Bolsonaro
tenta faturar com a confusão em torno da suspensão dos testes da chinesa
CoronaVac
A
decisão da Anvisa de suspender, na segunda-feira, os testes da vacina
CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto
Butantan, gerou uma confusão que em nada ajuda o combate à Covid-19. O
presidente Jair Bolsonaro não tardou em politizar o fato. “Morte, invalidez,
anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos
tomá-la (sic). O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória.
Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, afirmou numa rede social, dando uma
alfinetada no rival João Doria, que não cansa de promover uma vacina que não
sabe se poderá entregar.
Se
Bolsonaro ou Doria ganham algo com a confusão, o brasileiro só perde cada vez
que uma questão que deveria se ater aos aspectos técnicos adquire contornos
políticos. Interrupções em pesquisas dessa envergadura são naturais, até certo
ponto esperadas. Em setembro, testes da vacina da Universidade de Oxford com a
farmacêutica AstraZeneca foram interrompidos devido à morte de um voluntário.
Depois constatou-se que ele tomara o placebo.
Desta
vez, a interrupção também foi motivada pela notificação da morte de um
voluntário. O diretor do Butantan, Dimas Covas, afirmou que o evento nada tinha
a ver com a vacina. A Comissão de Ética em Pesquisa, ligada ao Ministério da
Saúde, não viu razão para suspensão. De acordo com o laudo do Instituto
Médico-Legal que veio à tona ontem, o voluntário cometeu suicídio.
Mas
a Anvisa alega que não sabia disso até a tarde de ontem (ao menos, não pelos
canais formais). Falhas na comunicação com o Butantan, inaceitáveis numa
pandemia, contribuíram para o quadro caótico. Na versão da Anvisa, não havia
detalhamento quando receberam a informação e, na dúvida, seguiu-se o protocolo
técnico. A explicação não convence. Não teria sido difícil se comunicar com o
Butantan para esclarecer a questão antes da decisão, tomada no mesmo dia em que
o governo paulista fazia propaganda das primeiras 120 mil doses da CoronaVac.
Ainda
que a Anvisa tenha agido apenas por motivação técnica, é lamentável que tema
tão importante para a saúde pública seja objeto de disputa política. A
suspensão dos testes é uma questão científica que poderia ser trivial, mas, num
ambiente polarizado, ganha vulto desproporcional.
O
governo deveria estar preocupado em garantir ao brasileiro acesso à maior
quantidade possível de vacinas em testes. Não é o que tem acontecido. Na
segunda-feira, Pfizer e BioNTech anunciaram que sua vacina contra a Covid-19
tem 90% de eficácia, segundo análises preliminares. Mas o governo federal não
fez acordo com as empresas. Pôs todas as fichas apenas na vacina de Oxford que,
embora promissora, também é só uma aposta.
Politização,
falta de transparência e de estratégia só trazem efeitos nocivos. Pesquisas
mostram que o número de brasileiros dispostos a se vacinar contra Covid-19 tem
caído. Não é para menos. Picuinhas políticas e informações desencontradas minam
a confiança em qualquer vacina. Ponto para o vírus.
Bolsonaro
faz o que bem entende nas redes porque a lei é ambígua – Opinião | O Globo
Legislação
não consegue impedir presidente de instalar palanque eletrônico eleitoral no
Alvorada
O
Ministério Público Eleitoral do Rio e candidatos paulistanos questionam as
lives de apoio a candidatos que Bolsonaro passou a transmitir do Palácio da
Alvorada, convertido em palanque eletrônico até sábado, como o próprio
presidente anunciou. Embora seja uma atitude condenável, já que a mais alta
autoridade do Executivo atua como cabo eleitoral de dentro do Alvorada, a lei é
ambígua a respeito.
De
um lado, a Lei Eleitoral nº 9.504, de 1997, estabelece num dos parágrafos do
artigo 73 que é proibido a agentes públicos, servidores ou não, “ceder ou usar,
em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou
imóveis” da União, estados e municípios. Mas não há impedimento a que o
presidente faça campanha para quem quiser. É um direito que Bolsonaro exerce
usando sua casa atual, o Alvorada, e não o Planalto ou as instalações de
qualquer outro organismo público.
A
dúvida relevante que persiste diz respeito ao uso das redes sociais pelo
presidente e por outras autoridades. No Brasil, não há um entendimento
pacificado sobre se são um canal oficial público ou privado.
O
advogado Leonardo Medeiros Guimarães, bloqueado por Bolsonaro ao criticá-lo no
caso da tentativa de interferência na Polícia Federal, protocolou mandado de
segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para esclarecer a questão.
Argumenta que, como cidadão, tem direito a se manifestar nas redes, inclusive
na do presidente da República. O procurador-geral da República, Augusto Aras,
na defesa encaminhada ao STF, alega que, mesmo que Bolsonaro use as redes para
divulgar atos do governo, as “postagens têm caráter nitidamente informativo”, o
que configura o “caráter privado da conta”.
A
ambiguidade da legislação brasileira protege Bolsonaro. Nos Estados Unidos, a
Suprema Corte proibiu Donald Trump de bloquear cidadãos, por entender que sua
conta tem caráter oficial. Esse seria o entendimento mais razoável aqui, afinal
Bolsonaro é o presidente, e o cargo exige certa liturgia.
Uma
saída para disciplinar o uso das redes pelo presidente é argumentar, com base
na Constituição e na legislação correlata, que Bolsonaro, pelo peso do cargo,
não pode usar de meios públicos sem seguir o pluralismo político-partidário.
Outra seria a aprovação, pela Câmara, do Projeto de Lei das Fake News, que já
passou pelo Senado. Um dos focos da nova legislação é justamente a garantia da
pluralidade no uso das redes sociais na esfera pública.
Enquanto
a lei continuar parada e o Supremo não decidir a respeito, Bolsonaro continuará
a fazer o que bem entende nas redes sociais.
A morte da decência – Opinião | O Estado de S. Paulo
Se
Jair Bolsonaro não tivesse transformado a pesquisa e a produção de vacinas
contra a covid-19 numa disputa eleitoreira, teria descido aos porões da
indecência?
Os padrões de decência do presidente Jair Bolsonaro, mais do que sua flagrante incompetência, marcam indelevelmente a sua condução do País em meio à maior emergência sanitária de que se tem notícia em mais de um século. Quis o destino que, além da pandemia de covid-19, mal concomitante se abatesse sobre a Nação: o infortúnio de ser governada por alguém sem a mínima noção do bem comum num dos momentos mais dramáticos de sua história.
Não
é o ideal, mas, nas horas graves, um presidente incompetente sempre pode se
acercar de auxiliares capazes antes de tomar decisões quando, a despeito de lhe
faltar técnica, lhe sobram humildade, espírito público e genuína compaixão por
seus concidadãos. Mas este não é o caso de Bolsonaro, a quem faltam esses
atributos tão elementares para qualquer presidente da República digno do cargo.
Em
mais uma demonstração cabal de seu absoluto desprezo pela vida e pelo bem-estar
dos brasileiros, Bolsonaro não escondeu o júbilo pela interrupção dos testes da
Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com
o Instituto Butantan, por determinação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), no dia 9 passado. A agência informou a ocorrência de um
“evento adverso grave” como justificativa para interromper os testes da fase 3,
que têm se revelado bastante promissores.
Antes
de estar claro em que circunstâncias se deu o “evento adverso grave”, o
presidente Jair Bolsonaro usou o Facebook para inflamar sua rinha particular
com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Sem qualquer evidência que
corroborasse suas alegações, bem a seu feitio, Bolsonaro escreveu que a
Coronavac provocaria “morte, invalidez, anomalia”. Trata-se de uma mentira, uma
desabrida irresponsabilidade que mostra que não há limites para Bolsonaro
quando o que está em jogo são seus interesses particulares. Dane-se o interesse
público.
Escrevendo
em terceira pessoa e naquele seu idioma que se assemelha ao português, o
presidente prosseguiu afirmando que “esta é a vacina que o Dória queria obrigar
a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia
ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Ganha o que, senhor
presidente? Tanto o teor como a forma da mensagem abjeta indicam que ali também
ia um comando de Bolsonaro, diligentemente obedecido, para que seus camisas
pardas disseminassem o discurso por meio das redes sociais.
Depois
se soube que o “evento adverso grave” foi a morte trágica de um voluntário que
participava dos testes com a Coronavac em São Paulo. A Secretaria de Estado da
Saúde considera “impossível” que o fato esteja relacionado com a vacina. Mais
indigna, portanto, foi a manifestação inoportuna do presidente Bolsonaro.
Primeiro, por se jactar de um fato que envolve a morte de uma pessoa. Segundo,
por comemorar a interrupção dos testes de uma vacina contra o novo coronavírus
enquanto a esmagadora maioria do País anseia por ela e lamenta o ocorrido.
A
interrupção dos testes de uma vacina quando há um desvio dos resultados
esperados é procedimento comezinho na comunidade científica. Recentemente, os
testes com a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e o laboratório
AstraZeneca também foram suspensos pela Anvisa, após ter sido constatado um
efeito colateral em um voluntário. Tão logo ficou esclarecido que seria seguro
prosseguir com o estudo, os testes foram retomados. Portanto, a interrupção dos
testes é algo que diz mais sobre a segurança do processo de desenvolvimento de
uma vacina do que sobre sua possível ineficácia.
Ainda
é cedo para que se faça um juízo dos critérios que levaram a Anvisa a
determinar a suspensão dos testes com a Coronavac. O secretário de Saúde de São
Paulo, Jean Gorinchteyn, e o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas,
disseram-se surpresos com a decisão da agência, que não teria se pautado pelo
rigor científico. A agência reguladora, obviamente, afirma o contrário. Fica no
ar a questão: se o presidente Jair Bolsonaro não tivesse transformado a
pesquisa e a produção de vacinas contra a covid-19 numa mesquinha disputa
eleitoreira, teria ele descido aos porões da indecência?
A porta de entrada da política – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
eleição municipal é a oportunidade por excelência para a renovação da política.
A Constituição de 1988 atribuiu importantes competências à esfera municipal, o que faz com que as eleições para prefeito e vereador sejam muito relevantes para a população. Por exemplo, saúde, educação, transporte e habitação são afetados diretamente pela gestão municipal. Mas o pleito municipal tem também outra dimensão, de especial peso para a qualidade da democracia. As eleições municipais são a porta de entrada da carreira política. O pleito local é, portanto, a oportunidade por excelência para a tão necessária renovação da política, com gente competente e honesta, disposta a colocar suas melhores capacidades a serviço do interesse público.
Não
é fruto do acaso a falta, tantas vezes criticada, de bons nomes nas esferas
políticas federal e estadual. A ausência de boas opções nas eleições gerais é
quase sempre resultado de escolhas irrefletidas no pleito municipal. Além dos
efeitos negativos sobre a gestão da cidade, o descuido do eleitor com a esfera
municipal faz com que sejam alçadas a uma posição de destaque na vida pública
pessoas que talvez não tenham as necessárias condições de caráter e competência
para a política.
Essa
especial responsabilidade do eleitor não decorre apenas dos muitos efeitos da
eleição municipal. A esfera local oferece uma oportunidade única. Nela, o
eleitor tem maior proximidade com os candidatos. Assim, o voto para prefeito e
vereador é mais acessível. O meio dado ao cidadão para descobrir e conhecer
bons candidatos, alinhados ao que ele espera de uma boa gestão municipal e de
uma boa política.
Expressiva
quantidade de candidatos – por exemplo, em 2016 houve 460 mil candidatos a
vereador no País – nas eleições municipais deixa evidente a falsidade das
afirmações genéricas de que todos os políticos são corruptos ou de que nenhum
político está comprometido com o interesse público. O que a crença
irresponsável nesses preconceitos revela é, antes de mais nada, um eleitor desinteressado
pela cidade e pela política. Ou seja, um mau cidadão.
Em
2018, o eleitor promoveu uma renovação inédita do Congresso, tanto da Câmara
como do Senado. O resultado das urnas levou a uma significativa melhora do
Parlamento. A atual legislatura é significativamente melhor do que a anterior.
No entanto, para que essa renovação do Poder Legislativo federal, bem como do
estadual, seja consistente – e não apenas um fato esporádico – é fundamental
que o mesmo fenômeno, com a escolha de bons nomes, também ocorra no âmbito
local.
É
muito difícil que, sem um voto consciente e responsável nas eleições do próximo
dia 15, haja bons nomes disputando o pleito de 2022 ou o de 2026. Naturalmente,
não se pode ignorar que cada âmbito da Federação tem competências específicas,
mas a boa política é uma carreira de obstáculos – e isso deve orientar o
eleitor na escolha de seu candidato na esfera municipal, onde tudo começa. O
decisivo é que, com seu voto, o eleitor apoie pessoas honestas e competentes,
com capacidade e disposição para realizar a boa política.
As
novas lideranças políticas, repetimos, nascem no âmbito local. E vale lembrar
que elas não surgem por geração espontânea. O desabrochar de novos nomes – de
mulheres e homens competentes, honestos e criativos, profundamente
comprometidos com o bem público – se dá pelo voto. É nas eleições municipais,
portanto, que o eleitor define as novas lideranças políticas.
Num
regime democrático, todo o poder emana do povo. Sempre vigente e estruturando o
funcionamento de todo o poder público, essa realidade é especialmente sentida
nas eleições. Em cada pleito, o poder está nas mãos do eleitor. E em cada
pleito, esse poder tem consequências específicas. No próximo dia 15, além de
dizer a quem será entregue a gestão dos muitos assuntos públicos da esfera
local, o eleitor definirá também como será a classe política dos próximos anos.
Essa decisão merece especial cuidado.
O conserto começa em casa – Opinião | O Estado de S. Paulo
Com
ou sem Biden, a melhora do comércio exterior depende de correções no Brasil.
Seja quem for o presidente dos Estados Unidos, os brasileiros precisam fazer a lição de casa para competir no mercado global, como lembrou o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Pode haver excelentes motivos para preferir Joe Biden, mas os problemas comerciais do Brasil vão muito além das medidas de Donald Trump contra as importações de aço e alumínio. Os sinais de alerta chamam a atenção, há anos, principalmente para os problemas da indústria, mas também o agronegócio, o setor mais competitivo do País, é prejudicado pelas deficiências nacionais.
O
maior desafio continua sendo o famigerado custo Brasil. O presidente da AEB
lembrou a burocracia, a elevada e complexa carga de tributos e a infraestrutura
precária. Medidas têm sido tomadas, há muito tempo, para reduzir os entraves
burocráticos e simplificar, por exemplo, os procedimentos de exportação e
importação. Houve melhoras, mas insuficientes. Além disso, a insegurança
jurídica permanece e muito tempo se perde com obstáculos formais, como a teia
mutável e complexa de obrigações tributárias. Complicada e instável, a
tributação é inadequada a uma economia empenhada em se abrir para o mundo – ou
forçada a isso.
Em
todos os grandes mercados algum tipo de intervenção oficial atrapalha a
competição. Barreiras protecionistas são encontradas com frequência, ostensivas
ou disfarçadas, e em toda parte há pressões a favor de novas limitações. Na
União Europeia manifestações desse tipo são rotineiras. Mas o protecionismo
estrangeiro continua longe de ser o primeiro grande empecilho encontrado pelos
exportadores brasileiros.
Estes
enfrentam os primeiros obstáculos muito antes de chegarem ao porto com suas
mercadorias. De fato, industriais encontram barreiras desde a tributação sobre
a compra de máquinas e equipamentos, com a lenta recuperação do crédito fiscal.
Os problemas começam antes da produção.
No
caso da agropecuária, a atividade é altamente competitiva enquanto se
consideram as condições dentro da fazenda. Parte da vantagem se esvai, no
entanto, quando é preciso levar o produto ao porto em condições muito desfavoráveis,
principalmente em estradas mal conservadas, muitas vezes sem asfalto ou
simplesmente inacabadas.
Apesar
dessas dificuldades, o Brasil se mantém como grande exportador de soja, sempre
na disputa da liderança, e como importante vendedor de carnes, de milho e, é
claro, de café. Mas a imagem da agropecuária tem sido prejudicada pela
desastrada e desastrosa política ambiental do presidente Jair Bolsonaro (porque
é ele, enfim, o patrocinador da calamitosa atuação do ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles).
A
Amazônia tem pouco peso na produção de cereais, leguminosas, oleaginosas e
carnes, mas esse dado é esquecido, ou ignorado, quando se misturam, nos debates
internacionais, a destruição das florestas e as condições da atividade
agropecuária no Brasil. O presidente Bolsonaro, ajudado pelos ministros do Meio
Ambiente e de Relações Exteriores, contribui com eficiência para manter a
confusão e para fortalecer os argumentos protecionistas contra produtos
brasileiros. Além disso, o presidente se meteu, em troca de nada, em atritos de
seu guru Donald Trump com chineses e muçulmanos, pondo em risco importantes
mercados do agronegócio.
Quanto
ao setor industrial, o governo deveria estar empenhadíssimo em apoiar sua
recuperação, mas continua longe disso. Em 2014 a indústria brasileira estava
entre as dez maiores do mundo. Em 2019 havia caído para a 16.ª posição, segundo
estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Desde
a posse até a chegada do coronavírus, o presidente e seus auxiliares pouco se
ocuparam da vitalidade da economia nacional e, particularmente, da indústria.
Os problemas do setor ultrapassam de muito os custos da folha de pessoal,
fixação do ministro da Economia, mas ele jamais mostrou real interesse pelo
assunto. Como fazer a lição de casa sem o empenho e sem uma participação
eficiente da cúpula de Brasília?
Bolsonaro, a derrota – Opinião | Folha de S. Paulo
Falas
infames minam credibilidade da Anvisa e semeiam desconfiança na vacinação
Quase
ao mesmo tempo em que a multinacional americana Pfizer anunciava a eficácia de
mais de 90% de seu imunizante, o presidente Jair Bolsonaro e seus apaniguados
exibiam ao mundo mais uma lição de irresponsabilidade vacinal, ao politizar uma
questão que deveria ser exclusivamente técnica.
A
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mandou interromper o ensaio
clínico de fase 3 da Coronavac, a vacina de origem chinesa em teste no país
que, se aprovada, será produzida em São Paulo pelo Instituto Butantan, como
parte de um acordo costurado pelo governador João Doria (PSDB). A medida atende
a um protocolo.
Suspensões
de ensaios ocorrem com alguma frequência e visam assegurar a qualidade do
produto final e a ética no processo de testagem. A interrupção pode se
justificar, entre outros motivos, por eventos adversos graves inesperados —como
foi o caso aqui, com a morte de um voluntário.
Se
claramente não estiver relacionado à vacina, um evento do tipo não precisa
levar à suspensão dos testes —e, como se noticiou depois, considera-se que
houve provavelmente suicídio
ou overdose.
A
Anvisa alega que recebeu informações incompletas do Butantan e que não tinha
outra alternativa além de suspender a testagem; já o instituto diz que seguiu
os protocolos. Em qualquer hipótese, urge que se retome o trabalho assim que a
questão seja esclarecida.
Poderíamos
estar diante de um mal-entendido ou um debate sobre procedimentos, não fosse
a desfaçatez
de Bolsonaro.
O presidente foi às redes sociais celebrar o evento —originado por uma tragédia
pessoal— e proclamar que vencera “mais uma”. Em seu placar mental alucinado,
teria imposto um revés à “vacina chinesa do Doria”.
Trata-se
de mais que parvoíce e insensibilidade. O ato do chefe de Estado é de extrema
gravidade por comprometer a credibilidade de uma agência reguladora, à qual
cabe tomar decisões vitais com independência em relação ao governo de turno, e
por semear a desconfiança na imunização.
Neste
último aspecto, pesquisas realizadas pelo Datafolha em quatro metrópoles
brasileiras (São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife) já detectaram sinais
preocupantes de que diminuiu a disposição da população a vacinar-se, além de
ressalvas, sem nenhuma base científica, à vacina chinesa.
Ainda
nesta terça (10), Bolsonaro encontrou tempo para fazer bravatas a respeito do
enfrentamento da Covid-19 e pregar que o Brasil “tem
que deixar de ser um país de maricas”. São todas suas, entretanto, a
covardia, a omissão e a mesquinharia que sabotaram os esforços do país durante
a maior crise sanitária global em um século.
Ajuda para quê? – Opinião | Folha de S. Paulo
Congresso
articula novo socorro aos estados, sem que pareçam claros os motivos
Há
movimentação no Congresso para aprovar após as eleições municipais mais uma ajuda
financeira aos governos estaduais. A promessa, como sempre, é que o socorro às
custas da União terá contrapartidas de ajuste orçamentário.
O
projeto busca ampliar o alcance de propostas anteriores. Para os estados em
grave crise, seria estabelecida uma flexibilização dos critérios de acesso ao
regime de recuperação fiscal —hoje aplicado apenas ao Rio de Janeiro.
As
novas regras permitiriam a adesão de Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul,
em troca de redução de incentivos tributários e reformas. Quem não cumprir o
prometido, estabelece o texto, será multado e expulso do programa. Acredite
quem quiser.
A
prática tem sido a complacência. O Rio, por exemplo, não fez sua parte
contratual e mesmo assim terá acesso a mais benefícios, incluindo a
flexibilização na exigência de privatização da estatal de saneamento, a Cedae.
Há
uma segunda modalidade de amparo, o programa de equilíbrio fiscal, que abrange
os estados com nota C na classificação do Tesouro Nacional —aqueles com
melhores condições de pagamento, apesar de situação financeira frágil. Nesses
casos, haveria ajustes de despesas para a obtenção de novos empréstimos com
garantia da União.
Para
todos os estados, além disso, abre-se a possibilidade de acesso a dinheiro novo
com a adesão a critérios contábeis unificados para a despesa de pessoal.
Enquanto
isso, haveria perdão para os 11 estados —entre 20 que aderiram à regra— que
violaram o limite de gastos em 2018 e 2019. Também seria retirada do teto a
parcela de despesas em saúde e educação que exceder a inflação.
Fato
é que as promessas de ajuste carecem de credibilidade a esta altura. União e
estados, com a colaboração do Judiciário, há anos se dedicam a um jogo de
empurra que socializa os prejuízos causados por governadores irresponsáveis.
É
discutível, ademais, se a nova ajuda é necessária. Mesmo com a profunda
recessão derivada da pandemia, a receita de vários entes federativos se
encontra em alta.
A
autonomia federativa sempre apregoada pelos governos estaduais quando lhes
interessa deve ser uma via de duas mãos. Que os governadores resolvam seus
próprios problemas de forma autônoma e altiva por meio de reformas
politicamente difíceis. Não deveriam precisar da União para isso.
Pacote dá alívio aos Estados, mas ajuste precisa ser feito – Opinião | Valor Econômico
O
projeto ambiciona contemplar os diferentes tipos de situação fiscal
Em plena crise da pandemia e agudo aperto fiscal, os Estados acumularam disponibilidade consolidada de caixa de R$ 165,8 bilhões em setembro, o maior patamar da história. Houve um aumento de 77,7% no segundo quadrimestre em comparação com o mesmo período do ano passado. O volume respeitável levou uma das responsáveis pela administração do Tesouro a comentar em tom de brincadeira que a situação dos Estados era melhor do que a do governo federal e que iria pedir dinheiro emprestado aos governadores.
A
disponibilidade de caixa nesses volumes é uma situação incomum nos Estados. É
consequência dos repasses de recursos federais do pacote de ajuda elaborado
para mitigar o efeito da pandemia e também de alguma recuperação da
arrecadação, com a flexibilidade do isolamento e o início da retomada da
atividade econômica.
As
contas da maioria dos Estados vinham melhorando nos últimos dois anos. O
superávit primário consolidado fechou 2019 em 0,22% do Produto Interno Bruto
(PIB), o melhor resultado desde 2014. Mas as despesas com pessoal e com juros
seguiam acelerando, do mesmo modo que a queda dos investimentos. Estados e
Tesouro discutiam um novo plano de renegociação de dívidas e ajuste, o Plano
Mansueto, que ganhou o nome do ex-secretário Mansueto Almeida.
Foi
quando sobreveio a pandemia do novo coronavírus. O governo federal demorou, mas
implementou o plano de ajuda que transferiu de cerca de R$ 60 bilhões para
Estados (62%) e municípios, a suspensão do pagamento da dívida até o fim deste
ano, e R$ 16 bilhões para compensar perdas de arrecadação nas transferências da
União. E os reajustes de servidores foram suspensos até o fim de 2021.
Mas
o alívio é temporário e tem data para terminar. No início do próximo ano, as
dívidas devem voltar a ser pagas e o Teto de Gastos precisa ser cumprido pelos
que se comprometeram com o limite. Por isso, governadores se reuniram nos últimos
dias com congressistas para pedir a votação de algumas medidas, em debate desde
2019.
O
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu aos
governadores pautar para votação, após o primeiro turno da eleição municipal,
um outro plano, o projeto de lei PLP 101/2020. O Senado promete agir em
seguida. O projeto que, em verdade, ainda não está fechado e enfrenta
resistência no governo, ambiciona contemplar os diferentes tipos de situação
fiscal. Há o caso dos Estados mais endividados, como Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás, que estarão sujeitos a contrapartidas mais
duras, como privatizações. Estados que não cumpriram o Teto de Gastos como
haviam prometido em renegociação com a União no fim do governo Temer - onze no
total - poderão se livrar das multas se aceitarem o teto por mais três anos. Os
gastos com Saúde e Educação ficarão fora do limite, quando houver aumento de
receita além da inflação.
Também
deverá ser votado após as eleições municipais o projeto que regulamenta o
acordo entre os Estados exportadores e a União para compensação das
desonerações da Lei Kandir. Isso garantirá repasse de mais de R$ 60 bilhões em
15 anos para esses Estados. O primeiro pagamento da Lei Kandir pode sair ainda
neste ano, se várias etapas legislativas forem vencidas. Até a aprovação final,
esses projetos podem sofrer modificações, inclusive a pedido do governo.
Mas
eles não livram os Estados de enfrentarem uma das principais causas de seus
problemas, que é a elevada despesa com salários e aposentadoria dos
funcionários. Segundo o Tesouro, os Estados gastam em média 58% das receitas
correntes líquidas com pessoal, sendo que nove estão acima do limite de 60%
estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas que não se ajustam porque
usam outra metodologia de apuração, respaldada pelos tribunais de contas
locais. No Rio Grande do Sul, o índice chega a 81%.
A Previdência dos servidores é outra fonte de pressão. Estados e municípios ficaram fora da reforma da Previdência sancionada em âmbito federal no ano passado. Mas 15 Estados aprovaram mudanças nas regras locais, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Simulações feitas pelo instituto (Valor 3/11) mostram que, com as reformas aprovadas, os 15 Estados, que gastaram com inativos e pensionistas R$ 109,2 bilhões em 2019, vão dispender R$ 114,7 bilhões em 2039, cerca de R$ 50 bilhões a menos do que arcariam se as mudanças não tivessem sido implementadas.
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