O Globo
Aprovada
a Lei Eduardo Cunha, ficarão protegidas operações financeiras — qualquer “outro
serviço” — promovidas por “estreitos colaboradores” de “pessoas politicamente
expostas”.
A
Câmara votou pela Lei Eduardo Cunha — projeto de Dani Cunha, filha do
ex-presidente da Casa. O PL 2.720/23 pretende tipificar — ainda a depender do
Senado — os crimes de discriminação contra pessoas politicamente expostas. Por
exemplo: Dani e todos os demais detentores de mandatos eletivos no Legislativo
da União. (A lista de corporações beneficiadas é longa.)
Também
seriam privilegiados pela cobertura do troço — com efeito que perduraria por
cinco anos a partir da data em que se deixou a condição especial — os
familiares (papai), os estreitos colaboradores e as pessoas jurídicas de que
participe o indivíduo politicamente exposto.
Atenção aos “estreitos colaboradores”.
O
texto explica o que sejam: “Pessoas naturais que são conhecidas por terem
sociedade ou propriedade conjunta em pessoas jurídicas de direito privado ou em
arranjos sem personalidade jurídica, que figurem como mandatárias, ainda que
por instrumento particular, ou possuam qualquer outro tipo de estreita relação
de conhecimento público com uma pessoa politicamente exposta; pessoas naturais
que têm o controle de pessoas jurídicas de direito privado ou em arranjos sem
personalidade jurídica, conhecidos por terem sido criados para o benefício de
uma pessoa exposta politicamente”.
Guarde
a figura do “estreito colaborador”. É isso mesmo que você entendeu. Um queiroz.
Voltaremos ao tipo. Sua definição foi mantida no substitutivo aprovado em
plenário, do relator Claudio Cajado, homem de confiança de Arthur Lira; que
suprimiu, entre outros, o artigo 4º — aquele que previa punição (reclusão de
dois a quatro anos e multa) por: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou
decoro, somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que
figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão
de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor”.
Repita-se,
porque houve muita desinformação a respeito: Cajado cortou esse item do
relatório. Não pode passar sem alarme, porém, que parlamentar tenha se sentido
à vontade para formular lei de índole censora com o objetivo de intimidar o
livre exercício da crítica. Isso enquanto — o espírito do tempo — ministro do
Supremo permite “o afastamento excepcional de garantias individuais” e
determina censura prévia contra youtuber.
Ou
haverá outro nome para o que impôs Alexandre de Moraes ao baixar por
“necessária, adequada e urgente a interrupção de eventual propagação dos
discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da
normalidade institucional e democrática”?
Juiz
de Corte constitucional obrigando a interrupção “de eventual propagação” —
interrompido desde já aquilo que não ocorreu. Em nome da normalidade
institucional e democrática. A ele, Moraes, cabendo definir o que seja discurso
de ódio e subversivo. (Quem, aliás, estabeleceria, se prosperando o artigo 4º
de Dani, o escopo de ofensa a deputado — ou a ministro do STF — somente por sua
condição de politicamente exposto?)
O
que pensará Cármen Lúcia, a juíza do “cala a boca já morreu”, ante o fato de continuar
valendo a licença excepcionalíssima que deu — por proibir, no curso do processo
eleitoral de 2022, a exibição de um filme até o fim do segundo turno? Licença
para que o tribunal agisse — só um pouquinho, rapidinho — à margem da
Constituição.
De
volta ao “estreito colaborador”. Cajado o manteve; como manteve todo o conjunto
original destinado a proteger — atenção ao “outro serviço” — os “politicamente
expostos” contra discriminações de natureza bancário-financeira.
Pena
de dois a quatro anos de reclusão, mais multa, a quem “negar a celebração ou a
manutenção de contrato de abertura de conta-corrente, concessão de crédito ou
de outro serviço a qualquer pessoa física ou jurídica, regularmente inscrita na
Receita Federal do Brasil, em razão da condição de pessoa politicamente exposta
ou de pessoa que esteja respondendo a investigação preliminar, termo
circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de
infração penal, civil ou administrativa, ou de pessoa que figure na posição de
parte ré de processo judicial em curso”.
É
isso mesmo que você entendeu. Que, aprovado o PL, ficarão protegidas operações
financeiras — qualquer “outro serviço” — promovidas por “estreitos
colaboradores” de “pessoas politicamente expostas”.
Toda
essa aberração inconstitucional — a prioridade de votar contra a discriminação
ao laranjal — decidida no colégio de líderes pervertido, instância que, como
num conclave, e então a fumaça branca dos elmares, de repente substituiu o
debate em comissões, progressivamente esvaziadas, de súbito a urgência forçada,
aterrada a dinâmica da atividade parlamentar; o parecer chegando ao plenário da
Câmara com a votação já iniciada. Mais uma vez.
O rito sumário Lira aprovando a Lei Cunha. O espírito do tempo.
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