terça-feira, 2 de novembro de 2021

Mirtes Cordeiro* - Escolas públicas… por que não seguimos os nossos pensadores?

 

“…de fato o Brasil é um país que nunca deu importância à educação”. (Cristovam Buarque)

As escolas públicas estão ressurgindo, saindo de uma longa jornada de isolamento em que alunos e professores se afastaram por imposição do vírus para uma grande reflexão sobre seu rumo.

O afastamento forçado foi uma oportunidade – dentro da adversidade – propícia para que gestores e professores observassem com mais precisão as lacunas, há muito tempo apontadas no ensino básico, e que tem levado a tão pífios resultados: baixos resultados na aprendizagem dos alunos; baixa permanência na sala de aula; violência na escola e pouca integração com as comunidades.

As nossas escolas públicas há mais de cem anos, desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, padecem das mesmas dificuldades, ressalvadas algumas medidas paliativas. Os professores nunca foram valorizados. Segundo José Geraldo Santana, em seu artigo A Histórica desvalorização dos Professores, as emblemáticas palavras de D. Pedro II nunca encontraram eco suficiente na sociedade brasileira. Disse D. Pedro II: “Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro”.

A elite brasileira nunca se preocupou com a educação como fonte do conhecimento. A preocupação, na verdade, é com o caráter utilitário do ensino universitário para extrair mais-valia e ganhar sempre mais dinheiro.

“Não é de assustar, portanto, que os professores sofram de síndrome do desencanto e que haja constante migração para outras atividades e seja pequeno o percentual dos ingressos, no ensino superior, que queiram dedicar-se ao magistério”, acrescenta Geraldo.

Numa crítica ao período republicano instalado há 43 anos (Proclamação da República/1889), o Manifesto dos Pioneiros apresentado à sociedade brasileira e ao governo Getúlio Vargas, em 1932, expressava a preocupação com a dicotomia existente entre o pensamento econômico e a organização da educação no país.

 “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade.” (Texto do Manifesto)

Padecemos dessa cegueira até os dias de hoje. Somos um país capitalista dependente das commodities, hoje representadas pelo agro negócio, a extensão do país rural do início da República.

Escolas cada vez mais desvalorizadas fizeram enormes esforços para suprir as necessidades metodológicas e tecnológicas durante a pandemia – necessidades ausentes nas políticas de governo – pela vontade e pelo compromisso dos seus professores. Encontramos na mídia extensos relatos de professores que se desdobraram muito além das suas possibilidades para não deixar que crianças e adolescentes ficassem totalmente à margem do processo de aprendizagem durante a pandemia.

Às vésperas de um ano eleitoral, quando vamos eleger novo presidente e novos governadores, o país deve exigir atitudes para reorganizar a educação em seu território.

Há muito vem se falando na necessidade de um Sistema Nacional de Ensino onde o poder central assuma maiores responsabilidades com a permanência dos alunos nas escolas públicas de ensino básico e com a formação e valorização dos professores, duas questões fundamentais para a qualidade da educação e para o desenvolvimento do país.

Anísio Teixeira, cujo centenário de nascimento comemoramos em julho deste ano, intransigente na sua postura de considerar, há quase cem anos, a educação como direito de todos e zelar pela sua qualidade, nos deixou um grande legado. Já naquela época evidenciava a necessidade da formação universitária para todos os professores em sala de aula, o que só foi definido na Lei de Diretrizes e Base da Educação, de 1996. E tornava público “que mestres do amanhã devem ter uma formação intelectual muito mais ampla e aprofundada do que tem sido até agora.” Algo quase impossível com as duas ou três jornadas de trabalho à que são submetidos os professores atualmente, situação provocada pelos baixos salários que não lhes garantem sobrevivência digna.

“Pioneiro na implantação do ensino em tempo integral, Anísio Teixeira criou um modelo de educação inovador para a época…  concebeu a escola como um espaço real no qual a criança do povo pudesse praticar uma vida melhor: livros, revistas, estudo, recreação, saúde, professores bem preparados, ciência, arte, clareza de percepção e crítica, tenacidade de propósitos. Enquanto foi secretário de educação no governo baiano, o educador construiu o Centro Popular de Educação Carneiro Leão, mais conhecido como Escola-Parque. Mais tarde, seu grande amigo e educador Darcy Ribeiro criou o projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), baseado na experiência das Escolas-Parque.” (Clarice Nunes)

Defensor da Universidade Pública, Anísio defendia o desenvolvimento de universidades capazes de serem polos de irradiação científica, literária e filosófica, privilegiando a pesquisa como um grande valor associado ao trabalho docente, lembrando a necessidade da formação permanente dos professores.

Atualmente não se concebe um país como o nosso, distante de um projeto pedagógico que abrigue a criança e o adolescente em uma escola em tempo integral, não só porque traz proteção aos alunos e libera os pais para o trabalho, mas sobretudo porque amplia a capacidade de trabalho dos alunos na perspectiva do seu desenvolvimento integral, aglutinando atividades imprescindíveis ao exercício da cidadania.

Para mim, e para muitos educadores, a escola em tempo integral amparada por um projeto pedagógico com abrangência cultural e democrática, pode reunir as condições para a melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos e contribuir para a transformação do país.

Para Paulo Freire, “A democracia é, como o saber, uma conquista de todos. Toda a separação entre os que sabem e os que não sabem, do mesmo modo que a separação entre as elites e o povo, é apenas fruto de circunstâncias históricas que podem e devem ser transformadas”.

Valorizar a escola, garantir aprendizagem de qualidade e valorizar os professores são tarefas do Estado e da sociedade garantidas pela Constituição Brasileira. “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho… pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas… gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais… valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas… gestão democrática do ensino público… garantia de padrão de qualidade… piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”. (Arts. 205 e 206)

Na verdade, parece mesmo que a educação não é prioridade para a população brasileira, ocupada desde muito tempo com as ações imediatas que dizem respeito à sobrevivência, como fala o nosso engenheiro e educador Cristovam Buarque. “Em primeiro lugar, porque a população é muito imediatista, tem problemas mais urgentes para resolver como a violência e o desemprego. Por isso, as pessoas não percebem que precisam estudar para conseguir emprego: querem emprego amanhã. Não percebem que para estancar a violência é preciso que todos tenham outras oportunidades na vida, o que exige educação. Querem resposta já e precisam, na verdade, ter. Não conseguem pensar que lá na frente à educação resolve. Segundo, porque de fato o Brasil é um país que nunca deu importância à educação”.

Então, já estamos muito atrasados em relação aos outros países deste planeta terra que nós conhecemos.

Não precisamos mais de discursos, é preciso construir uma consciência nacional que gere caminhos e ter atitudes corretas para percorrê-los.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. 

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