Distensão traz esperança para venezuelanos
O Globo
Embora esteja longe de garantida, transição
negociada para democracia entrou no horizonte
A esperança de a Venezuela voltar
a ser uma democracia cresceu nesta semana. Na terça-feira, representantes do
ditador Nicolás Maduro firmaram acordo com a oposição prometendo um pleito
presidencial competitivo no ano que vem, monitorado por observadores
internacionais. Na quarta, cinco presos políticos foram soltos. Em seguida, os
Estados Unidos anunciaram a suspensão por seis meses de sanções impostas contra
petróleo, gás e ouro venezuelanos.
Todas essas notícias foram resultado de meses
de negociação entre os governos venezuelano e americano, com intervenção da
diplomacia brasileira. A aposta do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva sempre foi negociar com os chavistas, com quem tem afinidades históricas
e ideológicas. Ele foi duramente criticado pelos afagos ao chavismo e por ter
recebido Maduro com honras em Brasília, mas é preciso reconhecer que sua
estratégia começa a surtir efeito. É cedo para saber se os passos de distensão
no regime são consistentes, mesmo assim abrem um caminho que merece ser
perseguido com afinco. A saída negociada da ditadura será sempre menos traumática,
embora esteja longe de assegurada.
Horas depois do anúncio dos americanos, Lula disse ter recebido a notícia com satisfação. “Sanções unilaterais prejudicam a população dos países afetados”, disse. Lula esquece, porém, que o suplício venezuelano é resultado das políticas do regime, não das sanções. Maduro é responsável por um declínio econômico sem precedentes em qualquer país em tempos de paz. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o PIB venezuelano caiu mais de 75% entre 2013 e 2020. Mais de 7,3 milhões deixaram a Venezuela desde 2014. O controle da imprensa, o aparelhamento das instituições e a perseguição a oposicionistas continuam como antes.
A política de centro-direita María Corina
Machado, conhecida como Dama de Ferro, é favorita nas primárias da oposição
amanhã. Mas sua participação na eleição presidencial continua vetada. Em junho,
o governo a proibiu de se candidatar a cargo eletivo por 15 anos, alegando que
cometeu irregularidades na declaração de renda quando deputada. Henrique
Capriles, outro líder oposicionista, também está impedido de concorrer. Sem os
dois, a oposição terá de apostar em nomes menos conhecidos, que na certa terão
menos chance. Outra incógnita é se a presença de observadores bastará para
evitar as fraudes e irregularidades contumazes nas eleições venezuelanas. Agora
que Maduro obteve o fim das sanções, dificilmente arriscará perder o poder.
A decisão americana de aliviar as sanções não
está baseada na promoção da democracia, mas em circunstâncias econômicas. O
governo Joe Biden tem
mostrado preocupação com o efeito negativo da guerra na Ucrânia no
mercado de petróleo. Se o conflito no Oriente Médio se agravar, a situação
ficará pior. Nesse contexto, a Venezuela, dona das maiores reservas do mundo,
surgiu como parte da solução. Ao longo dos anos da ditadura, o setor de
petróleo foi sucateado no país, mas agora as petroleiras estrangeiras, Petrobras
inclusive, poderão voltar a investir para aumentar a produção.
Os Estados Unidos podem conquistar mais um
grande fornecedor de petróleo. Lula pode acreditar no poder da conversa para
conquistar avanços. A dúvida é se os passos desta semana bastarão para tirar
Maduro e sua turma do Palácio de Miraflores, em Caracas.
Alíquota para fundos exclusivos fechados e
offshore deveria ser igual
O Globo
Diferença no imposto para capital aplicado no
Brasil ou no exterior é prática estranha a mercado aberto
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL),
deverá retomar o comando da Câmara na semana que vem com uma pauta considerada
essencial para os planos do governo: o Projeto de Lei sobre a taxação de fundos
offshore (sediados no exterior) e exclusivos fechados (destinados a aplicações
de mais de R$ 10 milhões). Ambos estão hoje sujeitos a regras distintas das
aplicadas a fundos comuns. O Projeto de Lei busca aproximá-las e, de quebra,
ajudar no esforço arrecadatório. As mudanças poderão tornar a tributação mais
justa. Mas é preciso cautela para não criar distorções de consequências
indesejadas.
No Brasil, os fundos abertos pagam uma
tributação semestral em maio e novembro, conhecida como “come-cotas”. Trata-se
de uma invenção brasileira, criada noutro momento em que a Receita Federal
precisava aumentar a arrecadação. O certo seria tributar todo investimento no
resgate, já que seu valor flutua e, quando há desvalorização, ninguém devolverá
o imposto pago. Mas, já que o come-cotas existe, não é justo cobrá-lo nos
fundos abertos, usados pela classe média, e não nos exclusivos fechados,
atraentes apenas aos mais ricos. O projeto propõe que estes passem a pagar como
os demais (com alíquota de 15%). Quanto a isso, não parece haver controvérsia.
O que merece atenção é outra questão. Sobre o
rendimento acumulado antes da aprovação da lei, o cotista terá a opção de pagar
6% imediatamente ou 15% em parcelas, a partir de 2024. Advogados prometem
entrar na Justiça contra o que veem como tributação retroativa. O relator,
deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), e a Fazenda precisarão mostrar bons argumentos
para sustentar que não haverá judicialização.
Outra questão está no desequilíbrio em
relação a fundos offshore. Hoje, o cotista só paga imposto quando traz o
dinheiro para o Brasil. Se aprovada a proposta, a cobrança será anual, como
vários países têm buscado fazer. O problema é o tamanho do imposto. Ganhos
acima de R$ 50 mil — a maioria — serão taxados em 22,5%, calculados com base na
rentabilidade (a variação cambial comporá o rendimento só na liquidação do
investimento). A alíquota é alta e não será decrescente com o tempo, como
noutros fundos. Por isso ficará, num prazo maior, bem acima da cobrada dos
fundos abertos e dos 15% sugeridos para os exclusivos fechados.
A Receita argumenta que não conseguiria
implantar alíquotas decrescentes para fundos offshore, pois o governo não tem
como fazer de forma satisfatória a distinção de prazos de aplicações sediadas
no exterior. Mas, se a reforma pretende mesmo equalizar a taxação dos
investimentos, deveria cobrar dos offshore a mesma alíquota dos exclusivos.
Críticos afirmam que a motivação do governo para insistir nos 22,5% é promover
a repatriação dos investimentos. Se for verdade, é um erro. A ideia de
repatriar capital é contrária à noção de uma economia de mercado aberta. O
Brasil deve ser suficientemente atraente ao capital não apenas para conquistar
investimentos estrangeiros, mas também para que os próprios brasileiros
prefiram investir aqui.
Universidade distante
Folha de S. Paulo
Disparada do EaD impõe avaliações mais
precisas da qualidade da educação superior
A transformação
vertiginosa do ensino superior brasileiro nos últimos anos
demanda diagnósticos urgentes e, provavelmente, regulação por parte do poder
público.
O principal vetor das mudanças é a expansão
acelerada do ensino a distância (EaD), cujos dados
impressionam. Em 2022, 64,4% dos
concluintes em licenciaturas estudaram nessa modalidade —o
percentual é quase o dobro dos 33,8% contabilizados dez anos antes.
Conforme reportagem da Folha, o fenômeno
impulsionou uma inaudita concentração
de 27% das matrículas (2,5 milhões de um total de 9,4 milhões
na graduação, de acordo com o Censo do Ensino Superior) em apenas cinco
instituições.
São elas a Universidade Pitágoras
Unopar Anhanguera, o Centro Universitário Leonardo da Vinci, a Universidade
Cesumar, a Universidade Estácio de Sá e a Universidade Paulista (Unip). Para
comparação, todas as 312 instituições universitárias públicas do país reúnem
2,07 milhões de alunos.
As cinco organizações exibem elevada parcela
de ensino não presencial. São 2,3 milhões (91%) de alunos nessa modalidade.
A multiplicação de matrículas nasce da
facilitação das regras para abertura de cursos de EaD. Em 2017, decreto do
presidente Michel Temer (MDB)
deu autonomia para instituições abrirem até 250 polos sem necessidade de
autorização do Ministério da
Educação. Grandes grupos já contavam com base tecnológica e acervo
de materiais didáticos para pronta utilização.
A grande preocupação aqui é, obviamente, com
a qualidade do ensino. Não é preciso ser especialista para desconfiar que haja
riscos em estabelecimentos com mais de 1.000 alunos por professor, como
acontece no Centro Universitário Leonardo da Vinci (2.594) e na Universidade
Pitágoras Unopar Anhanguera (1.325).
Considere-se que a média no ensino a
distância em faculdades particulares é de 171 discentes por docente. Na rede
privada presencial, são 22; na pública, onde pode ocorrer distorção oposta, 11.
Não se trata, por certo, de estigmatizar o
EaD. A modalidade comprovou seu valor, tanto na expansão do ensino
universitário quanto na remediação
pedagógica durante a pandemia de Covid-19. É uma ferramenta útil e
necessária.
Urge, de todo modo, que se façam avaliações
mais precisas e fundamentadas do nível de formação na educação superior.
O atual Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade),
aplicado pelo MEC,
é falho, entre outros motivos, porque sua nota não tem
impacto real na vida dos formandos, que nem sempre se empenham na
prova.
Laços de família
Folha de S. Paulo
Projeto que iguala herança familiar expõe
urgência de reformar o Código Civil
A Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos
Deputados aprovou há pouco um projeto de lei que torna iguais
os direitos à herança entre irmãos bilaterais (mesmos pais e
mães) e unilaterais (apenas um deles em comum).
Se avançar, a proposta corrigirá uma
excrescência do Código Civil —na redação atual, diante da herança do irmão
falecido, os meios-irmãos ficam com metade do valor herdado pelos bilaterais.
O artigo em questão trata da divisão dos bens
quando não há colaterais, ou seja, descendentes, ascendentes ou cônjuge vivos.
A mudança retira da lei civil moralidade
ultrapassada que privilegia a constância do casamento, discriminando os
unilaterais na sucessão familiar. Para as deputadas Laura Carneiro (PSD-RJ) e
Carmen Zanotto (Cidadania-SC), autoras da proposta, busca-se alinhar o Código
Civil ao preceito constitucional de igualdade entre filhos.
A medida reitera a necessidade de atualizar o
principal diploma legal sobre as relações privadas no país, que completa neste
ano duas décadas de vigência.
O Código Civil está para empresas e
indivíduos como a Constituição está para o poder público. É um emaranhado de
regras que regem os aspectos mais fundamentais da vida, do nascimento à morte.
Juristas costumam dizer que o Código Civil,
que começou a tramitar no Congresso
Nacional nos anos 1970 e foi aprovado em 2002, já nasceu velho.
A lei ainda carrega ideias ultrapassadas que não mais correspondem à realidade
do Brasil de hoje, embora tenha, à sua época, avançado na prática sobre pontos
retrógrados ou em desuso.
Um exemplo gritante é que, até o início de
2003, o marido tinha o direito de anular o casamento caso a mulher não fosse
virgem.
Uma comissão de
especialistas e representantes da sociedade foi recentemente
nomeada no Senado com
a intuito de adequar o regramento à realidade social brasileira.
A lei deve reconhecer outras configurações
familiares, como as monoparentais (filhos criados por apenas um genitor),
as homoafetivas (protegidas
por decisão do Supremo
Tribunal Federal) e as baseadas em filiação afetiva (laços não
sanguíneos, mas de afeto).
Outras inovações urgem no código, inclusive
para que se acompanhem as transformações tecnológicas. Entre elas, regular
contratos digitais, proteção de dados transfronteiriços e cibersegurança.
É dever do Parlamento fazer com que a legislação
acompanhe a evolução da sociedade por ela regulada.
A mágica do teto para a carga tributária
O Estado de S. Paulo
Em vez de enfrentar as razões da alta carga
tributária, como gastos excessivos e privilégios perdulários, os parlamentares
querem impor limite na marra, ignorando o crônico déficit fiscal
A discussão da reforma tributária no
Legislativo se encaminha para o fim sem que alguns dos mitos que a cercam
tenham sido definitivamente superados pela sociedade. Temerosos de que a
proposta resulte em aumento de tributos, senadores parecem ter encontrado a
solução mágica: querem incluir, no texto da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC), um teto para impedir o crescimento da carga tributária.
Esse limite, na avaliação do senador Efraim
Filho (União-PB), poderia ser definido tanto pelo atual nível de arrecadação
quanto por um porcentual do Produto Interno Bruto (PIB). “O importante é criar
uma forma de limitar o poder do governo de tributar”, disse Efraim Filho,
coordenador do grupo de trabalho sobre o tema na Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE).
Essa preocupação, bastante pertinente, não é
apenas do senador. Porém, ela revela uma incompreensão geral sobre a lógica do
novo modelo de tributação. Como o próprio nome já diz, cada empresa recolherá
imposto apenas sobre o valor que adicionou ao produto, e todo tributo pago
tornar-se-á crédito na etapa seguinte até chegar ao consumidor.
Parte dos segmentos que rejeitam a reforma o
faz justamente por avaliar que a alíquota de 25% será maior que a atual, o que
não necessariamente é verdade. Como o atual sistema tributário é cumulativo,
ninguém sabe ao certo o quanto efetivamente recolhe em impostos sobre bens e
serviços – e é bem possível que a maioria pague bem mais do que acha que paga.
Há que reconhecer que a tentativa de conter o
governo não é totalmente desarrazoada. Sucessivas propostas de reforma
tributária foram rejeitadas nos últimos 30 anos pelo Legislativo, quase sempre
pela recusa da União em financiar contrapartidas aos Estados e formar um
consenso, especialmente no Senado. Em reação, diferentes governos apelaram a
alternativas para aumentar as receitas, ampliando alíquotas por decreto e
criando novas fontes de arrecadação.
Esse cabo de guerra gerou um desgaste nas
relações entre os Poderes, mas também garantiu a construção de uma imagem
favorável ao Congresso nesse tema em particular. Desde a derrubada da
famigerada CPMF, no fim de 2007, o Legislativo convenientemente se apresenta
como um muro de contenção contra a sanha arrecadatória do governo. “O
brasileiro não aceita pagar mais impostos, por isso se justifica o teto na
Constituição”, disse Efraim Filho.
Como ninguém gostaria de pagar mais impostos,
essa é uma posição bastante confortável – e imatura – de defender. Afinal, ela
ignora o fato de que o País registra déficit primário há praticamente dez anos.
Há, sim, um sério problema de descasamento estrutural entre receitas e
despesas. Encontrar uma solução definitiva para este rombo não é fácil, mas
também é parte das atribuições e responsabilidade do Congresso.
É chegada a hora de votar a reforma, o que
requer que as discussões sobre a proposta avancem além da superfície. Fixar um
limite para a carga tributária ou estabelecer uma alíquota máxima para o futuro
Imposto sobre Valor Agregado (IVA) será uma iniciativa inócua em termos
arrecadatórios e deletéria para o texto constitucional. A experiência recente
de cravar o antigo teto de gastos na Constituição é exemplar: a ideia não
funcionou e não deve ser replicada.
Isso não quer dizer que o Legislativo deva
aceitar tacitamente qualquer proposta do governo para elevar impostos. É
positiva, por exemplo, a sugestão do senador sobre o Imposto Seletivo. Exigir
que o tributo só possa ser aplicado, alterado ou majorado por meio de projeto
de lei complementar, e não por medida provisória, pode funcionar como um freio
a iniciativas de impor o “imposto do pecado” de maneira indiscriminada a
qualquer setor.
Há outra forma de aperfeiçoar o texto final
da reforma e impedir a elevação de impostos. O Senado precisa rever o
tratamento especial concedido pela Câmara dos Deputados a diversos setores de
forma injustificada. Reduzir ao máximo os segmentos que terão direito a
alíquotas mais baixas é o melhor caminho para construir um teto efetivo contra
o aumento da carga tributária.
O preconceito contra o empreendedorismo
O Estado de S. Paulo
Se o brasileiro tem preconceito contra
empresários, como disse Barroso, isso parece se refletir numa estrutura estatal
voltada para atrapalhar a vida de quem gera empregos e produz riquezas
O presidente do Supremo Tribunal Federal,
Luís Roberto Barroso, não deveria estar em Paris participando de evento privado
de inegável caráter político, mas ao menos um dos pontos que levantou em seu
discurso de candidato a presidente – como bem classificou, com fina ironia, o
ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, presente ao encontro – é digno de nota:
para o ministro do Supremo, “precisamos superar o preconceito que ainda existe
no Brasil contra a livre iniciativa e contra o empreendedorismo”. Trata-se, segundo
Barroso, de “um vício”: o “imaginário social brasileiro”, disse o ministro,
“ainda associa o sucesso empresarial a concessões com favorecimento, obra
pública com licitações duvidosas, golpes no mercado financeiro e grandes
latifúndios”.
Diagnóstico corretíssimo, em muitos sentidos.
E é preciso dizer mais: empreender, no Brasil, chega a ser um ato de heroísmo,
ante os inúmeros e variados obstáculos, não só de natureza cultural, como disse
o ministro, mas, sobretudo, de caráter estatal. Se o brasileiro tem preconceito
contra quem é bem-sucedido nos negócios, isso parece se refletir numa estrutura
de Estado voltada para dificultar a vida de quem pretende prosperar gerando
empregos e produzindo riquezas.
Tome-se o exemplo do próprio Judiciário que o
ministro Barroso ora chefia. Se há algo que turva o ambiente de negócios no
Brasil, é definitivamente a insegurança jurídica, não raro proporcionada por
decisões voluntaristas de ministros do Supremo que desdizem a jurisprudência do
próprio tribunal e podem ser derrubadas mais adiante, a depender dos humores de
quem vestir a toga. Não se pode condenar quem fica em dúvida na hora de
investir num país com esse histórico de confusão na interpretação das leis.
Mas o cardápio de desafios ao
empreendedorismo é muito mais extenso. As dificuldades começam já no registro e
no cadastro da empresa e se estendem além da fase de maturação, quando o
investimento começa a gerar algum retorno – isso para aquelas empresas que não
gastaram toda a sua energia para atender às demandas burocráticas e jurídicas e
puderam se concentrar em se manter no mercado.
Não é preciso lembrar que há pelo menos três
décadas se discute uma reforma tributária que somente agora avança no
Congresso. Nesse processo, os lobbies mais influentes tentam manter e ampliar
os privilégios dos grupos que representam, criando vantagens que matam a
concorrência e minam a produtividade.
Pesquisa de 2021 do Banco Mundial feita com
190 países colocou o Brasil na vergonhosa 175.ª colocação pelo critério de
dificuldade de abrir uma empresa. Expôs, ainda, que as empresas brasileiras
consomem 1.493 horas por ano para cumprir com suas obrigações tributárias.
Ainda assim, todos os anos, um incontável
número de novos investidores se arrisca no mundo empresarial. Em 2022, por exemplo,
foram abertas 3.383.063 novas empresas, de acordo com monitoramento do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). O mesmo
mapa mostra que 1.695.763 fecharam as portas. O total de empresas ativas está
em mais de 20 milhões.
É uma gente que, movida por desejos e
projetos, acredita no Brasil. Desses milhões de negócios, uma parte
significativa é tocada por brasileiros com poucos recursos e muitos sonhos.
Nenhuma sociedade contemporânea se desenvolveu e prosperou sem o impulso dos
empreendedores. E também, é preciso enfatizar, não houve produção de riqueza
sem que o Estado fizesse seu papel – oferecendo infraestrutura, abrindo linhas
de crédito e administrando o arcabouço jurídico e burocrático de modo a
estimular, e não atrapalhar, os negócios.
Ou seja, o Estado brasileiro deve colaborar
para que o empreendedor deixe de ser tratado como inimigo, como um oportunista
que se locupleta à custa do dinheiro público, seja por meio da corrupção, seja
por meio do favorecimento dos poderosos. Se o sr. Barroso está certo, isto é,
se há um “preconceito” dos brasileiros em relação aos empreendedores, é preciso
dizer que esse preconceito deriva da falsa percepção de que os empreendedores
bem-sucedidos só o são porque têm boas relações com o poder, e não por sua
competência. Está na hora de mudar essa mentalidade.
Para americano ver
O Estado de S. Paulo
Na prática, acordo para eleições
‘competitivas’ na Venezuela só confirma que ali vigora uma ditadura
O acordo fechado pelo governo da Venezuela
com os Estados Unidos em Barbados, no último dia 17, diz muito sobre a
marginalidade do regime chavista. Sob a anuência do Brasil, o pacto resumiuse
ao aceite de Caracas à realização de eleições presidenciais competitivas,
previstas para o segundo semestre de 2024, com o monitoramento de observadores
internacionais. Dado o fato de este ser compromisso desnecessário em qualquer
democracia, o mérito do acerto está no reconhecimento da ausência de liberdades
básicas na Venezuela pelo próprio Nicolás Maduro – algo que o governo de Lula
da Silva resiste em aceitar.
O limitado escopo do acordo pode ser
entendido pelo diálogo ainda incipiente entre Venezuela e Estados Unidos. A
retomada de conversas pelo menos alivia tensões desnecessárias no Hemisfério
Ocidental, especialmente quando conflitos no Leste Europeu e no Oriente Médio
trazem ameaças muito mais graves à estabilidade econômica e à paz mundial. A
contrapartida de Washington, que já suspendeu sanções às importações de
petróleo venezuelano por seis meses, demonstra pragmatismo. Elimina um risco
potencial de desabastecimento de combustíveis durante a campanha de reeleição de
Joe Biden em 2024.
Ilude-se, entretanto, quem considerar esse
indício de distensão entre Caracas e Washington como começo de flexibilização
da ditadura chavista. Ao celebrar o acordo, o governo Biden expressou sua
perspectiva de libertação de presos políticos, de independência eleitoral, de
autonomia do Poder Judiciário e até de restauração da democracia na Venezuela.
Nada disso consta formalmente do pacto e
muito menos do roteiro do regime chavista, cujo único objetivo é preservar-se
indefinidamente no poder.
Como gesto de boa vontade, Caracas soltou
dois presos políticos. É pouco, diante de uma lista com mais de 250
encarcerados. Manteve, em paralelo, seu veto à disputa dos principais nomes da
oposição nas eleições de 2024, acusados e condenados em processos tortuosos
movidos pela administração e por um Judiciário servil ao Executivo. Tudo sob o
amparo de leis aprovadas por uma Assembleia Nacional cúmplice do regime. Novos
nomes que venham a sobressair não estarão imunes a esse mecanismo até o pleito.
À total inexistência de autonomia de dois Poderes da República diante de um Executivo claramente autoritário soma-se a repressão das milícias paramilitares sobre a população urbana, o abuso das forças de segurança, o controle da entrega de benefícios sociais e a mordaça sobre a imprensa livre. Nesse contexto, acreditar em eleições presidenciais competitivas na Venezuela em 2024 pode ser conveniente neste momento. Mas está a anos-luz de uma leitura realista sobre a preservação do domínio chavista, sob o amparo de fraudes e restrições à oposição, nas últimas duas décadas. Imaginar a redemocratização do país requer sublimação ainda maior. Passa, necessariamente, por enxergar o regime de Maduro tal qual é: uma ditadura.
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