém.

Está em jogo um embate clássico entre dispositivos que desfrutam do mesmo status na Constituição. De um lado, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem; de outro, a liberdade de expressão e a garantia de acesso à informação, tendo como corolário a liberdade de imprensa.

Seria um erro supor que exista resposta simples para o dilema. Se a ninguém interessa viver indefeso contra violações dos direitos da personalidade, tampouco se cogita uma sociedade democrática em que as ideias não possam circular como um direito difuso e universal.

A solução mais razoável que se tem encontrado consiste em rechaçar toda forma de censura e, como contrapartida, criar mecanismos para reparar eventuais excessos cometidos pela imprensa.

Se foi esse o caminho escolhido pela Constituição de 1988 e recepcionado com pompa pelo Supremo, segue-se que a responsabilização jamais pode ser de tal monta ou tão frequente que, na prática, torne-se censura disfarçada.

Para ficar num exemplo extremado, nenhum veículo de comunicação escaparia da falência se precisasse pagar danos morais por ofensa a honra a todo político implicado em escândalos de corrupção.

A caracterização dos excessos da imprensa precisa ser inequívoca; é preciso haver não um erro, mas dolo ou negligência gritante, de modo que salte aos olhos o abuso no exercício da liberdade.

Na maior parte dos casos, instrumentos menos lesivos dão conta da situação, e muitos jornais, como esta Folha, já os adotam independentemente da Lei do Direito de Resposta: correção de erros constatados e espaço adequado à parte ofendida, entre outros.

O STF deveria reconhecer os benefícios desse equilíbrio; do contrário, oferecerá subsídios judiciais a quem queira calar a imprensa —caminho certo para minar a democracia, de cuja defesa recente os ministros tanto se orgulham.

Apagão da razão

Folha de S. Paulo

Faltam esclarecimentos sobre o blecaute, usado pelo governo contra privatização

A semana terminou sem que as autoridades responsáveis tenham obtido maiores avanços no esclarecimento do apagão que atingiu 25 estados e o Distrito Federal na terça-feira (15). A precariedade de informações, porém, não impediu que PT e governo fizessem exploração política rasa do episódio.

Até aqui, divulgou-se apenas que o problema teve início em uma linha de transmissão entre Quixadá (CE) e Fortaleza. Permanece nebuloso como o incidente deflagrou blecautes de alcance nacional —o que não deveria ocorrer.

Foram descumpridos prazos dos protocolos de informações sobre o evento, a cargo do Operador Nacional do Sistema (ONS). Na quinta-feira (17), o órgão anunciou que o Relatório de Análise da Perturbação será concluído em 45 dias, em vez dos 30 habituais.

Não há como subestimar o impacto do apagão, que poupou apenas o estado de Roraima, não participante do sistema integrado nacional. Houve até seis horas de transtornos, a depender da região, a partir das 8h31.

Para expoentes petistas, as agruras vividas pela população pareceram boa oportunidade para associar —sem nenhuma base técnica— a falta de energia à privatização da Eletrobras, ocorrida em 2022 sob o governo Jair Bolsonaro (PL).

Destacou-se nas diatribes ninguém menos que a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, ex-funcionária da ex-estatal.

Mais grave foi o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), engrossar a cantilena desinformada. Titular de uma pasta que mal justifica sua presença na Esplanada, Silveira reclamou da desestatização, aprovada pelo Congresso, especulou sobre causas do apagão, a serem apuradas pelo ONS, e prometeu punições, o que cabe à agência reguladora do setor.

Movido a ideologia estatista, corporativismo sindical e interesse em distribuir cargos para aliados, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta recuperar o comando da Eletrobras com uma esdrúxula ação no Supremo Tribunal Federal.

Poucos fora da bolha governista levam a sério a iniciativa, mas o Planalto pôde contar na semana passada com o infalível parecer favorável do procurador-geral da República, Augusto Aras. Resta esperar que o STF proteja Lula de si mesmo e do pior de sua agenda passadista —por ora, felizmente, contida pelas imposições da realidade.

O limite da imprensa já está na Constituição

O Estado de S. Paulo

Julgamento no STF sobre liberdade de expressão é oportunidade de reafirmar a responsabilidade dos veículos de imprensa e a indispensável autonomia no exercício do jornalismo

Julgamento no STF é oportunidade de reafirmar autonomia no exercício do jornalismo.

Uma vez mais o tema da liberdade de imprensa está no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte indeferiu o recurso de um jornal condenado por veicular entrevista que continha acusação infundada. E, como o caso teve repercussão geral reconhecida, os ministros podem em breve formular uma orientação para todo o Judiciário sobre o assunto – o que requer especial cuidado.

Em 1995, o Diário de Pernambuco publicou uma entrevista em que o delegado Wandenkolk Wanderley acusou o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho de ter participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Zarattini Filho entrou com uma ação de indenização, alegando que a informação não era verdadeira – ele não foi indiciado ou acusado pelo ato criminoso – e que foi impedido de exercer o direito de resposta. No julgamento, o STF manteve a decisão condenando o jornal a pagar R$ 50 mil por danos morais.

A decisão do STF sobre o caso ilumina dois aspectos importantes sobre a liberdade de imprensa.

Ao contrário do que ocorre com as redes sociais – dentro do marco legal atual, elas são praticamente irresponsáveis pelo que difundem –, os veículos de imprensa são responsáveis juridicamente pelo conteúdo que publicam. Essa responsabilidade jurídica gera nos meios de comunicação um especial dever de cuidado com a checagem, a revisão e a eventual correção a respeito do que publicam. Isso é um enorme bem para o público. Um jornal não lava as mãos pelo que publica. Ele é responsável pelo conteúdo que sai em suas páginas, sejam impressas ou digitais – responsabilidade essa que propicia uma relação de confiança única com seus leitores.

Em segundo lugar, a decisão do STF joga luzes sobre o fato de que, num regime de liberdade de imprensa, a eventual responsabilização de um veículo de imprensa – no caso, a indenização pecuniária por danos morais – é sempre posterior. Nunca é censura. Nunca é uma atividade prévia à publicação. A proteção realizada pelo Judiciário em relação a outros bens jurídicos e direitos que possam estar envolvidos no caso em concreto – afinal, as liberdades de expressão e de imprensa não são absolutas – nunca significa impedir que o público tenha acesso ao que um jornal pretende publicar. É sempre uma responsabilização posterior, com base no que foi efetivamente publicado.

Estes dois aspectos – a responsabilidade jurídica dos veículos de imprensa e a responsabilização posterior por eventuais danos causados pelo conteúdo publicado – estão orientados precisamente a proteger a liberdade de imprensa. No Estado Democrático de Direito, a liberdade nunca é sinônimo de irresponsabilidade, como também nunca é mera fantasia de liberdade. Ela é real, envolve riscos, podendo eventualmente gerar danos, e, por isso, existe a possibilidade de posterior responsabilização. Ou seja, no estudo a respeito de possível orientação futura sobre o tema, o STF não pode perder de vista que o Direito vem precisamente proteger essa liberdade real – limitada sim, mas não fictícia.

No julgamento do recurso do Diário de Pernambuco, os ministros do STF não chegaram a um consenso sobre a tese a ser firmada como orientação geral para o Judiciário. Essa dificuldade é sintomática da complexidade do tema. Ele não somente envolve um fino equilíbrio entre vários e importantes bens jurídicos, mas afeta diretamente uma das condições de existência do próprio Estado Democrático de Direito: um ambiente de liberdade, em que as pessoas se sintam livres para expor e debater as ideias e em que a imprensa tenha condições de realizar livremente seu trabalho.

Mais do que firmar uma tese geral sobre o assunto sem o devido amadurecimento, o STF tem o dever de defender a Constituição e as liberdades constitucionais. Nesse sentido, talvez o melhor caminho seja justamente não formular uma orientação geral sobre o tema, que – a depender do seu teor – poderia tolher o trabalho jornalístico ou, ainda mais grave, levar o Judiciário a imiscuir-se na edição de um jornal. Os parâmetros são os da Constituição.

Novas dúvidas sobre as metas fiscais

O Estado de S. Paulo

Arcabouço ainda não foi aprovado, mas a expansão fiscal do governo Lula já coloca em xeque a credibilidade do dispositivo. É preciso anunciar metas realistas e começar a cortar gastos

A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado trouxe um novo alerta sobre o cumprimento das metas fiscais. Com base em dados de sistemas do Senado e do próprio governo, o órgão destaca que a arrecadação está em desaceleração desde maio, enquanto o ritmo de execução de despesas tem aumentado de forma consistente. Essa combinação teve como consequência uma piora acentuada do resultado primário nos últimos meses, comportamento que deve ser mantido ao longo do ano.

Os gastos, segundo a IFI, foram pressionados pelo reajuste do funcionalismo público e do salário-mínimo, piso dos benefícios pagos pela Previdência Social, do abono salarial e do seguro-desemprego. A tendência é que eles continuem a crescer, em razão do aumento do número de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

As receitas, por outro lado, caíram 5,4% entre janeiro e julho deste ano. Com a queda na cotação do barril de petróleo no exterior, o governo arrecadou R$ 16,1 bilhões a menos em royalties. As receitas com dividendos, por sua vez, recuaram quase R$ 19 bilhões. Mesmo a arrecadação de tributos também caiu nos sete primeiros meses do ano, com exceção das receitas recolhidas com o Imposto de Renda das pessoas físicas.

De acordo com a projeção da IFI, o governo deve registrar um déficit primário de R$ 67 bilhões nos sete primeiros meses do ano. Será muito difícil, portanto, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, consiga reduzir o buraco entre receitas e despesas para algo mais próximo dos R$ 100 bilhões neste ano, muito menos zerá-lo no ano que vem.

O relatório confirma a pertinência das críticas que o governo recebeu quando apresentou o arcabouço fiscal. As metas dependem demais de medidas de recuperação de receitas e de propostas que ainda precisam da aprovação do Legislativo, mas a expansão real das despesas está garantida, qualquer que seja o cenário de arrecadação.

No Legislativo, a agenda econômica do governo está travada desde o fim do recesso parlamentar. Lideranças da Câmara sentaram sobre a medida provisória (MP) que taxa fundos no exterior, que perderá validade se não for votada na próxima semana. A estratégia do governo, de incluir a medida como emenda na MP que reajusta o salário-mínimo, foi mal recebida e pode ser facilmente derrubada.

Também já há muita resistência sobre a taxação de fundos exclusivos, tema que o Congresso já rejeitou em ocasiões anteriores e quer que seja tratado no âmbito da segunda etapa da reforma tributária, sobre a renda. Essa proposta, no entanto, só deve ser enviada ao Legislativo depois que o Senado aprovar a primeira etapa da reforma tributária, sobre bens e serviços – o que, na melhor das hipóteses, ocorrerá somente em outubro, segundo o plano de trabalho apresentado pelo relator, Eduardo Braga (MDB-AM).

A apreciação do arcabouço fiscal tampouco foi concluída no Congresso, o que tem comprometido a elaboração do próprio Orçamento. Sem o arcabouço, o governo precisará deixar R$ 200 bilhões em despesas penduradas, ou seja, condicionadas à aprovação do dispositivo que substituirá o teto de gastos. O número evidencia o tamanho da expansão fiscal que o presidente Lula promoveu, muito além do necessário para recompor as políticas públicas devastadas pelos anos de bolsonarismo.

O pior, no entanto, é que esses gastos colocam em xeque a credibilidade do arcabouço antes mesmo de o dispositivo ter sido aprovado. Parece claro que Haddad terá de recuar e anunciar metas fiscais mais realistas e compatíveis com a realidade – a não ser que decida compactuar com manobras.

A queda de braço que a Câmara tem feito com o governo em torno do arcabouço, no entanto, é uma oportunidade para que os dois lados trabalhem juntos em prol da responsabilidade fiscal. Os deputados podem apertar mais o arcabouço, retirando as exceções que o Senado incluiu no texto e que deixou fora do alcance do dispositivo. Já o Executivo pode finalmente começar a cumprir sua promessa de reavaliar o tamanho de seus gastos, políticas públicas, subsídios e renúncias fiscais.

Educação aos trancos e barrancos

O Estado de S. Paulo

SP retoma livros didáticos. Ainda bem. Espera-se melhor planejamento nas próximas decisões

Ao assumir a pasta da Educação do Estado de São Paulo, o secretário Renato Feder divisou uma série de bons princípios que orientariam sua gestão, entre eles priorizar a qualidade do ensino, focando na frequência escolar e aprendizagem de disciplinas essenciais, como matemática e português; ampliar o ensino técnico; robustecer o apoio aos professores; e incentivar diretores a se dedicar mais às questões pedagógicas.

Mas, na prática, como diz o vulgo, a teoria é outra. Como ocorre com frequência na gestão pública, há uma distância entre as palavras e os atos. No caso da Secretaria da Educação, essa distância tem sido percorrida de maneira errática, com idas contraditórias e vindas recalcitrantes.

Exemplo notório foi a dispensa de 10 milhões de livros didáticos recebidos gratuitamente do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Feder afirmou que o material, “raso” e “superficial”, seria satisfatoriamente substituído por “slides em PowerPoint”. Poucos dias depois, concomitantemente a uma liminar da Justiça suspendendo o ato, o governo recuou. “Podem usar à vontade o PNLD”, disse Feder.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra. A avaliação de Feder não era de todo impertinente: se não a substituição, a complementação do livro pela tecnologia é pauta de primeira importância, e os livros do PNLD muitas vezes pecam, de fato, pela superficialidade, quando não por erros factuais ou vieses ideológicos.

O problema não está tanto no diagnóstico, mas na terapia. A tecnologia pode e deve ser utilizada para diversificar canais de aprendizagem e motivar alunos. Mas, para progredir nesse sentido, é preciso avaliar diligentemente os recursos à disposição das escolas. Depois, se não bastasse o senso comum, diversos estudos comprovam o valor do livro físico para a absorção de conteúdos pelas crianças. De resto, muitos livros do PNLD têm qualidade reconhecida, sendo inclusive utilizados por escolas de ponta.

Experiências bem-sucedidas, como a de Sobral, no Ceará, mostram que o caminho é mesclar novas tecnologias a materiais impressos, e, entre estes, fazer uma triagem entre os livros do PNLD e outros. Agora, Feder afirma que aderiu ao PNLD para “enriquecer” a escola com uma “possibilidade adicional”, após conversas com “profissionais da educação, especialistas, professores e alunos”. Uma questão é: por que não conversou antes? Outra: continuará a fazê-lo?

Uma série de decisões abruptas – como a instalação repentina de um aplicativo nos celulares dos professores ou a determinação de que os diretores fiscalizem sistematicamente nas aulas – levanta dúvidas sobre a segunda questão.

Do que se sabe, antes de se dedicar ao serviço público, Feder teve uma carreira bem-sucedida como empresário, com muitos empregados a serviço de suas ideias. Mas esse comportamento voluntarista não combina bem com a democracia. Decisões precedidas de debate público e bem justificadas não são mera formalidade. O dono da rede de educação estadual não é ele, mas a população paulista, da qual o secretário é só um servidor.

 

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