A cada vez que vejo Javier Milei e sua motosserra, mais vontade tenho de rever Elis & Tom. A cada bravata de Trump, bate saudades de Guimarães e Drummond. Diante de cada nada edificante bate-boca entre extremistas brasileiros, repleto de xingamentos onde ecoam: “fascistas”, “comunistas”, “canalhas”, “ladrões”, mais atraente se torna o universo de Paulinho da Viola e seus oitenta anos. Dos olhos dos emigrantes famintos e desesperançados ao encontrar uma cerca de arame farpado ou uma barreira policial na fronteira de um país rico, nasce a fome de uma tela de Picasso ou um filme de Chaplin.
Geralmente falo aqui sobre economia, política
e administração pública. Mas como se calar diante das doenças crônicas desse
mundo caduco? A esperança virou produto escasso. A insensatez impera. O diálogo
deixou de ser uma vocação humana. A fé cega dos fanáticos obscurece a razão e a
sensibilidade.
Quando a angústia ameaça dominar, nada melhor
do que um mergulho no universo da arte. Se a vida não basta, muito pior quando
ela se apequena.
Neste sentido, foi um privilégio, nas últimas
semanas, penetrar no complexo e contraditório mundo do poeta Fernado Pessoa.
Acabei de ler sua magistral biografia escrita por Richard Zenith descrita pelo
New York Times como um livro “definitivo e sublime”.
Fernando Pessoa sempre me atraiu por uma
coincidência singela, ambos nascemos no dia de Santo Antônio, 13 de junho.
Geminianos autênticos. Ele, Fernando, porque era o nome anterior do Santo. Eu,
que deveria chamar Marco Antônio, virei Marcus Vinicius, porque o filme “Quo
Vadis” e seu general romano cruzaram o caminho de minha mãe na gravidez.
Fernando não cabia em si, era vários. Precisou
de mais de 130 heterônimos para se expressar e extravasar seus fantasmas, suas
dúvidas e ambiguidades. Liderados por Alberto Caieiro, Ricardo Reis, Álvaro
Campos e Bernardo Soares, dezenas de “encarnações” supriram as infinitas
necessidades do poeta. Era, no fundo, completamente louco.
Fernando não teve reconhecimento em vida.
Publicou um único livro até a morte, além de poemas e artigos em revistas
culturais de pequena tiragem que ajudou a fundar. O poeta tinha extrema
dificuldade de ter foco e deixava centenas de textos e projetos inconclusos
pelo caminho, que felizmente ficaram guardados em seu famoso baú. Sonhava em
ser o novo Camões. E o foi, após partir.
Fernando Pessoa era um escritor vulcânico, a
inspiração vinha e qualquer guardanapo ou papel timbrado servia de estuário
para sua volúpia criativa. Sua solteirice inarredável escondia sua ambiguidade
sexual e dificuldade de lidar com o afeto. Não sobreviveria na sociedade do
“politicamente correto” dadas certa dose de misoginia, visão sociológica elitista,
relação contraditória com a ditadura de Salazar. Refugiava-se no esoterismo
para aplacar sua falta de fé e o tédio que às vezes o dominava.
Aqui não é lugar para uma resenha exaustiva.
Quer um conselho? Leia “Pessoa, uma biografia” de Richard Zenith.
*Economista e Professor. Ex-Deputado Federal pelo PSDB-MG. Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais (2003-2010). Diretor-Executivo do IFI – Instituição Fiscal Independente do Senado.
Um comentário:
Assunto surpreendente nesta "coluna", mas gostei muito! Parabéns ao autor! E ao blog, por manter sempre esta grande diversidade de assuntos e visões!
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