Valor Econômico
Reduzir as incertezas fiscais é o melhor caminho que o governo pode adotar para combater a alta de preços; não existem atalhos
A inflação de alimentos continua na berlinda. Os preços de comida em casa sobem com força desde 2019, com exceção da queda de 0,5% registrada em 2023. O aumento expressivo das cotações desses produtos afeta especialmente o poder de compra dos consumidores de baixa renda, sendo um dos principais motivos para o tombo da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apontado por pesquisa do Datafolha divulgada na sexta-feira - a aprovação do governo caiu de 35% para 24%. Neste ano, a alta do grupo alimentação no domicílio deve ficar entre 6,5% e 7%, um pouco abaixo dos 8,2% do ano passado, mas ainda assim um aumento nada desprezível - e, pior, que se dá em cima de uma base já elevada. Uma safra maior, um clima menos adverso e alguma valorização do câmbio contribuem para um salto menor desses preços, mas o alívio não deverá ser dos maiores.
Além disso, as pressões não se limitam à
comida entre os preços livres - elas alcançam também os serviços e os bens
industriais. Para completar, os preços administrados, como tarifas públicas,
deverão subir mais neste ano do que em 2024. A inflação geral não chega a ser
explosiva, mas incomoda e segue distante da meta perseguida pelo Banco Central
(BC), de 3% - em 2025, deve ficar entre 5,5% e 6%.
De janeiro de 2019 a janeiro de 2025, as
cotações da alimentação no domicílio no Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA) avançaram quase 70%. O nível de preços dos alimentos está muito
alto, atingindo a capacidade de consumo dos mais pobres, que gastam uma parte
maior do orçamento com comida. No primeiro ano do governo Lula, em 2023, os
alimentos em casa tiveram uma queda de 0,5%, mas esse pequeno recuo se deu
depois de uma alta de 56% do grupo nos quatro anos anteriores, no governo de
Jair Bolsonaro. Em 2024, os preços voltaram a subir com força, avançando 8,2%.
Para este ano, o economista Fábio Romão, da LCA 4Intelligence, espera um avanço
menos intenso, mas ainda assim projeta um avanço de 6,7% para alimentação no
domicílio.
“A nossa expectativa é de uma safra maior,
junto com uma moderação dos preços dos alimentos in natura, em um cenário com
bem menos intempéries climáticas do que em 2024, mitigando os reajustes de
alimentos em 2025”, diz Romão. Um dólar menos caro também ajuda a segurar um
pouco a inflação da comida, ainda que em menor proporção do que em outros
produtos, afirma ele.
O comportamento da cesta básica de alimentos
em janeiro, coletada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), ajuda a entender a perda de popularidade de Lula no
Nordeste, o seu principal reduto eleitoral. No Datafolha mais recente, a
aprovação do governo caiu de 49% para 33% na região. Das seis capitais
nordestinas que aparecem na pesquisa, em cinco o aumento anual do valor da
cesta básica foi maior que a alta de 7,51% do salário mínimo, observa o
economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. As variações
foram de 13,28% em Fortaleza, 10,52% em João Pessoa, 10,14% em Natal, 8,76% em
Recife e 8,13% em Aracaju - em Salvador, o aumento foi de 4,55%. “A cesta de
comida aumentou mais onde pesa mais”, diz Montero.
O governo fica indócil com a queda da
aprovação de Lula, e o risco é que ideias econômicas ruins voltem a ser
cogitadas. Em 22 de janeiro, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que a
administração federal faria uma “intervenção” nos preços dos alimentos,
voltando atrás rapidamente, depois da má repercussão das declarações. A safra
recorde vai auxiliar a conter a alta da comida, ao aumentar a oferta de
produtos. Além disso, um dólar mais baixo, se mantido por um período
prolongado, também ajuda.
O governo poderia contribuir com esse
processo se reduzisse as incertezas sobre as contas públicas. Isso tenderia a
fazer a moeda americana recuar mais e de modo mais firme, o que tiraria gás da
alta de preços - também da inflação de alimentos, mas principalmente da de bens
industriais. Para prazos mais longos, obras de infraestrutura que diminuam o
custo de escoamento da produção agrícola podem dar alguma contribuição. Já
iniciativas voluntaristas, como intervenção ou congelamento de preços, não
apenas não funcionariam como aumentariam a incerteza.
Após fechar 2023 com alta de 1,1%, os preços
dos bens industriais tiveram aumento de 2,9% em 2024, devendo subir 4,1% em
2025, estima Romão. A inflação dos serviços também tem acelerado. No ano
passado, fechou em 4,8% e, nos 12 meses até janeiro, a alta acumulada já passou
para 5,6%. Romão acredita que os preços de serviços poderão subir 6,3% neste
ano, devido a um mercado de trabalho ainda robusto, mesmo com a alta da Selic
em curso - a taxa está em 13,25% ao ano, e pode chegar a 15%.
Por fim, os preços administrados deverão
ganhar força. Romão projeta avanço de 5,7% para esse grupo, depois da alta de
4,8% em 2024. Ao citar os principais motivos para os reajustes mais expressivos
dos administrados, ele ressalta os aumentos em tarifas de transporte público e
taxas de água e esgoto, no ano seguinte às eleições municipais, a alta
importante esperada para energia elétrica residencial e a recente elevação do
óleo diesel.
Nesse cenário, a inflação em 2025 deverá
acelerar. Romão projeta aumento do IPCA de 5,6% neste ano, depois da alta de
4,83% em 2024. Em vez de se aproximar, a variação do indicador vai ficar mais
longe da meta de 3%. Embora ainda distante dos dois dígitos, é desconfortável.
Como a inércia inflacionária é elevada no Brasil, um IPCA na casa de 5,5% a 6%
pressionará mais a inflação de 2026. O que pode segurar um pouco o IPCA neste
ano é uma eventual desaceleração mais forte da economia, devido aos juros muito
altos. Mas as projeções, por ora, apontam para um IPCA em 2025 nesse intervalo.
O melhor que o governo pode fazer é dar uma
resposta fiscal firme, indicando a disposição de conter o ritmo de expansão das
despesas obrigatórias. Isso contribuiria para derrubar o dólar. Nesse quadro, a
inflação corrente e as expectativas para o IPCA neste ano e nos próximos
poderiam cair, exigindo altas menores da Selic. Esse é o caminho que o governo
deveria adotar para combater a inflação de modo estrutural. Não existem
atalhos.
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