Fim
das coligações proporcionais é esperado desde 2017
Muitos
sucumbirão à tentação. Já na noite de domingo, antes mesmo de uma análise mais
fria dos resultados das eleições municipais, irão comemorar a eficiência do
sistema político-eleitoral brasileiro e uma suposta pujança da democracia
local. Farão comparações do desempenho das urnas eletrônicas com o que se viu
recentemente nos Estados Unidos, onde a apuração demorou dias para ter um
desfecho e ainda enfrenta questionamentos do lado derrotado. Mas, recomenda-se
cautela.
Só
depois de uma avaliação pormenorizada da configuração das novas câmaras de
vereadores será possível dizer se a proibição das coligações nas disputas
proporcionais de fato ajudará a depurar o sistema político. Espera-se há anos
pela aplicação dessa regra, instituída por meio de uma proposta de emenda
constitucional em 2017, e finalmente seus efeitos serão conhecidos. Talvez o
principal deles seja a diminuição no número de partidos existentes no país.
Será
a primeira vez que os candidatos a vereador só poderão disputar o cargo por
meio de chapa única dentro dos seus próprios partidos. Se não houver nenhum
desvio de rota, a regra será mantida nas próximas eleições e isso pode fazer
toda a diferença na conformação do Congresso que será eleito em 2022 e
conviverá com o próximo presidente da República. Seja ele qual for.
No
sistema proporcional, por meio do qual são escolhidos deputados e vereadores, o
voto dado é primeiro considerado para o partido ao qual o candidato é filiado.
O total de votos de uma sigla define quantas cadeiras ela terá no Legislativo
e, definida a quantidade de vagas, os candidatos mais votados desse partido são
chamados a ocupá-las.
No
entanto, até agora a coligação funcionava como um partido único: ao votar em um
candidato a vereador ou deputado, o eleitor dava seu voto para toda a
coligação. O resultado é conhecido. São muitas as disfunções do sistema, que
hoje conta com 33 partidos registrados na Justiça Eleitoral. Muitos deles viraram
siglas de aluguel ou legendas criadas como empreendimentos voltados à captação
de recursos públicos.
São
diversos os exemplos de partidos de campos ideológicos antagônicos que fecharam
alianças táticas, para eleger representantes e se manterem a salvo da cláusula
de barreira. O sistema sempre incentivou a formação de coligações com
finalidades meramente eleitorais. Pragmáticas, muitas siglas foram sobrevivendo
- preservaram fatias nos fundos públicos e tempo de propaganda em rádio e TV.
Por
outro lado, essas mesmas estruturas partidárias foram contribuindo com o
processo de enfraquecimento de um sistema marcado por escândalos de corrupção e
pelo descrédito dos agentes políticos.
O
modelo até então vigente nunca facilitou a formação de maiorias congressuais ou
primou pela estabilidade. Passadas as posses, essas mesmas legendas voltavam a
atuar em lados opostos. Com o princípio da proporcionalidade distorcido,
restava aos governantes a busca incessante pela formação de bases aliadas,
muitas vezes por caminhos heterodoxos mais conhecidos pelos peritos da polícia
do que pelos analistas políticos.
Mesmo
assim, poucas iniciativas conseguiram avançar no Congresso no âmbito da reforma
política, a exemplo das discussões sobre o voto distrital e distrital misto. O
fim das coligações nas eleições proporcionais foi uma exceção e, embora
inicialmente tenha sido concebido para já valer nas eleições de 2018, acabou
sendo adiado para o pleito municipal deste ano.
Alguns
efeitos da medida já foram percebidos. A estratégia de grande parte dos
partidos foi lançar candidaturas majoritárias no maior número possível de
municípios. São elas, muitas vezes, que acabam impulsionando a eleição de
vereadores. Ao todo, o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra
557.383 candidaturas neste pleito, ante 496.927 em 2016. No período, houve um
aumento tanto no número de candidaturas a prefeito (19.345 contra 16.568) como
a vereador (518.321 ante 463.405).
Outros
efeitos ainda deverão ser notados com o passar do tempo. Uma tendência é os
partidos que não tiverem bom desempenho serem compelidos a enfrentar processos
de fusão. Isso pode ocorrer, por exemplo, na esquerda. Outras siglas, como Novo
e Rede, podem acabar tentando sobreviver com candidaturas de nicho nas disputas
majoritárias, mesmo que fadadas a ficarem com modesta representatividade no
Poder Legislativo.
Não
é de surpreender, portanto, que a regra já seja alvo de críticas no Congresso.
Existem algumas propostas em tramitação tentando mudá-la. E mesmo os maiores
partidos, em tese os principais beneficiários, já fizeram chegar algumas
queixas ao TSE.
Uma
reclamação é que, agora, cada partido passou a ser obrigado a preencher 30% das
candidaturas reservadas às mulheres individualmente. Antes, o cumprimento da
chamada cota de gênero se aplicava à coligação como um todo. O mesmo tipo de
reclamação se dá em relação a supostas dificuldades em respeitar a regra de
divisão proporcional de verbas públicas de campanha entre homens, mulheres,
negros e brancos.
Outra
crítica ao formato final da regra se dá em relação ao rateio das vagas
remanescentes nos legislativos. Elas serão distribuídas entre todos os partidos
que participarem do pleito, independentemente de terem atingido ou não o
quociente eleitoral. Isso pode acabar reduzindo a margem de redução do número
de siglas no curto prazo.
Mesmo assim, seria positivo se ter um diagnóstico completo dos efeitos da nova regra, antes de recolocá-la em discussão apenas para atender interesses específicos de um ou outro partido. Não se deve, também, esperar alguma liderança do presidente da República nesse processo de otimização do sistema eleitoral. Além de colocar sob suspeição as urnas eletrônicas, sua batalha mais recente neste campo, a de criar um novo partido, diverge do espírito da PEC aprovada depois de muita discussão no Parlamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário