O Globo
Aos políticos que se dedicam a
perseguir funk, aconselho conhecer e dialogar com seus líderes
Nos últimos anos, diversos projetos de lei têm visado o funk, muitas vezes sob o argumento de coibir apologia ao crime, mas, na prática, dificultando a contratação de jovens funkeiros e prejudicando a indústria do gênero. Parte desse movimento é motivada pela associação da música ao crime. Outra parte é consequência da própria violência e da ausência do Estado, que produzem um cenário de falta de segurança presente em relatos e valores de alguns adeptos do gênero.
O objetivo de proteger crianças e
adolescentes das drogas é superlegítimo. Ninguém quer, em sã consciência,
filhos expostos a tal situação, ainda mais produzida por um evento cultural.
Ponto.
Mas o que está em andamento não é uma
preocupação com esse público. Políticos deveriam se mostrar preocupados em
melhorar as condições de vida nos territórios onde esses jovens nascem, muitos
morrem, e outros se perdem devido à falta de políticas públicas.
Acho equivocado associar um artista ou um
gênero à causa da violência. Mais grave ainda é censurá-lo, como querem
projetos que visam mais a fazer barulho e projetar discursos extremos, já que a
Constituição protege a liberdade de expressão. Tais grupos são os que mais
defendem a liberdade, mas, nesse caso, me parece que somente a liberdade deles.
Do ponto de vista da cultura do funk, com
todas as críticas que se possam fazer, o cenário é bem diferente. Convido quem
tiver disposição a conhecer iniciativas e artistas que atuam em festivais e
gravadoras, empresas que empregam milhares de pessoas e formam uma cadeia de
economia criativa. Essa economia é formada por jovens que não tinham
perspectiva alguma e que se construíram em cima de escombros de desesperança.
Acredito que acertam mais do que erram.
Aos políticos que, por preconceito ou
desinformação, se dedicam a perseguir o funk, aconselho conhecer e dialogar com
seus líderes. Aprenderão muito e podem fortalecer uma parceria importantíssima,
porque eles levam entretenimento, economia e felicidade a territórios onde,
muitas vezes, o Estado só existe para punir.
Apesar do preconceito e das tentativas de
censura, o funk se consolidou como fenômeno econômico expressivo no Brasil.
Estudos revelam que o gênero movimenta milhões de reais e gera empregos,
especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos. Injeta dinheiro em
comunidades e participa do robusto mercado da música brasileira.
O samba e a capoeira já sofreram perseguição
e foram criminalizados no início do século XX. Criminalizar o funk é um
retrocesso cultural e econômico, atacando um dos maiores movimentos da
juventude das favelas e periferias do Brasil. Isso já ocorreu com o rap e com o
trap. MV Bill, Racionais e tantos outros já foram perseguidos e estigmatizados
sob esse mesmo argumento.
Aqui não se trata do Oruam. Ele é o
símbolo-alvo do momento. A tendência é que, depois, tentem calar outros e,
então, não sobrará mais ninguém — nem você, que está aí calado, que ama o funk,
curte o baile, usufrui tudo que ele produz, mas está com receio de botar a cara
para defender o direito de existir, falar, cantar, fazer nossa própria grana e
ser protagonista da nossa própria vida.
Silenciar o funk é tentar sufocar o desejo
expresso no hino que diz Eu só quero é ser feliz / Andar tranquilamente
na favela onde eu nasci.
Desse direito, nós não abrimos mão. Então, fé
em Deus, DJ! Segue o baile!
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