O Globo
A investigação da PF e da CPMI descortina o
nível de contaminação das Forças Armadas e o risco que o Brasil correu no
governo anterior
Muitos telefones apreendidos estão sobre a
mesa da Polícia Federal sendo periciados. São os quatro aparelhos do advogado
Frederick Wassef, o de Mauro Cid e os do pai dele e do ex-ministro da Justiça
Anderson Torres. Isso estatisticamente aumenta a chance de se encontrar
informações relevantes. Há ainda o sigilo fiscal e bancário de Jair e Michelle
Bolsonaro, quebrados pelo ministro Alexandre de Moraes. A CPMI pediu ao Coaf os
RIFs, relatórios de investigação financeira, do casal. Tudo isso manterá viva a
investigação sobre o que aconteceu no Brasil naquele tempo estranho em que o
presidente mandava vender joias e presentes do governo e liderava a trama por
um golpe de Estado. O dia 8 de janeiro não terminará tão cedo e a prisão de
Jair Bolsonaro é uma possibilidade cada vez mais concreta.
Os militares estão em aparente silêncio. Dentro dos quartéis, a conversa é intensa. O general Tomás Ribeiro Paiva, comandante do Exército, segundo as apurações que eu fiz, tem até agora se mantido firme na convicção de que quem cometeu os crimes que responda por eles. “Tomás impede qualquer reação”, me disse uma autoridade. Muitos oficiais estavam, até recentemente, reclamando muito do “método da investigação”, dizendo que as Forças Armadas estavam sendo muito expostas. Na realidade, elas foram expostas pelos líderes que se envolveram no complô contra a democracia.
Um general que protestava pelo peso que
recaiu sobre o tenente-coronel Mauro Cid ouviu de uma autoridade civil que
fizesse as contas de quantos anos de prisão o ex-ajudante de ordens pode ter
que enfrentar. “Formação de quadrilha, peculato, evasão de divisas, lavagem de
dinheiro. Isso dá pelo menos 15 anos”, disse o interlocutor do general. O
tenente-coronel preso trocou de advogado e ensaiou uma defesa sob o argumento
de que seu cliente cumprira ordens. Pelo artigo 22 do Código Penal, há
“excludente de culpabilidade” a quem age por “coação irresistível ou obediência
hierárquica”. Uma fonte que acompanha o caso me disse: “essa é única linha de
defesa dele”. O advogado Cezar Bitencourt disse que ele confessaria e depois se
desdisse, num comportamento estranho.
Uma autoridade, que há duas semanas
descartava a possibilidade de prisão de Jair Bolsonaro, depois do depoimento do
hacker Walter Delgatti Neto na CPMI dos atos golpistas, disse que agora a
considera “plausível”. Se houver qualquer sinal de que ele usa a sua influência
para interferir nas muitas investigações em andamento, Bolsonaro irá para a
cadeia.
O problema brasileiro, contudo, é mais
grave. Como fazer para descontaminar os militares e as forças de segurança do
país, das ideias golpistas? A se confirmar o que disse Delgatti sobre as suas
cinco idas ao Ministério da Defesa, a situação fica muito mais grave. O grupo
das Forças Armadas que participava da Comissão de Transparência do TSE foi um
fator de perturbação das eleições, sempre querendo desacreditar as urnas
eletrônicas. Mas o que o hacker relatou foi uma tentativa de sabotar a urna. O
crime sobe muito de patamar.
Os diálogos entre os coronéis e majores da
Polícia Militar do Distrito Federal, presos na sexta-feira, são estarrecedores,
mesmo para quem nunca duvidou que eles participaram da conspiração. Tudo é dito
descaradamente, como no diálogo do major Flávio de Alencar com o coronel
Marcelo Casimiro. “Se eu estiver amanhã no comando da… manifestação, como
estarei, não vou permitir a atuação da Força Nacional na nossa Esplanada, viu?
Não vou autorizar.” E, apesar desse aviso prévio de sublevação e impedimento da
atuação das forças do Estado, foi mantido no comando pelo coronel Casimiro.
Bolsonaro trabalhou durante todo o seu
mandato contra a ordem constitucional. Ele alimentou uma explosão como a que
houve em 8 de janeiro. Foi a cada festividade militar ou policial, difundiu a
ideia de que os fardados eram superiores, espalhou mentira sobre as urnas,
atacou pessoas que representavam os poderes constituídos, estimulou a desordem,
cooptou para o seu propósito subversivo quadros de comando e da alta hierarquia
das Forças Armadas, da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal. Essa
contaminação só agora começa a ser dimensionada. Os próximos dias e semanas
continuarão intensos no Brasil. Para a democracia se proteger, é preciso
conhecer todos os fatos e punir todos os culpados.
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