- O Globo | Folha de S. Paulo
Pitis
são irrelevâncias nas relações entre os países
Donald
Trump está oferecendo ao mundo uma cena de desequilíbrio explícito recusando-se
a admitir sua derrota eleitoral. Problema dos americanos. O Brasil nada tem a
ver com isso. Desde o fim da semana passada, criou-se uma saia justa porque o
presidente Jair Bolsonaro não felicitou Joe Biden pela sua vitória. É um bom
tema para alimentar conversas, mas sua relevância é igual à da cloroquina para
a cura da Covid. Pode, no máximo, ser um silêncio descortês, mas, nesse negócio
de reconhecimento indevido, a medalha está com a diplomacia americana, que, em
1964, reconheceu o deputado Ranieri Mazzilli como presidente, enquanto João
Goulart ainda estava no Brasil. Pior, fizeram isso sem consultar o presidente
Lyndon Johnson.
No
dia 20 de janeiro, Joe Biden assumirá a Presidência dos Estados Unidos. No
limite, Trump deixará a cidade antes disso. Tudo bem. Em 1801, John Adams
foi-se embora e não participou da posse de Thomas Jefferson. Talvez Trump fique
de cara fechada na limusine que o levará, ao lado de Biden, da Casa Branca ao
Capitólio. Tudo bem de novo. Em 1953, o general Eisenhower e o presidente
Truman mal trocaram algumas palavras durante o percurso. Malquerenças à parte,
no dia seguinte Jefferson e Eisenhower governavam os Estados Unidos, e, a
partir da tarde do dia 20, Joe Biden assinará seus primeiros papéis na Casa
Branca.
Pitis
são irrelevâncias nas relações entre os países. Bolsonaro e Biden têm opiniões
diferentes em relação ao meio ambiente, uma ninharia se comparadas a
divergências anteriores, como a do Acordo Nuclear que o Brasil assinou com a
Alemanha, e o governo americano ostensivamente ajudou a detonar. Salvo a ação
de agrotrogloditas nacionais e de suas milícias piromaníacas, há um imenso
campo para o entendimento com os Estados Unidos e as grandes nações europeias
em relação à floresta. Até há bem pouco tempo, o Brasil não era um pária. Se
passou a sê-lo, com um chanceler que se orgulha disso, o problema é do atual
governo. Assim foi com a agenda dos direitos humanos no século passado. Ela era
um espinho no pé da ditadura, não de Pindorama. Nunca é demais lembrar que a
famosa frase “o Brasil não é um país sério” jamais foi dita pelo presidente
francês Charles De Gaulle. Seu autor foi o embaixador brasileiro em Paris.
Como
perguntou o documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal revelado pelo
repórter Mateus Vargas: “Será que vale a pena a troca de provocações nas
Relações Internacionais?”.
Joe
Biden é um dos poucos presidentes eleitos americanos que estiveram no Brasil.
Isso garante que ele não pensa que a capital do país seja Buenos Aires. George
Bush não sabia que aqui há negros, e em 1945 Franklin Roosevelt achava que
Getúlio Vargas fosse um general. Ao contrário de Trump, o presidente eleito dos
Estados Unidos tem uma relação racional com o Departamento de Estado, e pode-se
esperar que pratique uma diplomacia ouvindo os profissionais. Em 2015, ele
cruzou com o venezuelano Nicolás Maduro numa reunião em Brasília. Tudo pronto
para um piti, Biden cumprimentou-o e disse que, se tivesse a cabeleira do
colega, seria presidente dos Estados Unidos. Mesmo com uns poucos fios
transplantados, conseguiu.
Quem preferir algum tipo de diplomacia temperamental jogará para seu público interno.
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