Valor Econômico
A economia do bioma, única, nova e
sofisticada tem terroir e deve que ser apoiada pela conotação de distinção
Bioeconomia é um conceito em disputa. Não
se sabe quem cunhou a frase acima, que parece ser o único consenso entre os
setores que trafegam por esse caminho. São vários os estudos sobre o tema e
mais variados ainda os números do que representa (ou pode representar) esse
negócio - depende de quem o estima e se é algo novo ou economia velha.
O intenso debate sobre o que bioeconomia vem a ser é um cabo de guerra com muitos competidores. “Parece contrapor mais do mesmo, fantasiado de novo, com outras possibilidades, sobre as quais há pouca clareza”, escreveu Nurit Bensusan, especialista em biodiversidade do Instituto Socioambiental. “Quando se imagina que bioeconomia é apenas a economia dos recursos naturais, do pau-brasil à soja, predatória, insensível, colonial, não há novidade. Permanecemos no século XVIII”, dispara a bióloga.
Em 2018, Carlos Nobre definiu o que, na sua
visão, deveria ser essa frente na Amazônia: “Uma economia de floresta em pé e
rios fluindo”. O princípio orientador, defendeu o climatologista, “não é ver a
região como mera produtora de commodities primárias - agrícolas, madeireiras e
minerais -para indústrias em outros lugares, mas sim ter raízes profundas na
biodiversidade única da região amazônica como elemento fundamental. E trazer
benefícios à população local”.
Não é o entendimento do agronegócio, que
tem uma compreensão elástica do contexto. O setor se vê inserido (ou assim o
deseja) nesta moldura onde o prefixo “bio” carrega algo de contemporâneo e
relacionado à natureza. São galinhas e eucaliptos, em longa lista onde cabem a
agropecuária e a bioindústria, o abate de animais para produção de carne e o
refino de açúcar, a produção de papel e celulose e os biocombustíveis - e ainda
falta incorporar o valor dos estoques florestais (leia-se carbono) e dos
serviços ambientais.
Nas contas do Observatório de Conhecimento e
Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas, o conjunto de atividades
que representam a bioeconomia brasileira exportou mais de US$ 162 bilhões em
2022. No estudo “PIB da Bioeconomia”, da FGV, a rubrica compreende a produção
“a partir de recursos biológicos renováveis e a conversão desses recursos e
resíduos em produtos de valor agregado”. São alimentos e rações, produtos
biológicos e bioenergia. Por este entendimento, não há nada de novo no front, a
não ser o nome da coisa, alfinetam os críticos.
“Essa ambivalência no conceito é um desafio
internacional”, reconhece Daniel Vargas, pesquisador do Observatório de
Bioeconomia da FGV. Basta olhar em volta, descreve. Na Europa e também nos EUA,
bioeconomia está conectada à energia limpa e aos bioplásticos. Na China é o
mundo das inovações de engenharia genética em sementes, novas formas de
energia, cosméticos e medicamentos. Nos países nórdicos trata-se das grandes
florestas para papel e celulose. O problema é que nenhum deles tem em seu
território a maior floresta tropical do planeta.
É aí que se origina a controvérsia
principal, com inúmeras nuances. O sociólogo Ricardo Abramovay se debruçou
sobre o assunto há dois anos, quando preparava o relatório do Painel Científico
para a Amazônia, iniciativa que reúne mais de 200 cientistas. “Globalmente e
até na América Latina, não tinha florestas tropicais na literatura científica
de bioeconomia: eram plantios voltados à substituição de fósseis
(biocombustíveis e plástico por exemplo) mas nada que viesse de florestas
tropicais”, diz ele. De dois anos para cá ele observa algumas mudanças. “Mas
mais em função de crédito de carbono do que de produtos da sociobiodiversidade
florestal”.
No Brasil, o debate doméstico tem várias
trincheiras. A maioria dos cientistas da Amazônia, pesquisadores que estudam a
região, indígenas e ambientalistas discordam da visão do agronegócio e também
da ótica de países sem Amazônia. “Bioeconomia é aquilo que mantém a floresta em
pé. Se não mantém, não é”, diz Sergio Leitão, diretor-executivo do Instituto
Escolhas. “Precisamos de agricultura e de indústria, mas não de colocar tudo
debaixo do guarda-chuva da bioeconomia.”
Estudo do Escolhas no Pará e no Maranhão
mostra que a partir de atividades de recuperação de florestas consorciadas ao
plantio de legumes e verduras, ganha-se em escala na geração de emprego e
redução da pobreza - 56% no Pará e 30% no Maranhão. “É o que interessa no
conflito amazônico de hoje, renda e emprego para uma população que, se não
tiver essa oportunidade, irá segurar a motosserra e derrubar árvores.”
O economista Francisco de Assis Costa,
professor da Universidade Federal do Pará, lembra que na Amazônia há uma
bioeconomia ancestral que vem das tradições indígenas e atua também com a
economia camponesa e ribeirinha. “Desde o início é uma economia que lida com a
diversidade. Não tem o mesmo paradigma da bioeconomia da agricultura, que é
padronizadora”, compara.
Essa bioeconomia da floresta em pé existe,
precisa ser fortalecida, não tem que ser vista como algo a ser criado nem
pensada como uma economia de commodities de escala, argumenta. “A economia do
bioma tem dinâmica própria, é sofisticada, vem se modernizando”, diz. A
perspectiva, em sua visão, é que seja estrategicamente valorizada pela sua
especificidade. “É uma economia de terroir. É dar valor ao que é específico e
único. A economia de bioma, nova e sofisticada, tem que ser apoiada pela
conotação de distinção. Tem óleos finos. O açaí tem terroir, como o vinho
francês.”
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