O Estado de S. Paulo
Restrições ao presidencialismo
multipartidário não justificam a sua reforma
Desde a Constituição de 1988, quando se
estabeleceu que o sistema político brasileiro combinaria presidencialismo com
multipartidarismo, discute-se se esse desenho institucional é equilibrado ou se
precisa ser reformado.
Recorrentemente, defensores de um sistema político supostamente ideal propagam a necessidade de mudança. Agora, a ideia da vez parece ser o semipresidencialismo, defendido inclusive pelo novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. Esses críticos afirmam que a tarefa do presidente de montar e gerir coalizões majoritárias em um ambiente fragmentado torna o sistema presidencialista multipartidário ingovernável, ineficiente, caro e gerador de crises. A lista de argumentos detratores desse sistema é inesgotável e frequentemente reiterada.
E para piorar, apontam que reformas recentes
teriam severamente enfraquecido o presidente, dificultando ainda mais a
governabilidade. Entre as mudanças citadas estão a Emenda Constitucional (EC)
32/2001, que restringiu a edição de Medidas Provisórias, e as reformas
constitucionais EC 86/2015, 100/2019 e 105/2019, que tornaram as emendas
parlamentares ao orçamento da União impositivas, incluindo a autorização para
transferência direta de recursos pouco transparentes aos municípios via emendas
Pix.
Entretanto, o argumento da ingovernabilidade
do presidencialismo multipartidário, mesmo diante dessas supostas novas
restrições, encontra um obstáculo contrafactual: o governo Michel Temer.
O ex-presidente Temer governou sob
praticamente todas as restrições apontadas pelos críticos, incluindo a
obrigatoriedade das emendas individuais, uma fragmentação partidária em um
patamar quase duas vezes maior do que o atual e um ambiente político conturbado
pós-impeachment, no qual parte do Legislativo ainda sustentava a narrativa
delirante de golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
Mesmo assim, Temer, embora impopular, teve um
governo altamente bem-sucedido no Legislativo, aprovando a maioria de sua
agenda, incluindo reformas constitucionais complexas, e barrando dois pedidos
de impeachment apresentados pela Procuradoria-Geral da República. Tudo isso a
um custo de governabilidade relativamente baixo em comparação com outros
governos.
As dificuldades de governabilidade do
presidencialismo multipartidário, portanto, não parecem justificativas
suficientes para uma reforma sistêmica. Se há necessidade de mudanças, é
fundamental que novos argumentos sejam apresentados, pois o problema pode não
estar no desenho da máquina, mas sim como ela é operada. •
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