Ministro
quer a volta da CPMF, o tributo mais antiliberal
Paulo
Guedes chegou a Brasília com credencial de liberal formado pela Escola de
Chicago. Na prática, o que se vê não se parece nada com o liberalismo de Milton
Friedman, maior expoente daquela escola. Com a economia rodando à taxa básica
de juros (Selic) em 2% ao ano, o ministro quer recriar a CPMF, tributo que
funciona como uma espécie de confisco e do qual o país se viu livre em 2007,
por decisão soberana do Congresso.
Por
que confisco? Ora, porque a CPMF não taxa diretamente o ganho, a renda, o
lucro, o valor agregado nem mesmo o consumo ou a produção, mas, sim, a passagem
do dinheiro por uma conta bancária. Basta o sujeito depositar seu dinheiro num
banco e já tem que pagar o tributo. É um imposto, na verdade, sobre dinheiro.
E, mesmo quem não tem conta, paga indiretamente porque tudo o que compra tem o
custo da CPMF embutido no valor.
A
CPMF é um tributo regressivo, injusto, pois ricos e pobres pagam
proporcionalmente a mesma coisa. Sua incidência em cascata onera toda a cadeia
produtiva e, portanto, os preços. Onera, ainda, a formação da taxa de juros.
No
momento em que o Banco Central (BC) aproveita a maré de juros historicamente
baixos para estimular a competição no sistema de crédito, a CPFM seria mais uma
cunha fiscal sobre a intermediação financeira, portanto, um contrassenso.
“Do
ponto de vista econômico, a incidência de impostos sobre operações de captação
de recursos e concessão de empréstimos constitui uma distorção introduzida pelo
governo na livre formação de um preço, a taxa de juros. Por representar um ônus
para o tomador, mas não um bônus para o poupador, a tributação desestimula
tanto o investimento quanto a poupança”, dizem, no estudo “A Cunha Fiscal sobre
a Intermediação Financeira”, Renato Fragelli, do Ibre-FGV, e Sérgio Mikio
Koyama, do BC. “Trata-se, portanto, de um entrave à boa alocação inter-temporal
de recursos na economia, com consequências de longo prazo sobre o crescimento
econômico.”
A
cunha fiscal imposta pela CPMF não é sobre o spread bancário, isto é, sobre a
diferença entre a taxa de juros dos empréstimos e o custo de captação dos
bancos. A CPMF é paga diretamente por quem toma um financiamento e também pelo
investidor que compra um CDB emitido pelos bancos, logo, o tributo não está
contido no spread.
Observe-se
que a margem de lucro dos bancos em operações de crédito está dentro do spread,
logo, a CPMF não alcança a rentabilidade das instituições financeiras, como
apregoam alguns defensores desse tributo.
No
estudo que fizeram para o Banco Central, Fragelli e Koyama identificaram sete
impostos recolhidos ao longo da intermediação de recursos entre um poupador e
um tomador de empréstimo bancário - isto, sem falar do recolhimento compulsório
sobre depósitos à vista, prazo e poupança - hoje, respectivamente, 21%, 17% e
20%, percentuais bem menores do que os exigidos no passado.
“No
grupo de impostos que tipicamente constituem uma distorção da atual estrutura
tributária estão o PIS, Cofins e CPMF. Trata-se de tributos que não têm relação
direta com o valor adicionado das empresas, pois, incidem (em cascata) sobre o
faturamento das empresas. No caso da CPMF, a distorção é particularmente grave,
pois ela só se faz presente quando a troca entre empresas dá origem a saques de
conta corrente”, explicam os dois especialistas no estudo.
O
liberalismo do ministro Paulo Guedes entorta também em temas como “o que fazer
com o dinheiro levantado na venda de estatais”. Num país em desenvolvimento
cuja dívida pública caminha para o equivalente a 100% do Produto Interno Bruto
(PIB), Guedes defendeu que o dinheiro arrecadado com privatizações vá para o
custeio de programas sociais. A ideia não era ruim antes apenas porque saía da
cabeça de economistas de esquerda durante campanhas eleitorais.
Nota
do redator: no primeiro mandato (2003-2006), o presidente Lula, entre outras
medidas fiscais austeras, aumentou o superávit primário das contas públicas em
0,5% do PIB (num esforço fiscal nunca feito antes na história deste país);
antecipou o pagamento da dívida com o FMI - nada mal para quem apregoava a
realização de auditoria na dívida e suspensão de seu pagamento -, e aprovou
mudanças na Constituição de 1988 para instituir a contribuição de aposentados
do setor público à previdência e igualar as regras de aposentadoria do
funcionalismo público federal com as do trabalhadores do setor privado.
Ora,
a dívida existe e é crescente porque o gasto público não cabe dentro do
orçamento, isto é, porque a despesa supera a arrecadação de tributos e
impostos. Daí, a necessidade de ajuste fiscal. Digamos que todas as estatais
fossem vendidas, e os recursos obtidos fossem destinados ao pagamento de
programas sociais. O dinheiro seria suficiente para bancar no máximo um ano, se
tanto, dessas despesas. Depois disso, o governo voltaria a se endividar.
Com
a dívida voltando a crescer, a despesa com juros também cresce e o custo disso
- a taxa de juros exigida pelo mercado para continuar financiando o Tesouro -
tende a aumentar exponencialmente. O déficit público escala e, aí, não se tenha
dúvida, Brasília, premida a reequilibrar o orçamento, cortará verbas onde é
mais fácil fazer isso - dos programas sociais, afinal, pobre - a maioria da
população - não tem representante no centro do poder.
De
onde Guedes e sua equipe propuseram tirar dinheiro para custear o “Renda
Brasil”? Do congelamento, por dois anos, das aposentadorias pagas pelo INSS a
35 milhões de brasileiros, sendo que 70% desse contingente recebe um salário
mínimo (R$ 1.045,00) por mês.
A
propósito, dinheiro de que privatizações? Desde que assumiu embalado por um
discurso liberalizante nunca visto por aqui desde a chegada do navegador
espanhol Vicente Pinzón à “Praia do Paraíso” (hoje, Cabo de Santo Agostinho,
litoral pernambucano) em 1499, antes, portanto, do português Pedro Álvares
Cabral, o atual governo não vendeu uma estatal sequer, para deleite das
corporações, de seus fundos de pensão e das empresas privadas que lucram com a
ineficiência do Estado.
Ora, a dívida existe e é crescente porque o gasto público não cabe dentro do orçamento, isto é, porque a despesa supera a arrecadação de tributos e impostos. Digamos que todas as estatais fossem vendidas e os recursos obtidos fossem destinados ao pagamento de programas sociais. O dinheiro seria suficiente para bancar no máximo um ano, se tanto, dessas despesas. Depois disso, o governo voltaria a se endividar. A propósito, que privatizações?
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