- Valor Econômico
Cada candidato se aproxima de uma das "igrejas"
Desde sempre, os economistas com algum protagonismo social têm exercido papel relevante na formulação das políticas públicas no mundo dos: 1) países desenvolvidos com mais mercado e mais democracia (Alemanha, Suécia, EUA); 2) países emergentes, com menos mercado e menos democracia (Rússia); 3) emergentes com simulacro de mercado e autoritarismo (China); e 4) outros, sem mercado e autoritarismo (Cuba).
A economia não é uma ciência. É mais próxima de uma religião com várias igrejas, cujas credibilidades dependem, essencialmente, de sua base empírica e dos resultados materiais da aplicação dos princípios dela derivados, revelados pela história.
A observação dos últimos 300 anos revela que pouco mais de 20 países tiveram sucesso em ver florescer sociedades que, a despeito de tensões internas, conseguiram reconstruir uma civilização que persegue três objetivos não inteiramente compatíveis: a plena liberdade individual, a mitigação das desigualdades de toda natureza e uma organização (os "mercados") que dá conta - razoavelmente bem - da coordenação entre os desejos de consumo de milhões de consumidores (a demanda) e a produção de milhões de produtores (a oferta).
O homem "descobriu" muito cedo as vantagens de combinar o aumento da divisão do trabalho (cada um fazendo aquilo para o qual tem mais habilidade, por exemplo, sapatos) com as "feiras" (onde o produtor de galinhas poderia trocá-las livremente pelo par de sapatos).
O "mercado" surgiu espontaneamente das relações sociais que se intensificaram desde que o homem deixou o nomadismo, dominou a agricultura, domesticou alguns animais e procurou segurança na criação de pequenas aglomerações que deram origem à urbanização. O "mercado" tem vantagens, mas gera problemas. O seu bom funcionamento exige algum Estado capaz de garantir a "propriedade privada" e o cumprimento das "promessas" estabelecidas pelas relações de troca (preços) entre os diversos produtores.
Um resultado importante dessa organização é que ela proporciona (através dos preços estabelecidos) uma coordenação entre a "demanda" e a "oferta" que admite a plena liberdade de iniciativa: cada um escolhe o que quer "consumir" e o que pode "produzir".
O problema é que a propriedade privada, quando combinada com a possibilidade de acumular riqueza pela via monetária, trabalha contra a "igualdade", dividindo os homens entre os que têm a capacidade de fazê-lo e acumulam "capital" e os outros que lhes vendem sua força de trabalho. O que nos ensina a história dos países mais bem-sucedidos social e politicamente? Que essa separação entre o "capital" e o "trabalho" produz (junto com a desigualdade) um aumento exponencial da produtividade do trabalho, que permite combinar, razoavelmente, os três objetivos da sociedade civilizada a que nos referimos acima.
O desenvolvimento econômico, isto é, o aumento da produtividade do trabalho, é um problema termodinâmico que independe das crenças dos economistas. É comum a todas as "igrejas". Desde que a evolução deu consciência ao homem, ele começou a separar-se da natureza, da qual ele retirava sua sobrevivência material diretamente com o seu trabalho. Sua inteligência (sua inventividade) foi descobrindo caminhos para ampliar sua capacidade de explorá-la. O gráfico abaixo simplifica esse processo.
O trabalho vivo (L) era aplicado originalmente à natureza para sua subsistência. Sua inventividade produziu instrumentos auxiliares para facilitar a sua tarefa, como construir uma escada, por exemplo, para colher os frutos mais altos. O que é a escada, senão trabalho vivo congelado num "bem de produção" que aumenta a produtividade do trabalho vivo? Ela é o "capital" (K), que aumenta a produtividade do trabalho vivo.
Cuidadosa pesquisa empírica mostra que a produtividade do trabalho depende da relação do "capital" associado a cada trabalhador (K/L), que gera o PIB (Y) por unidade de trabalho (Y/L), o indicador do desenvolvimento econômico. Aqui termina a economia. Como se distribuirá o produzido entre o "capital" e o "trabalho" é uma decisão de quem detém o poder político. Como toda decisão política, ela tem uma margem de arbitrariedade que gera consequências. Se não houver harmonia entre o "consumo" presente e a reposição do "capital" (o "investimento"), o sistema colapsa!
Confirmando a tradição, cada candidato à Presidência da República em 2018 aproxima-se de uma das "igrejas", cujas soluções para a volta ao crescimento são diferentes, mas todos terão que escolher se vão respeitar as restrições acima, ou nos dar mais uma década perdida.
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Ao completar 90 anos, e 18 nesta coluna, creio que é tempo suficiente para me despedir dos meus leitores e agradecer-lhes a honra que me concederam. Desejo a todos - e ao Brasil - a maior felicidade.
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Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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