segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Eu só quero é ser feliz – Preto Zezé

O Globo

Aos políticos que se dedicam a perseguir funk, aconselho conhecer e dialogar com seus líderes

Nos últimos anos, diversos projetos de lei têm visado o funk, muitas vezes sob o argumento de coibir apologia ao crime, mas, na prática, dificultando a contratação de jovens funkeiros e prejudicando a indústria do gênero. Parte desse movimento é motivada pela associação da música ao crime. Outra parte é consequência da própria violência e da ausência do Estado, que produzem um cenário de falta de segurança presente em relatos e valores de alguns adeptos do gênero.

O objetivo de proteger crianças e adolescentes das drogas é superlegítimo. Ninguém quer, em sã consciência, filhos expostos a tal situação, ainda mais produzida por um evento cultural. Ponto.

Mas o que está em andamento não é uma preocupação com esse público. Políticos deveriam se mostrar preocupados em melhorar as condições de vida nos territórios onde esses jovens nascem, muitos morrem, e outros se perdem devido à falta de políticas públicas.

Acho equivocado associar um artista ou um gênero à causa da violência. Mais grave ainda é censurá-lo, como querem projetos que visam mais a fazer barulho e projetar discursos extremos, já que a Constituição protege a liberdade de expressão. Tais grupos são os que mais defendem a liberdade, mas, nesse caso, me parece que somente a liberdade deles.

Do ponto de vista da cultura do funk, com todas as críticas que se possam fazer, o cenário é bem diferente. Convido quem tiver disposição a conhecer iniciativas e artistas que atuam em festivais e gravadoras, empresas que empregam milhares de pessoas e formam uma cadeia de economia criativa. Essa economia é formada por jovens que não tinham perspectiva alguma e que se construíram em cima de escombros de desesperança. Acredito que acertam mais do que erram.

Aos políticos que, por preconceito ou desinformação, se dedicam a perseguir o funk, aconselho conhecer e dialogar com seus líderes. Aprenderão muito e podem fortalecer uma parceria importantíssima, porque eles levam entretenimento, economia e felicidade a territórios onde, muitas vezes, o Estado só existe para punir.

Apesar do preconceito e das tentativas de censura, o funk se consolidou como fenômeno econômico expressivo no Brasil. Estudos revelam que o gênero movimenta milhões de reais e gera empregos, especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos. Injeta dinheiro em comunidades e participa do robusto mercado da música brasileira.

O samba e a capoeira já sofreram perseguição e foram criminalizados no início do século XX. Criminalizar o funk é um retrocesso cultural e econômico, atacando um dos maiores movimentos da juventude das favelas e periferias do Brasil. Isso já ocorreu com o rap e com o trap. MV Bill, Racionais e tantos outros já foram perseguidos e estigmatizados sob esse mesmo argumento.

Aqui não se trata do Oruam. Ele é o símbolo-alvo do momento. A tendência é que, depois, tentem calar outros e, então, não sobrará mais ninguém — nem você, que está aí calado, que ama o funk, curte o baile, usufrui tudo que ele produz, mas está com receio de botar a cara para defender o direito de existir, falar, cantar, fazer nossa própria grana e ser protagonista da nossa própria vida.

Silenciar o funk é tentar sufocar o desejo expresso no hino que diz Eu só quero é ser feliz / Andar tranquilamente na favela onde eu nasci.

Desse direito, nós não abrimos mão. Então, fé em Deus, DJ! Segue o baile!

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