segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Deslocamentos em queda são desafio para metrópoles

O Globo

Pesquisa verificou redução de 15% nas viagens diárias dos paulistanos, tendência que se repete pelo Brasil

A última edição da tradicional pesquisa Origem e Destino, do Metrô paulistano, constatou um fato inédito na série histórica que começa em 1967: a maior metrópole do país desacelerou. Pela primeira vez, caiu o total de viagens diárias dos habitantes da Região Metropolitana de São Paulo. A tendência se repete noutras regiões metropolitanas. Nos últimos cinco anos, os passageiros de transportes coletivos no Rio caíram de 147 milhões para 115 milhões por mês, ou 22%. Tal cenário traz desafios de toda sorte para as autoridades.

Realizada em 32 mil domicílios nas 39 cidades da Grande São Paulo, a pesquisa verificou que, em menos de dez anos, os deslocamentos diários caíram 15% — de 42 milhões, em 2017, para 35,7 milhões, em 2023. A queda se deu com mais intensidade nos transportes coletivos (de 15,3 milhões para 12,3 milhões) que nos individuais (de 13 milhões para 12,9 milhões). Os deslocamentos a pé caíram de 13,4 milhões para 10,1 milhões. Os ônibus perderam 2,6 milhões de viagens (32%), o metrô 626 mil (18%), e os trens 165 mil (13%). Por fim, os trajetos feitos em carro particular caíram de 11,3 milhões para 10,5 milhões (8%).

Ao mesmo tempo, as viagens em táxis e carros de aplicativo cresceram de 468 mil para 1,1 milhão, ou 138%. Os deslocamentos com bicicletas, apesar dos investimentos vultosos na infraestrutura cicloviária, cresceram menos, de 377 mil para 472 mil, ou 25%. E o uso das motocicletas aumentou 16%, para 1,2 milhão de viagens. Não surpreende que, com mais veículos nas ruas, o tempo médio de deslocamento tenha subido de 26 para 28 minutos nos meios individuais e caído de uma hora para 58 minutos nos coletivos. O transporte individual predomina em distâncias curtas (até 6 km), e o coletivo é mais usado em trajetos longos.

A queda nas viagens surpreendeu os pesquisadores, uma vez que a população aumentou 2%, a frota de automóveis 22%, e os empregos 12% (embora as matrículas escolares tenham caído 6,5%). A queda é atribuída aos novos hábitos depois da pandemia, com trabalho e estudo remotos. Os deslocamentos a trabalho caíram de 18,5 milhões para 16,5 milhões, e os escolares de 14,7 milhões para 12,9 milhões.

O novo cenário captado na pesquisa traz desafios para os governos. A redução das viagens em transportes coletivos tem impacto nas tarifas e nos subsídios às empresas. Com menos passageiros, as concessionárias arrecadam menos para operar os mesmos serviços — e demandam subsídios cada vez maiores. A Prefeitura de São Paulo prevê repasse de R$ 6,4 bilhões às empresas de ônibus neste ano.

É preocupante também a constatação de que o transporte individual superou o coletivo. Em 2023, 51,2% das viagens usavam carros, táxis, veículos de aplicativos ou motos, ante 48,8% de ônibus, trem e metrô. Em 2017, os meios coletivos eram dominantes (54,1% ante 45,9%). Isso significa que o transporte na maior metrópole do país retrocedeu no que diz respeito a um modelo mais racional e menos poluente. A preferência pelo transporte individual congestiona as ruas, aumenta o tempo de deslocamento, consome mais combustível e polui mais, além de exigir maiores investimentos no planejamento de trânsito. É preciso atrair os passageiros de volta aos meios coletivos. Para o bem-estar das metrópoles, é o melhor caminho.

Nova legislação resultou em piora na judicialização da saúde

O Globo

Lei deve ser cumprida, mas não pode tornar as operadoras financeiramente inviáveis

Em três anos, o volume de ações judiciais contra operadoras de planos de saúde mais que dobrou. Foram, em 2024, 300 mil novos casos. A judicialização é perniciosa para todos. Para as famílias, que gastam com advogados, e para os planos, quase sempre punidos pela Justiça, onde prevalece a aplicação indiscriminada do direito universal à saúde inscrito na Constituição. Faltam equilíbrio e racionalidade ao debate.

Esperava-se que a decisão do Superior Tribunal de Justiça determinando que os planos não teriam obrigação de pagar por exames e procedimentos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) — exceto quando não houvesse tratamento similar na lista — atenuaria a corrida de clientes à Justiça. Não foi o que aconteceu. Logo depois da decisão, o Congresso aprovou em 2022 uma lei estabelecendo que o rol da ANS serve apenas como referência. Tratamentos fora da lista, diz a lei, deverão ser fornecidos, desde que sua eficácia médica esteja comprovada e que sejam recomendados pelas autoridades sanitárias.

O resultado era previsível: temendo arcar com custos explosivos, os planos de saúde passaram a recusar ou expulsar clientes. Nos primeiros quatro meses de 2024, ocorreram 5.648 reclamações judiciais contra rescisões, 31% a mais que o verificado no mesmo período de 2023. O então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negociou um acordo provisório com as operadoras, mas os problemas persistem. A Justiça continua a ser o caminho mais fácil quando há recusa de tratamentos. De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a judicialização resultou, entre 2019 e 2023, num custo de R$ 17,1 bilhões às operadoras. É inevitável que essa conta seja repassada a todos os clientes.

Na maioria dos casos, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, o autor da reclamação não tem direito ao que pede. Muitas vezes se discutem nos tribunais tratamentos caríssimos, fora do rol da ANS. A diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar, Vera Valente, cita o exemplo do Zolgensma, considerado o remédio mais caro do mundo, prescrito para atrofia muscular espinhal. Ele foi incluído na lista da ANS em 2023 — quando cada dose custava R$ 6 milhões — para bebês de até seis meses que estivessem entubados. Adultos tentam obtê-lo na Justiça. A nova lei pode ser interpretada de modo a garantir o tratamento. É o tipo de situação que incentiva as operadoras a negar tratamentos, pois sabem que nem todos recorrerão à Justiça.

Existe uma indústria de advogados especializados em processar planos de saúde. O Conselho Nacional de Justiça e a ANS assinaram um acordo para oferecer aos juízes acesso a um banco de dados científico desenvolvido pelo Ministério da Saúde. Quanto mais informações disponíveis, melhores serão as sentenças. A ANS, que costuma ser acionada antes da Justiça, também deveria ser capaz de resolver mais conflitos. A lei precisa ser cumprida, mas não deve levar a uma situação que torne os planos inviáveis financeiramente.

Brasil deve ter prudência para não ser alvo relevante de Trump

Valor Econômico

Brasil tem bons argumentos para negociação com os EUA

O presidente Donald Trump tomou novas medidas que exigem paridade em relação às tarifas dos Estados Unidos com os países com os quais comercia. Seu efeito prático é definir unilateralmente quanto os demais países pagarão para ter acesso ao mercado americano, o maior do mundo, usando como paradigma o que eles cobram para que produtos americanos entrem nos seus. As regras, se é possível chamar assim o amálgama de condições que Trump quer impor, destroem o sistema do pós-guerra que deu origem à Organização Mundial do Comércio, e não são claras e objetivas.

Além de exigir do mundo que se adeque ao que os EUA estejam dispostos a pagar e cobrar para comprar e vender bens e serviços, Trump disse que irá levar em consideração outros critérios que se tornaram um pesadelo nas decisões de controvérsias multilaterais quando a OMC tinha autoridade: barreiras não tarifárias, estruturas domésticas de impostos, favorecimento a estatais etc. O governo americano, enfim, reserva-se o poder unilateral de discriminar países e produtos de acordo com seus interesses políticos e econômicos.

O foco de Trump deixou de ser apenas a China, com a qual teve um déficit comercial de US$ 439 bilhões em 2024, pouco menor que os US$ 506 bilhões nas trocas com o México. As ameaças dos EUA incorporaram com força a União Europeia, que, como bloco, vendeu US$ 606 bilhões a mais do que comprou dos EUA. O Canadá, parceiro de acordo comercial, teve vantagem de US$ 63 bilhões nessa relação. O Brasil é microscópico perto desses países. Os EUA tiveram superavit de US$ 7,3 bilhões, um dos poucos que conseguiu obter, em importações totais de mercadorias brasileiras de US$ 42 bilhões.

Por critérios razoáveis, o Brasil estaria relativamente bem protegido, no fim da fila das prioridades americanas. Mas já foi alvejado em suas vendas de aço e alumínio - sobretaxas de 25%, postergadas por um mês, e foi citado como exemplo negativo pelo imposto que cobra do etanol americano. Ao ter uma das maiores tarifas médias ponderadas do mundo, o Brasil tem grandes barreiras à entrada em seu mercado, o que dificulta as retaliações - os produtos têm proteção tão alta que tendem a ter papel complementar, raramente vital. Por outro lado, suas altas tarifas chamam a atenção de mercantilistas como Trump.

A Amcham, câmara americana de comércio, não vê motivos para os EUA se preocuparem com o Brasil. Seus argumentos: a tarifa média nominal brasileira para o mundo é de 12,4%, mas a tarifa média efetiva ponderada sobre as importações americanas é de apenas 2,7%. A diferença se deve à “alta participação de produtos americanos com alíquota zero nas importações brasileiras, como aeronaves e suas partes, petróleo bruto e gás natural”.

Em algumas das principais categorias de bens, destacam-se mais no protecionismo países que não estão entre aqueles com os quais os EUA tem os maiores déficits comerciais. Em taxação simples ou por média ponderada, a Índia bate todos - 17% e 12%, respectivamente, segundo a consultoria Capital Economics (Estadão, 14-2). A Coreia do Sul se destaca em seguida (13,4% e 8,4%), e depois o Brasil, com 11,2% e 6,7%.

Estimativas por categoria de produtos, feitas com base no Banco Mundial, trazem algumas conclusões mais benéficas ao Brasil. Na média geral de todos os produtos ninguém bate a Índia e a China, com o Brasil em quinto lugar, atrás de Argentina e Rússia. Na importação de alimentos, Turquia, Reino Unido e França ultrapassam o Brasil em proteção. Em manufaturas, porém, o país é o terceiro mais protegido entre 17 nações avaliadas, em metais é o segundo e em madeira, o terceiro (Financial Times, 14-2).

Um teste para as pretensões de “justiça tarifária” de Trump será a Argentina, que está entre os três primeiros do ranking de defesa das importações geral e em destaque em quase todas as seis categorias consideradas. O presidente argentino, Javier Milei, aliado de Trump, espera tirar vantagens de sua proximidade política, mas as estatísticas mostram que o vizinho do Mercosul joga há décadas em uma fechada retranca comercial.

O governo americano aplicará a “reciprocidade” em abril. Como os critérios considerarão outros quesitos, mais países podem estar no alvo de Trump. No mesmo dia em que Trump anunciou as medidas, ele recebeu Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, e disse que fez acordos com ele - Modi deveria ficar preocupado, haja vista a maneira como o presidente americano tem tratado seus aliados. Japão, Vietnã e Coreia do Sul não se saem bem à primeira vista. Mas um dos objetivos principais é dobrar a União Europeia, que tem baixas tarifas de importação no geral, mas algumas muito altas para determinadas exportações americanas, como a de carros.

A “reciprocidade” tarifária impõe a cada país uma relação bilateral com os EUA, em espaço aberto a todo o tipo de discriminação, o contrário do sistema anterior baseado em regras vigente desde 1945. O Brasil tem bons argumentos para negociação se ingressar na linha de frente das investidas de Trump. Pelo seu peso, pode ser objeto de aumento de tarifas pontuais e que não sejam relevantes (exceto o aço) no total de sua pauta comercial. A prudência exibida até agora pelo governo Lula deve ser mantida.

A bem-vinda redução de siglas determina futuro do PSDB

Folha de S. Paulo

Sob ameaça da cláusula de desempenho, partido discute união com MDB, Podemos e PSD; excesso de legendas é anomalia

PSDB, partido que já somou quase cem deputados federais em uma única legislatura e exerceu a Presidência da República por dois mandatos consecutivos, avalia se unir a outras siglas para não correr o risco de desaparecer.

No linguajar tucano, as discussões sobre uma eventual fusão com o MDB, o Podemos e o PSD têm o objetivo de fortalecer o centro do espectro político —não confundir com o centrão— e construir uma terceira via sólida para as eleições do ano que vem.

É provável que, caso as tratativas avancem, sejam esses mesmos os resultados mais importantes de toda a movimentação; seriam necessárias doses elevadas de ingenuidade, porém, para acreditar que são também esses os principais motivos a impulsioná-la, e não o estado debilitado em que o PSDB se encontra.

Com 13 deputados federais eleitos em 2022 e 274 prefeitos em 2024, a agremiação encolhe a olhos vistos. Para piorar, de seus 3 governadores atuais, 2 estudam migrar de legenda —em negociações que, segundo consta, poderiam se concluir em breve.

A se confirmar esse cenário, o tucanato vislumbra, com razão, a possibilidade de perder acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda no rádio e na TV.

Trata-se de consequência da bem-vinda cláusula de desempenho, medida aprovada em 2017 que estabelece patamares mínimos de votação para um partido se beneficiar dos recursos eleitorais bancados pelo contribuinte.

Na disputa de 2026, o sarrafo legal está fixado na eleição de 13 deputados federais, distribuídos em pelo menos nove estados, ou na obtenção de 2,5% dos votos válidos para a Câmara, distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada um deles.

Como mostra o exemplo do PSDB, quando uma sigla percebe a ameaça dessa cláusula, ela precisa se mexer, sob pena de ser limada do mapa político-eleitoral. E é justamente esse o objetivo da lei: reduzir o enorme número de partidos no Brasil, uma anomalia que distorce todo o sistema.

Do ponto de vista do eleitor, a proliferação de siglas é um estorvo, pois dificulta a criação de uma identidade política e atrapalha na hora de decidir o voto.

Do ponto de vista da governabilidade, ela é um problema ainda maior, pois obriga o Executivo a compor alianças com diversas siglas de médio e pequeno porte se quiser aprovar seus projetos.

Muitos dirigentes partidários, em compensação, parecem se refestelar na fragmentação, pois embolsam verbas das legendas, negociam cargos em troca de apoio e, atualmente, ainda beliscam as emendas parlamentares sem nenhuma responsabilização.

A redução do número de partidos ajuda a enfrentar todos esses males e, de quebra, pode resultar em melhor oferta de candidaturas viáveis nos pleitos nacionais, de modo que o eleitor não se sinta levado a apoiar, desde o começo, um nome que talvez não seja a sua primeira opção.

IPCA de janeiro não é motivo de alívio

Folha de S. Paulo

Queda da inflação se deveu à redução de tarifas de energia residencial; expetativa para o ano ainda é de estouro da meta

A alta do IPCA, principal índice de inflação ao consumidor, de apenas 0,16% em janeiro, foi a menor para o mês desde o Plano Real, em 1994, o que gerou comemoração no núcleo político do governo.

Nos 12 meses até janeiro, a variação do índice ficou em 4,56%, abaixo dos 4,83% de um mês antes. Qualquer otimismo, no entanto, é prematuro, já que o dado foi influenciado por alívio pontual da energia elétrica residencial, que se reverterá em fevereiro.

A queda na conta de luz foi de 14,21% e retirou 0,55 ponto percentual do índice —que, sem esse efeito, teria subido cerca de 0,70%, no maior aumento para o período desde 2022.

Trata-se do efeito do chamado bônus de Itaipu, que reflete a comercialização da energia pela usina. Fora disso, o quadro ainda é preocupante, com continuada pressão em itens essenciais, como alimentos, e nos principais segmentos que indicam tensão duradoura, como serviços.

Permanecem elevadas as várias medidas do chamado núcleo da inflação, que em geral buscam excluir itens mais voláteis para obter uma visão mais apurada das tendências. A média desses cortes subiu 0,61%, ou cerca de 7,3% em termos anualizados, trajetória incompatível com a meta de inflação (3%) e mesmo com seu limite superior (4,5%).

No caso de alimentação e bebidas, houve alta de 0,96%, menos que em dezembro (1,18%). Mesmo assim, a inflação acumulada nesses produtos ficou em 7,25% nos últimos 12 meses.

Deve-se contar com algum arrefecimento nos próximos meses diante da esperada alta na colheita de grãos, que deve atingir novo recorde. A valorização do real nas últimas semanas também pode ajudar a conter custos.

Se haverá melhoria na percepção da população é uma incógnita, pois as pessoas se importam com o nível absoluto dos preços, que permanecerá elevado.

Pior, em fevereiro e março há outras pressões sazonais de reajustes, caso da educação. No agregado, espera-se que o IPCA suba pelo menos 1,3% neste mês. Para o ano, as expectativas coletadas na pesquisa do Banco Central ainda apontam para 5,58%.

Não é por acaso que o BC está em campanha de subida da taxa básica de juros, que deve atingir 14,25% anuais em março.

O resultado do arrocho é uma desaceleração na atividade econômica que parece se iniciar.
Tudo isso teria sido desnecessário se o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tivesse adotado uma conduta mais prudente na gestão do Orçamento. A conta chegou para toda a população.

O paulistano está com medo

O Estado de S. Paulo

O brutal assassinato de um ciclista no Parque do Povo indica que, ao que parece, o único procedimento de segurança relativamente eficaz em São Paulo é ficar trancado em casa

A cidade de São Paulo amanheceu sob o choque de um crime brutal na quinta-feira passada. Por volta das 6 horas, o ciclista Vitor Medrado, de 46 anos, foi abordado por dois homens em uma moto na área externa do Parque do Povo, no Itaim Bibi, zona sul da capital paulista, e morto friamente com um tiro no pescoço. A rigor, nem se pode dizer que a vítima foi abordada. Como se vê em imagens de câmeras de segurança da região, um dos assaltantes, ao avistar Vitor usando o celular, já desceu da moto atirando. Com Vitor caído no chão, o criminoso roubou o aparelho, voltou para a moto e fugiu com o comparsa.

Esse caso é particularmente revoltante por várias razões. Em primeiro lugar, pelo baixíssimo valor da vida humana na cidade mais desenvolvida do País, a que deveria ser, em tese, a mais bem preparada para garantir a segurança de seus cidadãos. Quando um paulistano é assassinado não porque foi imprudente ao resistir a um assalto, e sim pelo simples fato de ter tirado o celular do bolso na rua, tem-se a certeza de que São Paulo se tornou uma cidade hostil à vida. A morte de Vitor está longe de ser um caso isolado. Em 2024, como revelou o Radar da Criminalidade do Estadão, o número de latrocínios cresceu 23,2% na capital paulista em relação a 2023.

A certeza da impunidade como impulso anímico para os criminosos é outro fator de causar perplexidade a este jornal e decerto revolta a muitos paulistanos. A polícia suspeita que os mesmos criminosos cometeram uma tentativa de latrocínio de dinâmica idêntica no mesmo dia do assassinato de Vitor Medrado. Cinco horas depois da morte do ciclista, um homem foi baleado por uma dupla de motociclistas na Rua Ribeiro do Vale, no Brooklin, a três quilômetros do Parque do Povo. Pelas características da moto usada nesse crime, não se descarta que possa se tratar dos algozes de Vitor. Por sorte, por assim dizer, a segunda vítima da dupla foi socorrida e está em recuperação num hospital particular de São Paulo.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), decerto têm na ponta da língua números que garantem que São Paulo, sob a administração da dupla, nunca foi uma cidade tão segura. O governo paulista, em particular, prometeu fazer do policiamento eficiente uma de suas principais realizações. Contudo, nenhuma estatística ou discurso é capaz de reduzir a sensação de extrema insegurança e impotência que a morte de Vitor Medrado e de tantos outros produz.

Há muito os paulistas, e os paulistanos em particular, deixaram de viver a ilusão de que a violência é algo distante. O medo é parte do dia a dia de quem vive em São Paulo. A ineficácia da política de segurança tem gerado uma sensação generalizada de abandono e desamparo.

Delitos de oportunidade, como o latrocínio, são evitados com patrulhamento verdadeiramente ostensivo nas ruas. Se o governador e o prefeito espalhassem PMs e guardas municipais pela cidade, sobretudo nas áreas de alta incidência de crimes, sobejamente conhecidas, decerto os indicadores de violência seriam menos terríveis no que concerne aos crimes de sangue. Em geral, criminosos temem ser presos ou mortos, como quaisquer outros cidadãos, e pensam dez vezes antes de cometer um crime caso avistem policiais em patrulha. É tão simples quanto isso. Por que o governo do Estado mais rico da Federação não é capaz de colocar nas ruas de sua capital um contingente policial apto a conter a criminalidade é a pergunta que muitos cidadãos estão fazendo neste momento.

Até em zonas de guerra os cidadãos sabem que, se seguirem determinados procedimentos de segurança, não vão morrer. Em São Paulo, essas regras não valem. Ao que parece, o único procedimento de segurança razoavelmente eficaz é permanecer em casa, o que é, no mínimo, uma humilhação para uma metrópole que deveria ser exemplo de progresso e segurança.

Hoje, o paulistano está com medo, e é dever das autoridades trabalhar incansavelmente para restabelecer a confiança dos cidadãos na capacidade do Estado de lhes prover segurança.

Trump contra o ‘Quarto Poder’

O Estado de S. Paulo

Jornalismo independente é o primeiro e principal bastião contra a subversão dos poderes estatais. Sabendo disso, Trump promove pressão máxima e multifacetada contra a liberdade de imprensa

Entre a névoa das guerras do presidente dos EUA, Donald Trump, contra o comércio internacional e a administração federal, a guerra contra a imprensa passa quase despercebida. Mas ela é essencial para viabilizar as outras, e todas fazem parte de uma ofensiva comum contra o Estado Democrático de Direito. Populistas autoritários detestam a imprensa independente, e não é por acaso que em todas as mensurações de vigor democrático a liberdade de imprensa é sempre um indicador crucial. Ela é um pilar das democracias, assim como uma mídia subserviente é uma marca registrada das autocracias.

Uma das causas pelas quais a guerra contra o “Quarto Poder” desperta menos clamores é a vulnerabilidade da imprensa tradicional. A descrença da população em relação ao compromisso do jornalismo profissional com a isenção e a objetividade tem crescido. É fácil para os demagogos acusarem a imprensa de arrogante e partidarizada quando tantos veículos são arrogantes e partidarizados.

Outra causa é que esta guerra não é travada com uma única arma, como as tarifas de importação, ou com um único batalhão, como o Departamento de Eficiência Governamental (Doge), mas em múltiplas frentes, com tropas e arsenais variados, como ações legais contra veículos de imprensa; acusações hiperbólicas e infundadas; uso do poder estatal para controlar o acesso à informação; favorecimento de veículos alinhados; intimidação a jornalistas; e aliciamento dos donos dos veículos de comunicação.

Desde que entrou nos holofotes como empresário, Trump moveu inúmeras ações contra veículos de imprensa, em geral por difamação. Mas a jurisprudência em torno da Primeira Emenda ergueu barreiras que protegem coberturas contundentes de figuras públicas, e Trump perdeu quase todas essas ações. A nova estratégia é apelar a leis de proteção ao consumidor.

Trump acusa a rede CBS de editar fraudulentamente uma entrevista de outubro com a sua então adversária eleitoral, Kamala Harris – “o maior escândalo jornalístico da história!!!”, disse, em suas redes sociais. Embasando um pedido de indenização de estratosféricos US$ 10 bilhões, os advogados apresentaram duas respostas de Harris à mesma pergunta, veiculadas em programas diferentes. Jornalistas editam regularmente entrevistas em razão da brevidade e da clareza. A íntegra da gravação evidencia que os trechos refletem a substância da resposta e não foram descontextualizados.

Ainda assim, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) desarquivou denúncias contra a CBS e as redes NBC e ABC relacionadas às acusações de Trump de cobertura ilegal das eleições que podem levar à cassação de suas licenças para transmitir em rede aberta. O novo presidente da FCC, Brendan Carr, um militante trumpista, não perdeu tempo em subsidiar a vingança de Trump, ameaçando rever o processo de fusão entre a Paramount, dona da CBS, e um estúdio de cinema, além de abrir investigações contra as redes públicas NPR e PBS, frequentemente criticadas por Trump.

A mensagem para os veículos de imprensa é a de que desagradar a Trump é perigoso. O outro lado da moeda é que aqueles que se alinharem a ele serão ungidos com benesses. O Departamento de Defesa, por exemplo, anunciou que veículos tradicionais, como o New York Times, NBC e NPR perderão acesso aos escritórios de imprensa no Pentágono em favor de mídias pró-Trump, como One America NewsNew York Post e Breitbart News.

“Quem controla a mídia de um país controla a mentalidade deste país e através dela o próprio país”, disse, com brutal honestidade, Balázs Orbán, o estrategista político do premiê autocrático húngaro Viktor Orbán. Em um país com as garantias constitucionais e a cultura do jornalismo independente dos EUA, tal controle jamais aconteceria do dia para a noite. Mas a pressão máxima de Trump para enfraquecer a autonomia editorial dos veículos, a discricionariedade de jornalistas de receber e transmitir informações e o acesso público a ideias e opiniões tem claramente este objetivo. Sob a máscara de “guerreiro da liberdade de expressão”, é indisfarçável a face de um guerreiro contra a liberdade de imprensa.

O ‘suco amargo’ da dívida pública

O Estado de S. Paulo

Arminio Fraga expõe isolamento do Banco Central no combate à inflação, que sozinho não pode tudo

Recentemente, em evento na Casa das Garças, instituto que reúne a nata do pensamento econômico brasileiro, o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga afirmou que a autoridade monetária precisa de ajuda e que “só tem um lugar que pode ajudar, que é o fiscal”.

A declaração foi dirigida ao atual comandante do BC, Gabriel Galípolo, personagem principal de seminário no instituto. Na visão de Arminio, Galípolo tomará um “suco amargo”, uma vez que a dívida pública cresce velozmente.

Arminio tem razão. Como o governo não controla os gastos – ao contrário, o presidente Lula da Silva já disse que não adotará novas medidas fiscais –, resta ao BC aplicar o pesado remédio do juro alto, que funciona, concordam o atual e o ex-BC, mas mantém o País “na UTI”, nas palavras de Arminio.

Daí o apelo de Arminio para que Galípolo tente convencer o Executivo de que a inflação não pode ser combatida unicamente por meio de uma política monetária restritiva, dado que o efeito colateral é a explosão do endividamento do governo.

Não faz muito tempo, o Tesouro Nacional divulgou que a Dívida Pública Federal (DPF) nominal totalizou R$ 7,3 trilhões em 2024, 12,2% a mais que em 2023. Trata-se da maior elevação desde 2020, quando a dívida saltou 17,9% em meio à emergência sanitária da covid-19.

Para 2025, as estimativas também são de dívida nas alturas. De acordo com o Plano Anual de Financiamento (PAF) do Tesouro, a DPF deve crescer entre 10% e 16% neste ano, encerrando o ano em patamar entre R$ 8 trilhões e R$ 8,5 trilhões. Confirmada a previsão, o estoque da dívida no fim deste ano terá praticamente dobrado em relação ao que era em 2019 (R$ 4,3 trilhões).

Embora a taxa básica de juros seja o principal vetor do aumento da DPF, fato é que a Selic só está tão elevada para compensar os gastos excessivos do Executivo.

E, com uma taxa de juros tão elevada, não há como a composição da dívida não piorar. Sinal claríssimo disso é que o PAF de 2025 prevê que o porcentual de títulos do Tesouro com taxas flutuantes (pós-fixados) fique entre 48% e 52% no fim deste ano. Desde 2023, a parcela desses títulos na composição da dívida só aumenta, e tanto o volume como o perfil da dívida se deterioram.

Por ora, já está contratado que a Selic subirá mais um ponto porcentual, para 14,25%, quando o Comitê de Política Monetária se reunir em março, mas a trajetória da inflação sugere que os juros precisarão subir ainda mais.

Além disso, o quadro externo tampouco oferece ajuda – a inflação nos Estados Unidos acelerou em janeiro, o que reduz as chances de o Fed (o banco central norte-americano) baixar os juros, pressionando ainda mais o BC brasileiro.

Tudo somado, sem que o Executivo se ajude, a eficácia do choque de juros ficará comprometida, mesmo com o endividamento em patamar estratosférico. Se isso ocorrer, é líquido e certo que as hostes petistas seguirão culpando o remédio (a Selic elevada) e desacreditando o diagnóstico (o governo é gastador). Quando o paciente é negacionista e recusa a própria responsabilidade no tratamento, não há remédio que resolva.

Festa de oportunidades

Correio Braziliense

O carnaval mobiliza cada vez mais mobiliza foliões de diversas partes do território nacional, impulsionando importantes da economia como comércio, transporte, segurança e turismo

Marca registrada do Brasil, o carnaval já está tomando conta do país. A festa, que este ano oficialmente acontece no começo de março, cada vez mais mobiliza foliões de diversas partes do território nacional. Setores importantes da economia são impulsionados, como comércio, transporte, segurança e turismo. Esse último, especialmente, tem uma oportunidade que não pode ser desprezada.

De cidades de pequeno porte a metrópoles, as ruas são ocupadas durante o feriado por turistas, num movimento que inspira as prefeituras na conquista do interesse de potenciais visitantes. Sem contar os próprios moradores, que se animam a sair para as ruas e podem ser despertados para possibilidades locais antes ignoradas.

No quesito público estrangeiro, presença constante no evento, uma atenção especial. Merece ser valorizado como potencial chance de negócios futuros. Hotéis, restaurantes, bares e lojas lucram durante a festa e ainda têm muito a ganhar nos meses seguintes.

Em 2024, o índice de atividade turística foi positivo no Brasil. Segundo levantamento realizado pelo Ministério do Turismo, os investimentos diretos na área vindos de fora atingiram a marca de US$ 360 milhões — um aumento de 40% em relação a 2023, quando o país recebeu US$ 257 milhões. Ainda de acordo com dados divulgados pela pasta, a intenção dos brasileiros de viajar pelo país apresenta crescimento considerável.

Para transformar toda a vocação do turismo em crescimento constante é preciso, além de não desperdiçar a propaganda que acontecimentos como o carnaval oferecem, avançar na resolução de questões cruciais, como infraestrutura e segurança, e apresentar atrativos ao público. Passadas as festas, é comum serem apontados nos balanços feitos pelos foliões problemas como falta de banheiros públicos, dificuldade nos deslocamentos entre os blocos e deles para casa ou outros pontos e sensação de insegurança.

Opções de transporte que privilegiem a logística e o conforto são fundamentais. Limpeza dos municípios, policiamento, espaços públicos de lazer bem cuidados são pontos a serem melhorados pelos governos municipais — se possível, em colaboração com as esferas estaduais. As empresas também possuem seu papel na qualificação permanente dos serviços prestados, fator essencial para o sucesso desse tipo de segmento.

No mês de abril, em Brasília, está prevista a IV Marcha dos Secretários de Turismo, uma realização da Associação Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Turismo (Anseditur). Sob o tema "Construindo o futuro do turismo", gestores públicos e profissionais vão debater políticas, tendências e estratégias para o desenvolvimento sustentável dos negócios. O encontro é propício para análise e discussão dos resultados do carnaval, pensando no cenário que pode ser explorado a partir da folia. O que parece ser apenas diversão é um relevante caminho de expansão do setor.

Evidente nos desfiles dos blocos e das escolas pelas ruas, a diversidade cultural e paisagística do Brasil precisa ser explorada durante o evento para render frutos contínuos. Pautas como sustentabilidade e turismo consciente atraem os visitantes e devem aparecer nos dias de carnaval. Cabe aos prefeitos, governadores, empresários e investidores ficarem atentos às possibilidades.

A festa momesca é um cartão de visita para "fidelizar" o turista que já participa, assim como para conquistar quem vê pela televisão ou por outros meios de comunicação e redes sociais. Direcionar as ações necessárias para a promoção dos variados destinos pelo país é exercício que deve ser feito e refeito ano após ano. Se o Brasil é "o país do carnaval", que seja lembrado pela beleza da festa, organização e oportunidades. 

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