Folha de S. Paulo
Últimos sete anos têm deixado os democratas
com o coração na mão
Quando a extrema direita começou a ganhar
eleições importantes, em 2016, todos ficamos impressionados. Afinal, havia
muito tempo que não se via coisa assim em países de democracias consolidadas.
Muitos dos que estudamos política e
democracia tínhamos aquela convicção de que a Europa e a América tivessem
aprendido a sua amarga lição, no século 20, sobre o que acontece quando
extremistas tomam o poder, pelo voto ou pela força.
Com esse aprendizado, o que esperar do século 21 a não ser mais e melhores democracias? E, de fato, nunca tivemos tantos países democráticos no mundo quanto no início do século. Além disso, consolidada a democracia política, por que não focar em "democracia social", ou seja, em mais igualdade e justiça sociais? E por que não encontrar soluções democráticas para os grandes problemas mundiais, como crise climática, migrações, desigualdades regionais, minorias?
Em vez disso, os últimos sete anos têm
deixado os democratas com o coração na mão. Como um cavalo arisco, o século 21
refugou, recusou-se a seguir adiante, por volta de 2016. Radicalismos
prosperam, o ressentimento é parte fundamental da nova retórica política, a
intolerância voltou à moda, o populismo ao redor de líderes carismáticos se
espalhou, o obscurantismo e o dogmatismo conquistaram os jovens.
A este ponto nem sei se a questão é
simplesmente o avanço da extrema direita, como parecia tão nítido com as
vitórias de Trump e de Bolsonaro. Há outros estranhos extremos prosperando,
social ou eleitoralmente, é só prestar atenção. Milei é
e não é da extrema direita, na sua nebulosa de pautas, mas até o seu discurso
da vitória apostava em ser estranho e extremo. Hoje não se sabe.
Do outro lado, os identitários
latino-americanos, do Brasil ou do Chile, por exemplo, não têm tirado o pé do
acelerador, atropelando o que quer lhes atravesse o caminho, acumulando
radicalização e antipatia social e, assim, alimentando o refluxo que trará de
volta o outro extremo.
Na Europa, por sua vez, uns tipos radicais
continuam prosperando em toda a parte. A vitória da extrema islamofobia do
Partido para a Liberdade de Geert
Wilders, nos Países Baixos, na semana passada, é só mais uma ocorrência do
mesmo fenômeno. Diferentes modulações do mesmo sintoma.
Todos partem de um problema social
reconhecido e sentido pela população. As crises econômicas, o problema da
corrupção, o ressentimento social e a erosão da confiança nas instituições da
política forneceram o material bruto para que mãos habilidosas construíssem uma
história trágica, um antagonista malvado e perigoso e um protagonista radical.
As desigualdades e as opressões orientam outras narrativas e soluções baseadas
em raiva e pressa.
Na Europa, não se pode negar que o volume de
migrantes, a sensação de que o fluxo de novos estrangeiros chegando não irá
cessar e as enormes diferenças culturais entre os de fora e os nativos são uma
questão social importante. É um desafio e tanto, para o qual a solução que tem
vencido ou impactado eleições, seguidamente, tem sido radical.
Desde o referendo do brexit, onde foi
argumento eleitoral decisivo, passando-se por algumas eleições italianas, até o
mais recente extremo extravagante, Geert Wilders, a solução vencedora tem sido
xenofobia, anti-islamismo, "não os queremos aqui" e "que voltem
para as suas casas".
A retórica pode ser mais polida ou mais crua
e feroz —como com Salvini, Meloni ou
Wilders—, mas o repertório de soluções envolve a coragem de dar voz ao
preconceito que séculos de Iluminismo haviam cuidado de reprimir e envergonhar.
No entanto, o caminho que leva de um problema
social a uma vitória eleitoral passa pela comunicação política. E nisso os
extremos, principalmente os iliberais, têm se revelado muito bons. Dois padrões
de retórica, usados em paralelo, costumam entregar bons frutos.
De um lado, é preciso promover rivalidades e
atiçar divisões, de preferência identificando-se um conveniente e palpável bode
expiatório. De outro lado, é necessário causar medo, angústia e pânico moral e
convencer os "nossos" de que "ou nos juntamos, ou estamos
perdidos". Vem dando certo.
Por que o modelo tem funcionado tão bem
ultimamente? Isso tem a ver, creio, com um aumento da hostilidade e do
antagonismo na vida pública em níveis assustadores.
Quando se é muito hostil ou se tem muito medo
de algo, há maior boa vontade para aceitar soluções radicais, há maior
propensão ao engajamento em causas vistas como desesperadas, aproveita-se
qualquer deixa para se usar como razão justificável de animosidade contra o
"outro lado".
Voltaremos a isso.
*Professor titular da UFBA (Universidade
Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"
Nenhum comentário:
Postar um comentário