O assassinato de Marielle Franco, a combativa vereadora carioca filiada ao Psol, elevou as exigências e acelerou o tempo para que a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro apresente resultados concretos a curto prazo. É possível supor os motivos pelos quais traficantes ou policiais corruptos decidiram executar uma política jovem, vibrante, que deu a sua vida em dedicação exclusiva à defesa dos pobres dos morros da cidade. Quaisquer que sejam as razões, a brutalidade colocou um desafio aberto às autoridades federais, estaduais e municipais - o de obter trunfos palpáveis contra o Estado paralelo armado, que desdenha obstáculos para a realização de seus objetivos criminosos.
O clamor público, espontâneo, que se espalhou por várias capitais do país, contra a morte de Marielle, é um repto a que se acelere a limpeza da banda podre da polícia e que a integração dos serviços de inteligência da polícia militar, civil e Exército seja feita com mais rapidez, para impedir as ações destrutivas das milícias e dos narcotraficantes. É errado e politicamente desonesto atribuir a morte da Marielle a uma suposta onda de desrespeito aos direitos humanos que teria se avolumado depois do "golpe", o impeachment de Dilma.
Mata-se no Rio com imensa facilidade, antes e depois do "golpe" e a intervenção das Forças Armadas poderá até se revelar inócua se não for amparada em muito mais que assustar bandidos. Ela é, no entanto, mais uma tentativa de interromper uma escalada criminosa que passou dos limites há muito tempo.
Marielle não foi um alvo gratuito. Sua atuação junto às comunidades, sua denúncia da brutalidade policial e suas críticas ao violento batalhão policial de Acari chamaram a atenção e poderiam motivar averiguações "inoportunas". Ela poderia saber algo mais do que dizia e calá-la tornou-se conveniente. Uma liderança jovem e popular também não deveria ter vida tranquila ao apontar as mazelas da população pobre dos morros. Seu assassinato mostra que o poder armado paralelo dos narcotraficantes e seus cúmplices no aparelho do Estado não temem nada nem ninguém. Foi também um aviso aos políticos renovadores, idealistas, que sonham em consertar as coisas, que eles podem ter o mesmo fim que Marielle se insistirem em fustigar o império bilionário das drogas.
A infiltração do narcotráfico nos canais políticos da sociedade, por outro lado, trouxe um aumento da violência nas disputas eleitorais, tradição da República Velha que já fora quase banida nas capitais do Sul-Sudeste. O Estado do Rio é líder de assassinatos políticos no país (Valor, ontem). Entre 2000 e 2016, 79 candidatos foram mortos, 63 deles postulantes a cargo de vereador. A enorme rede de corrupção que tomou conta do Estado fluminense e do Legislativo sugere que a responsabilidade por essas mortes não é apenas de gangues da droga, mas de empresas e intermediários que têm um pé no submundo da contravenção e que não querem perder o acesso ao poder, caminho mais promissor para negócios escusos.
Restaurar os instrumentos de controle do Estado em uma situação de degeneração avançada é uma tarefa de longo prazo. A intervenção "gerencial" do Exército, por outro lado, colide de alguma forma com a urgência de resultados que o próprio chamado às Forças Armadas parecia prometer. Interesses políticos podem tornar mais difícil o que hoje parece quase impossível e nessa categoria tanto entram os cartazes de "Fora Temer" no enterro de Marielle quanto a extemporânea cogitação do presidente Michel Temer de que a operação poderia terminar em setembro. O presidente, ao chamar a responsabilidade do Planalto para o caos fluminense, colherá os louros dos sucessos e fracassos da intervenção feita, ao que tudo indica, ao sabor do improviso.
A intervenção, se detiver mesmo provisoriamente a violência no Rio, dará o tempo necessário para que uma verdadeira política de segurança seja colocada de pé, assim como construídos os instrumentos necessários para articulações entre as três esferas de governo. Sem a articulação estreita entre União, Estados e municípios, que hoje competem entre si ou são omissos, não será possível ser vitorioso nesta luta. E esta é uma tarefa que não é do Exército, mas dos políticos. Entre eles, a vereadora Marielle fez a sua parte, com perseverança e coragem exemplares.
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