quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil é de novo reprovado em teste global de ensino

O Globo

Resultado frustrante do Pisa traduz dificuldade crônica de o país educar as crianças, maior desafio para o futuro

Mais uma vez foram frustrantes os resultados dos alunos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Chama a atenção quantos jovens não conseguem fazer o básico. Em matemática, a maioria (73%) não alcançou o patamar mínimo de aprendizagem esperado para a idade. Não sabem resolver questões simples, como comparar a distância entre duas rotas alternativas ou converter preços em moedas diferentes. Em ciências, mais da metade (55%) ficou abaixo do mínimo. Em leitura, 50%. Os números brasileiros permanecem distantes da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): 31% em matemática, 26% em leitura e 24% em ciências.

É verdade que, apesar do fechamento prolongado das escolas durante a pandemia, o desempenho dos alunos brasileiros caiu menos que a média dos demais países em relação à edição de 2018. Mas os resultados continuam medíocres. Revelam a dificuldade extrema que o país tem de enfrentar seu maior desafio para o futuro.

Na lista de 81 países do Pisa, o Brasil ficou entre os 20 piores do mundo em matemática e ciências e entre os 30 piores em leitura. Ocupa o 65º lugar em matemática, o 62º em ciências e o 52º em leitura. As notas do ano passado foram ligeiramente inferiores às de 2018, demonstrando que o país permanece estagnado na parte inferior do ranking.

Os números mostram de forma incontestável que, a despeito de avanços pontuais aqui e ali, diferentes governos, com diferentes políticas educacionais, não têm dado conta do problema. O desempenho dos estudantes nas provas realizadas nas gestões Fernando Henrique Cardoso (2000), Luiz Inácio Lula da Silva (2003, 2006 e 2009), Dilma Rousseff (2015), Michel Temer (2018) e Jair Bolsonaro (2022) não registrou alterações significativas.

Não se pode alegar — como muitos fazem — que faltem recursos à educação. Como proporção do PIB, o gasto brasileiro, incluindo os três níveis de governo, fica em torno de 5,4%, comparável ao da França (5,5%) e superior à média da OCDE (5,1%). O orçamento do MEC é um dos maiores entre todas as pastas. O problema não está aí.

Bons exemplos também não faltam. A partir das boas práticas de Sobral, o Ceará conseguiu desenvolver um ensino de excelência, que se reflete nos resultados no Ideb. O modelo tem a ver menos com volume de recursos e mais com estratégias acertadas: investimento na formação de professores, aumento da carga horária, maior diálogo com os municípios, estímulo às prefeituras que apresentam melhores resultados e, sobretudo, continuidade das políticas públicas por diferentes governos. Foi o êxito cearense que catapultou o ex-governador Camilo Santana ao Ministério da Educação, onde se espera que aplique o modelo em todo o país.

Por maiores que sejam as disparidades entre as diversas regiões brasileiras, a agenda para a educação é conhecida. Mas sua implementação continua a enfrentar resistências de toda sorte, como revela a situação da reforma do ensino médio, aprovada em 2017, mas que ainda patina. Apesar de ao longo das últimas décadas terem sido registrados progressos no ensino, precisamos andar mais rápido. Só assim o Brasil conseguirá entrar num rumo de crescimento e desenvolvimento sustentado.

Desaceleração do PIB traz riscos ao modelo de crescimento do governo Lula

O Globo

Economia trouxe surpresa positiva neste ano, mas a expectativa para 2024 é menos otimista

A economia brasileira fechará 2023 com um resultado acima do esperado. Em janeiro, economistas e analistas consultados pelo Banco Central (BC) previam crescimento de 0,78% para este ano. Hoje é consenso que será próximo de 3%. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre divulgado ontem pelo IBGE — uma tímida alta de 0,1% ante o anterior — não muda as projeções. De janeiro a setembro, a economia acumulou alta de 3,2% na comparação com o mesmo período do ano passado. Ela veio acompanhada de queda no desemprego e aumento da renda.

O crescimento deste ano esteve concentrado no primeiro semestre. De janeiro a março, a economia deu um salto de 4,2% na comparação com o mesmo período de 2022, sobretudo devido à agropecuária. Com safra recorde, o setor cresceu 22,9%. No segundo trimestre, o ímpeto arrefeceu, mesmo assim o PIB cresceu 3,5%, puxado ainda pela agropecuária, pela retomada do setor de serviços e também pelo consumo das famílias. No terceiro trimestre, o crescimento caiu para 2% em relação ao ano passado. A alta acumulada em 12 meses é de 3,1%.

As características desse crescimento sugerem que o vigor de 2023 não será mantido em 2024. A projeção para o ano que vem é desaceleração. A sondagem do BC estima alta de 1,5% no PIB. Os motivos são basicamente três.

Primeiro, o empurrão que o agronegócio deu nos números deste ano não deverá se repetir. Em novembro, o IBGE divulgou prognóstico para a próxima safra. A colheita de cereais, leguminosas e oleaginosas deverá ser de 308,5 milhões de toneladas, 2,8% abaixo de 2023.

Segundo, apesar de os juros terem começado a cair, continuam altos, portanto o relaxamento da política monetária dificilmente será uma alavanca para o crescimento. Terceiro, o cenário externo segue incerto. Sem nenhum sinal de aumento da demanda chinesa, as exportações também tendem a ser frustrantes.

O ano que vem representa um teste para o modelo de crescimento praticado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Dependente da expansão do consumo, ele ainda se mostra incapaz de aumentar o investimento, que caiu 2,5% no trimestre. A incerteza sobre o êxito da política econômica leva as empresas a adotar uma posição defensiva, adiando seus planos de expansão.

Ao mesmo tempo, com a economia rodando em velocidade mais lenta, para Lula é grande a tentação de recorrer a mais gastos públicos na tentativa de cacifar o PT nas eleições municipais. Em governos petistas anteriores, o uso do Estado como indutor do crescimento fracassou. A recessão provocada pelo governo Dilma Rousseff deveria servir de aprendizado. Não existe atalho para promover o crescimento que passe ao largo do equilíbrio fiscal e das reformas do Estado.

Economia muda de ritmo e começa a desacelerar

Valor Econômico

As atividades econômicas devem esfriar aos poucos a partir de agora, sem temores de recessão

A economia brasileira trocou de passo no terceiro trimestre e praticamente não cresceu em relação aos três meses anteriores (0,1%). Não se espera avanço significativo no último trimestre do ano - ao contrário, o PIB pode ser levemente negativo -, e o crescimento na casa de 3%, mantido nos últimos dois anos, ficará para trás. O ritmo de 2024 em diante pode repetir o avanço de 1% a 2% dos anos anteriores à pandemia, mais perto da capacidade potencial de expansão. Os motivos estão estampados nos números do PIB do terceiro trimestre, divulgados ontem. O consumo continua em boa forma e até cresceu na comparação trimestral. Os investimentos estão em declínio, em nível 19,4% inferior a seu pico do segundo trimestre de 2013.

O consumo das famílias, que impulsiona quase dois terços do PIB (63%), mostra dinamismo por uma soma de fatores favoráveis. A expansão dos programas de auxílio à renda, ampliados no início do governo Lula, ainda é fator de estímulo, embora deva perder intensidade. O aumento real do salário mínimo elevou a renda, e ambos foram potencializados por uma queda significativa da inflação. De junho de 2022 a junho deste ano, o IPCA caiu de 12% para 3%, aumentando o poder de compra dos assalariados. O passo acelerado da economia no primeiro semestre reduziu a taxa de desemprego a seu menor nível desde 2014, 7,6% no trimestre findo em outubro, e os salários voltaram a ter ganhos reais, embora comedidos. Além disso, o saldo de crédito cresceu 10% em doze meses.

O aumento do consumo das famílias se refletiu no setor de serviços, que se expandiu 0,6% no terceiro trimestre em relação ao segundo, ao mesmo ritmo da indústria. O desempenho da indústria, porém, tem sido muito mais modesto e irregular. As indústrias extrativas e de transformação praticamente não avançaram no terceiro trimestre (0,1% para ambas). A construção civil, que tem peso na formação bruta de capital fixo (a medida de investimentos), teve queda acentuada de 3,8%. No ano até agora, a indústria de transformação recuou 1,6% em relação ao mesmo período do ano passado.

A economia cresceu 3,2% até o terceiro trimestre, em relação a 2022, em boa parte pela agricultura, que teve expansão de 18,1%, e pela indústria extrativa (7,9%). Na ponta, do terceiro trimestre contra o segundo, predomina a expansão das atividades de serviços, quase todas com crescimento acima do PIB. O impulso maior veio das atividades financeiras e de seguros, seguidas pelas imobiliárias, informação e comunicação, outras atividades de serviços e comércio, ambas mais diretamente ligadas à evolução da renda.

O PIB não foi negativo como previu a maioria dos economistas porque o setor externo teve forte desempenho, com grande avanço das exportações e pequeno das importações. O setor externo acrescentou 0,89 ponto percentual ao PIB, segundo estima Alberto Ramos, economista e diretor de pesquisas para a América Latina do Goldman Sachs.

Chama a atenção a queda da poupança, de 16,3% do PIB para 15,7% de um trimestre para o outro, que não se traduziu na taxa de investimento, que caiu mais ainda, de 18,3% do PIB para 16,6%. Isso reflete o aumento dos déficits fiscais do governo, resultado de gastos correntes crescentes e dos juros muito altos, que deprimem os investimentos de maneira geral.

A economia demorou a desacelerar e a inflação a cair, apesar de juros cavalares, efeitos combinados de política monetária restritiva com política fiscal expansionista. Como ambas se comportarão definirá o crescimento a médio prazo. Há dúvidas de que o governo mantenha a meta de déficit zero para 2024 após a primeira revisão de gastos, em março, e se prevalecerá seu entendimento de que o contingenciamento de despesas não poderá crescer além de R$ 23 bilhões para preservar o avanço mínimo de gastos de 0,6%. Nada impede o governo de fazer as duas coisas, aceitar déficits e represar menos as despesas, voltando atrás nas promessas do novo regime antes de ele ser executado. Os sinais são de que há baixa disposição de executar uma política fiscal austera, que não se choque com o trabalho do BC de levar a inflação à meta.

Do rumo da política fiscal depende a continuidade da queda dos juros, de seu ritmo e da magnitude da taxa no ponto de chegada. A redução de 1,5 ponto percentual feita a partir de junho ainda não chegou à economia, que continuará sentindo por dois trimestres as consequências do aperto monetário realizado. Diante de nova desancoragem da inflação, o BC pode reduzir o ritmo de cortes ou interrompê-los. A precificação dos mercados de que a taxa terminal do ciclo estará ao redor de 10% para uma inflação de 3,5% - juros reais acima de 6% - indica pessimismo quanto ao rumo do déficit público. As atividades econômicas devem esfriar aos poucos a partir de agora, sem temores de recessão. O cenário externo tende a desanuviar gradualmente. Com juros menores e sério controle dos gastos públicos, a economia pode encontrar um novo ponto de equilíbrio com crescimento superior ao dos medíocres anos pré-pandemia.

A parada do PIB

Folha de S. Paulo

Com estagnação no 3º tri; retomada depende de confiança na política econômica

O desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre e os sinais preliminares deste final de ano confirmam que é provável um crescimento em torno de 3% em 2023. Se não chega a ser brilhante, o resultado mostra um biênio bem acima das expectativas após a recuperação das perdas da pandemia.

Até aqui, a boa surpresa do ano se deve basicamente ao primeiro semestre. No terceiro, houve desaquecimento considerável, embora esperado. Depois dos avanços de 1,4% entre janeiro e março e de 1% entre abril e junho, o Produto Interno Bruto ficou praticamente estagnado nos três meses seguintes, com oscilação de 0,1%.

Já ficou para trás boa parte do impacto do excepcional desempenho da agropecuária, que também deu grande impulso aos serviços, como o de transporte.

Ainda assim, o consumo das famílias mostra vigor. Um percentual surpreendente de pessoas ocupadas, algum aumento de rendimento real, auxiliado também pela queda da inflação, e a oferta de crédito para pessoas físicas sustentaram as compras.

Continuaram a fazer efeitos, ademais, o grande aumento da despesa com Bolsa Família, aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais. A expansão desses programas em 2024 será muito menor.

As exportações de commodities, em particular de petróleo e grãos, além de seus efeitos secundários na economia explicam o restante do resultado do terceiro trimestre. Prevê-se que a produção dos artigos primários se mantenha em níveis altos, mas não deve haver crescimento significativo em 2024.

O aspecto negativo e muito preocupante do PIB foi a quarta queda seguida dos aportes em construções, equipamentos, máquinas e softwares; a taxa de investimento se aproxima dos piores níveis do século, em 16,6% do produto.

As altas taxas de juros devem explicar em parte o mau resultado; a baixa da Selic não tem sido suficiente para reduzir de modo significativo o custo de capital, impactado pela política monetária dos EUA e pela piora fiscal do Brasil. O quanto há de incerteza no motivo da retranca dos empreendedores é a questão em aberto.

Nas últimas semanas, tem havido um desafogo nas condições financeiras, em particular nos juros domésticos e externos.

É razoável esperar certa melhora do crédito bancário e mais ânimo no mercado de capitais, que vinha se recuperando nesta segunda metade do ano. Menos provável é uma melhora expressiva, se alguma, no mercado de trabalho.

Mesmo no curto prazo, portanto, o crescimento depende da retomada do investimento, que requer também mais previsibilidade na política econômica.

Estabilidade vexatória

Folha de S. Paulo

Ante 2018, notas do Brasil no Pisa caem pouco, mas continuam muito baixas

A edição de 2022 do Pisa comprova que a pandemia de Covid-19 causou impacto na educação mundial.

O teste, que avaliou o aprendizado de 690 mil estudantes de 15 anos em 81 países e regiões, mostrou que a nota média dos membros da OCDE, que reúne nações mais desenvolvidas, caiu acentuadamente em 2 das 3 disciplinas avaliadas, ante a prova de 2018 —15 pontos em matemática e 10 em leitura, mas somente 2 em ciências.

O Brasil, um dos países que passaram mais tempo com escolas fechadas, teve quedas pouco relevante (5, 3 e 1, respectivamente.

Contudo não há motivo para celebração. O que se apresenta é uma consistência no mau desempenho. As notas médias dos brasileiros nas disciplinas (379, 410 e 403) não chegam perto das da OCDE (472, 476, 485). O fracasso fica ainda mais patente quando são comparados os resultados por faixa de renda.

A média em matemática dos alunos mais ricos da OCDE foi de 525, ante 425 dos brasileiros no mesmo estrato; já os mais pobres da entidade obtiveram 431, enquanto os nossos marcaram 348. Ou seja, os abonados daqui nem sequer alcançam o desempenho daqueles mais carentes em países desenvolvidos.

Para piorar, 73% dos brasileiros ficaram abaixo do nível mínimo de proficiência esperado em matemática e 50% em leitura, ante 31% e 26% da OCDE. Isso significa que nossos alunos não conseguem usar conceitos básicos ara resolver problemas numéricos do cotidiano ou interpretar textos simples.

Em matemática, passamos da 71ª colocação em 2018 para a 65ª, mas ainda somos superados por latino-americanos como Peru, Colômbia, Chile, Uruguai e Costa Rica.

O aporte de recursos públicos em educação em relação aos serviços totais do Estado no Brasil é alto, de 11%, um pouco acima do medido na OCDE (10%). No entanto gasta-se muito por aluno no ensino superior (US$ 14.735, similar aos US$ 14.839 da OCDE) e pouco na educação básica (US$ 3.583, ante US$ 10.949 na OCDE).

O que as nações com melhores resultados no Pisa mostram é a importância de investir na formação e qualificação de professores, principalmente em áreas sensíveis como a matemática, e na educação na primeira infância.

Com a transformação demográfica e o envelhecimento da população, a necessidade de mais recursos públicos para o ensino tende a cair. O mais importante se torna mirar gestão e qualidade.

Marco atemporal da insensatez

O Estado de S. Paulo

Em vez de trabalhar pela pacificação em meio à tensão gerada pelo imbróglio do marco temporal para demarcação de terras indígenas, Lula prefere agredir o Congresso e atiçar a militância

No já tenso debate que envolve o direito à propriedade de produtores agrícolas e a demarcação de terras indígenas, terreno no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) legisla e o Congresso confronta, só faltava mesmo um piromaníaco. Agora não falta mais. Num de seus ruidosos encontros realizados na COP-28, ao ser cobrado por representantes da sociedade civil por suas promessas de campanha acerca da defesa dos povos indígenas, o presidente Lula da Silva saiu-se com esta, ao falar do seu veto a trechos do projeto de lei que fixa um marco temporal para demarcação das terras indígenas, veto este que pode ser derrubado pelo Congresso: “A gente tem que se preparar para entender que ou construímos uma força democrática capaz de ganhar o Poder Legislativo, o Poder Executivo, e fazer a transformação que vocês querem, ou vamos ver acontecer o que aconteceu com o marco temporal. Querer que uma raposa tome conta do nosso galinheiro é acreditar demais”.

Congressistas reagiram, como seria de esperar. A reação mais incisiva coube à Frente Parlamentar do Agro, ao divulgar nota na qual argumenta que as falas de Lula “criminalizam” o Legislativo e amplia ainda mais o clima de animosidade e confronto – no campo, na política e no debate jurídico. Não se tratou, contudo, de uma reação limitada ao agronegócio. Para alguns parlamentares, foi a demonstração de um “viés autoritário” do presidente. Para outros, uma tentativa de “criminalização” da produção rural. Para muitos, inclusive para este jornal, uma fala desrespeitosa sob qualquer ótica. Independentemente de qual lado se está nesta história, nada mais inconveniente do que um presidente disposto a jogar gasolina no fogo em vez de trabalhar para extingui-lo.

Como se sabe, a discussão do marco temporal tornou-se o epicentro de um grande conflito entre Legislativo e Judiciário. Se acolhida a tese que está na Constituição e no entendimento do próprio Supremo, manifestado em julgamento realizado em 2009, povos indígenas só poderiam reivindicar a demarcação de terras que ocupavam no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Carta Magna. Em setembro último, porém, o STF reviu a própria jurisprudência e rejeitou a tese. Uma semana depois, o Senado se apressou a votar um projeto de lei, que já havia sido aprovado na Câmara, que explicita o marco temporal. Com o conflito instalado, em outubro o presidente Lula preservou 11 dos 13 dispositivos do projeto de lei, mas vetou o coração do texto, justamente aquele que estabelece 1988 como referência para o direito à terra pelas comunidades indígenas. Agora uma parte considerável do Congresso trabalha para derrubar o veto – e, pela sua declaração, Lula sabe que são grandes as chances de isso ocorrer.

O enredo está longe de chegar ao fim, sobretudo se depender do presidente. O que chama a atenção, neste novo capítulo, é o aparente esforço de Lula para ampliar o confronto. Numa só tacada, mira quatro diferentes alvos. Primeiro: tenta esquivar-se da cobrança que recebeu de representantes da sociedade civil, amuados pelo que consideram descumprimento de suas promessas e lentidão no trato de demarcações de terras indígenas. Em situações assim, sabemos, a raposa presidencial costuma buscar os culpados de sempre – isto é, as “elites”. Segundo: reafirma a lógica binária que costuma dividir o mundo em dois lados – um bom e um mau. Terceira: desabona o Congresso, em cujas mãos o governo se encontra em pautas relevantes. Quarta: volta a usar fóruns públicos internacionais para confrontar grupos de interesse legítimos do seu país e criminalizar o agronegócio.

Na terra arrasada desse conflito, o agronegócio pode ter ainda muito a avançar em práticas sustentáveis, mas o debate sobre o marco temporal inspirou polarizações repletas de excessos por todos os lados. Se o STF tomou uma decisão contra si mesmo e o Congresso de fato o confrontou indevidamente, o presidente Lula – preocupado, como sempre, consigo mesmo – oferece sua inspiradora contribuição para inflamar o debate. Há quem enxergue em Lula um craque no difícil jogo da negociação política. No marco atemporal da insensatez, o episódio da raposa petista só revela, no máximo, o quanto ele mal disfarça a sua incapacidade de cuidar do próprio galinheiro.

A farra da educação a distância

O Estado de S. Paulo

A portaria publicada pelo MEC suspendendo autorização para novos cursos na chamada EAD é um freio bem-vindo ao crescimento sem controle da modalidade dos últimos anos

Finalmente um passo concreto foi dado pelo Ministério da Educação (MEC) para acabar com a farra da educação a distância (EAD) no Brasil, ao publicar portaria que suspende os processos de autorização de novos cursos superiores e credenciamentos de universidades para essa modalidade – incluindo cursos como Direito, Medicina e todas as licenciaturas. A farra, neste caso, não é mera força de expressão: há algo de muito estranho no ensino superior quando se constata que o número de graduações não presenciais no País aumentou 700% em dez anos, conforme mostrou recentemente o Estadão. A expansão dessa modalidade, como acertadamente disse o ministro Camilo Santana, é alarmante e desafiadora. Agora o MEC tenta pôr um freio de arrumação.

O ritmo de criação de novos cursos na chamada EAD tem crescido desde o ano 2000, mas se tornou especialmente veloz a partir de 2018, graças a um decreto editado no ano anterior pelo então presidente Michel Temer. A norma flexibilizou a abertura de polos de educação a distância, com uma premissa inicial razoavelmente bem-intencionada: há especialistas que enxergam na modalidade uma opção para alunos mais vulneráveis. A ampliação do seu acesso era, e ainda pode ser, um resultado educacional a ser comemorado e aplaudido. Mas, como dizia São Bernardo de Claraval, de boas intenções o inferno está cheio: a medida não só permitiu que de lá para cá houvesse um crescimento de quase 200% na oferta de cursos nessa modalidade, como abriu a porteira para cursos e iniciativas de qualidade duvidosa.

Embora não afete graduações que já estejam em funcionamento, a suspensão permitirá uma cuidadosa revisão dos processos de criação de cursos e da própria regulamentação da modalidade. Há nuances envolvidas. Se de um lado é preciso preservar os diques de contenção para evitar a abertura generalizada, sem critério e de baixa qualidade, por outro lado convém reconhecer que a educação a distância facilita a vida de estudantes e trabalhadores. Identificar qual boa formação profissional pode se dar nessa modalidade e qual se mostra incompatível com o ensino não presencial parece ser uma condição fundamental para respeitar limites e oportunidades. Difícil imaginar que bons médicos e bons advogados, para citar algumas das carreiras mais procuradas no País, possam ser formados com aulas 100% virtuais, precarizadas e assíncronas, sem interação.

O problema, contudo, não para aí. O crescimento da EAD tem se mostrado especialmente inquietante nas licenciaturas. Há pouco menos de um mês, um conjunto de entidades questionou, em carta aberta ao MEC, a qualidade da formação inicial de professores e chamou a atenção justamente para a oferta de cursos inadequados. O ensino a distância é um dos grandes vilões da inadequação e da desvalorização da profissão docente, além da baixa qualidade de muitos cursos em qualquer modalidade (presencial ou não), segundo a carta assinada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Conselho Municipal de Secretários de Educação das Capitais (Consec), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Frente Parlamentar Mista da Educação, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Academia Brasileira de Ciências, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Todos Pela Educação.

Os números, nesse caso, são ainda mais eloquentes do que a média geral do ensino superior. Em 2022, segundo levantamento do Todos Pela Educação, 65% dos alunos que concluíram os cursos de formação inicial docente o fizeram na EAD, quando a média dos demais cursos foi de 31%. Em 2010, esse índice era de 35%. Um assombro para uma formação que requer tempo, discussões aprofundadas sobre a docência, vivência nas escolas, desenvolvimento de habilidades relacionais, simulações de situações reais a serem vividas pelos futuros professores e articulação entre teoria e prática. Pouco ou nada disso é permitido pelos cursos a distância.

A conclusão é inevitável: o que deveria ser exceção e complementar como estratégia de formação se tornou a regra.

O desacordo Mercosul-UE

O Estado de S. Paulo

Relutâncias protecionistas e clientelistas, em prejuízo do interesse comum, são indisfarçáveis

A diplomacia até tentou, mas a recusa do governo peronista da Argentina de assumir compromissos e a desistência de uma comissão europeia de participar de um encontro no Rio de Janeiro nesta semana, às vésperas da cúpula do Mercosul, mostram um esfriamento na disposição dos governantes de fechar o acordo birregional. Lideranças de ambos os lados tentam responsabilizar uns aos outros pelo malogro, acusando má vontade. E ambos estão certos: há má vontade de ambos os lados.

Os pontos mais contenciosos são a pretensão dos sul-americanos de manter prerrogativas em relação a compras governamentais e a dos europeus de estabelecer exigências ambientais. Nada insuperável, se houvesse vontade política.

O acordo já previa exceções em relação às compras governamentais e prazos graduais de adaptação. O anexo sobre sustentabilidade apresentado pelos europeus é um detalhamento de regras já aprovadas, mas não prevê, como se temia, sanções a descumprimentos de metas ambientais.

Até o ano passado, governos europeus refratários ao acordo tinham um formidável pretexto para barrálo: o antiambientalismo de Jair Bolsonaro. Sem essa carta, o presidente francês, Emmanuel Macron, foi obrigado a abrir mão da hipocrisia e admitir que é contra o acordo, porque não sabe como explicá-lo “a um agricultor, um produtor de aço, a um fabricante de cimento”. O que ele não sabe é como justificar a sua recusa sem admitir sua motivação: protecionismo.

Lula aproveitou a deixa para terceirizar responsabilidades e ainda jogar para sua galera apelando à vitimização terceiro-mundista: “Os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais. E nós não somos mais colonizados”. Na verdade, os europeus já fizeram concessões em relação às compras governamentais. Outras poderiam ser negociadas em instrumentos anexos, sem reabrir o acordo. Mas Lula tem seus próprios interesses, não necessariamente condizentes com o interesse nacional.

Em entrevista ao Valor, seu chanceler paralelo, Celso Amorim, minimizou a relevância do acordo: “Aqueles poucos setores que vão ter alguma vantagem acham que tem que ter o acordo”. Mas não são poucos setores. Para o agro, as vantagens são evidentes. Mas também a indústria é favorável. Em artigo no Estadão, o presidente da Confederação Nacional da Indústria asseverou, já no título, que o acordo “é crucial para a reindustrialização”.

Se o acordo ficou quase 20 anos na geladeira, foi em parte por má vontade das administrações do PT. Quando Lula alega proteger a indústria contrariando a própria indústria, fica claro que o interesse é outro: proteger políticas corporativistas e clientelistas.

O acordo dificilmente será fechado neste ano, e as eleições europeias no ano que vem trazem mais dificuldades. Mas isso não significa que ele esteja “enterrado”, como alegam alas “desenvolvimentistas” do governo, sem disfarçar sua torcida. Os europeus estão divididos. Potências como a Alemanha são favoráveis. No Brasil, os setores produtivos precisam se fazer ouvir.

Uma pausa necessária

Correio Braziliense

Dados da Internaciotional Stress Management Association (ISMA-BR) mostraram que 72% da população brasileira sofre alguma sequela decorrente do estresse

Férias coletivas, recesso escolar e confraternizações. Dezembro chegou e, com ele, uma confusão entre contas a pagar, crianças em casa, planos de viagem, ida às compras e esgotamento. Tudo ao mesmo tempo agora.

Mas é também um período em que muitas pessoas dedicam alguns dias para o repouso e o descanso — e isso é fundamental para a saúde mental. O período de férias simboliza uma pausa necessária não apenas para aliviar a fadiga física em algumas profissões, como também o estresse e o cansaço emocional.

Dados da Internaciotional Stress Management Association (ISMA-BR) mostraram que 72% da população brasileira sofre alguma sequela decorrente do estresse, sendo que 32% têm a síndrome de Burnout, doença ocupacional que apresenta sintomas físicos e emocionais e é considerada um tipo de estafa profissional, que tem se tornado cada vez mais comum, principalmente no universo corporativo.

Essa condição também pode ser agravada pelas intensas jornadas de trabalho no ambiente doméstico. Cada vez mais pessoas têm apresentado graves sintomas de ansiedade e depressão ocasionados pela sobrecarga de tarefas e pelo acúmulo de funções dentro e fora do trabalho, o que tem levado muitos profissionais à completa exaustão mental e física.

É importante observar que existem profissionais que apresentam uma certa dificuldade em destinar alguns dias ao descanso. A sensação de culpa e o pensamentos de estar "perdendo tempo" durante o descanso existe e é comum. Levar as preocupações do trabalho para casa, trabalhar aos fins de semana ou não conseguir desligar-se de suas funções por um longo período de tempo podem causar um desequilíbrio no bem-estar, levando ao esgotamento emocional e, consequentemente, abrindo espaço para doenças ocupacionais.

Tirar férias é uma questão de necessidade. Esse é o período que o corpo e a mente precisam para relaxar e recuperar as energias. Descansar é uma ação fundamental para reequilibrar o bem-estar profissional e pessoal de cada indivíduo.

Alguns passos podem ajudar, como limitar a comunicação com o escritório durante as férias caso seja impossível desconectar totalmente. Procure separar apenas uma hora específica por dia para verificar e-mails ou fazer ligações e, fora desse período, desconectar-se.

Outra dica importante é ter cuidado com o excesso de telas. Restringir o tempo em que utiliza o celular e evitar passar muito tempo nas redes sociais, mesmo que com o intuito de se divertir. Deixar o cérebro relaxar do excesso de estímulo que as telas causam diariamente.

Fato é que desacelerar a mente e entrar no "modo férias" não é tão simples assim. Mesmo porque, depois de dezembro, temos janeiro e, com ele, novas contas batem à porta. É o caso do IPVA, do IPTU, e, para milhares de famílias, é também o período de compras do uniforme escolar, do material didático para os filhos, da rematrícula, e por aí vai. É quando o brasileiro tenta fazer mágica, trabalhando à noite para pagar o pão do dia seguinte. E a vida segue. 

 

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