O Globo
O Brasil empatou com o passado. É assim que
Márcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima, explica a mudança
anunciada ontem, em Glasgow, das metas brasileiras. “Esse empate vem depois de
um ano de enorme prejuízo para a imagem do Brasil”, diz. O Brasil havia dado
uma pedalada climática, e agora, ao subir de 43% para 50% a redução das
emissões em 2030, em relação a 2005, o país atinge o mesmo efeito líquido. Na
verdade, não elevou as metas, fingiu aumentar as ambições, para voltar ao que
se comprometeu quando assinou o Acordo de Paris.
— O Brasil é o único país entre os grandes
emissores que havia retrocedido em suas metas climáticas e por isso estava
sendo enormemente criticado — diz Astrini.
O Brasil é o quinto maior emissor de gases
de efeito estufa, atrás da China, Estados Unidos, Índia e Rússia. Se considerar
a União Europeia como um país, é o sexto, informa o coordenador do MapBiomas,
Tasso Azevedo. E ele concorda com Astrini. O que aconteceu ontem foi um não
evento.
— Sobre a nova meta, o governo brasileiro tirou o bode da sala. Com a meta de 50% sobre a emissão de 2005, com números do quarto inventário, o resultado é o mesmo: o Brasil vai reduzir para 1,2 bilhão de tonelada de carbono. E tem mais, em 2015, quando se fez a meta, o Brasil já havia reduzido em 40% as emissões de 2005. Só que de 2016 para cá o país só fez crescer as emissões e em 2020 aumentou 4,6% sobre 2015. Estamos na trajetória errada — disse Tasso Azevedo.
Entrevistei para o meu programa na
Globonews a professora de ecologia da UNB Mercedes Bustamante e a pesquisadora
Brenda Brito, do Imazon. O que impressiona é como está claro que o Brasil se
apequenou na mesa de negociação.
— Eu não lembro na história recente de ter
o Brasil numa posição tão diminuída nas negociações do clima como a gente vê
agora. Neste momento, na década decisiva, na COP decisiva, nós estamos fora, a
perda é inestimável — disse Mercedes.
O Brasil cresceu na mesa de negociação pelo
seu patrimônio ambiental, pela sua história de envolvimento diplomático com o
tema desde a Rio-92, e também pelo que conseguiu fazer no passado recente, como
conta Brenda:
— O Brasil sabe o que fazer para reduzir o
desmatamento, já fizemos isso com sucesso entre 2004 e 2012, tivemos uma
redução de 80% da taxa anual de desmatamento, mas a partir de 2013 esse número
começa a subir e desde 2019 a gente ultrapassa essa marca de 10 mil km2 que é
algo que a gente não via desde 2008.
Os cientistas têm repetido a ideia de que
esta década é decisiva, e, portanto, esta COP também. Muita gente vê isso com
uma certa dúvida. Como todo o esforço que se faz é para que o aumento da
temperatura não ultrapasse 1,5 grau Celsius até o fim do século, por que essa
década de 20 seria tão importante?
Mercedes e Brenda explicaram no programa
que essas emissões são cumulativas, e esse é o momento de fazer os movimentos
mais fortes para impedir que eles se acumulem. Se tomarmos a rota errada agora,
será muito mais difícil, e mais caro, no futuro reduzir essas emissões,
explicaram.
O Brasil é visto com atenção por ser
detentor dos grandes “drenos naturais” desses gases. Ao mesmo tempo, são
exatamente esses drenos que estamos destruindo com o desmatamento.
— A gente está vendo neste momento uma
corrida por ocupação da floresta, para a grilagem, que é um dos grandes vetores
do desmatamento — explicou Brenda.
De Glasgow, Márcio Astrini contou que há
uma pressão muito grande dos empresários brasileiros para que sejam definidas
as regras para o mercado de carbono. O governo brasileiro havia travado as
negociações porque queria que os créditos do Protocolo de Kyoto, que ficaram
acumulados, fossem reconhecidos no novo mercado de carbono:
— É mais ou menos assim, o Brasil queria
pagar boleto da Sky com URV. Mas agora eu acho que o governo brasileiro vai
abrir mão dessa posição e destravar a negociação. Está abrindo mão porque ele
seria atropelado. O país está no canto da sala. Isolado — diz Astrini.
O patético vídeo de Bolsonaro passou apenas
no pavilhão do Brasil. A imagem do país foi salva ontem no palco principal pela
jovem Txai Suruí que disse, em alto e bom inglês, para plateia qualificada, com
a presença do presidente Biden e da chanceler Merkel, que agora é a hora de
agir, e não em 2050.
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