quinta-feira, 3 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo extrapola ao recorrer ao STF para manter alta do IOF

O Globo

Decisão é juridicamente frágil e contribui para acirrar tensões em momento que exige negociação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou uma decisão temerária ao orientar a Advocacia-Geral da União (AGU) a entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a derrubada do decreto legislativo que suspendeu o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A iniciativa acirra o conflito entre Executivo e Legislativo num momento em que o país não precisa de mais tensão, mas de tranquilidade e capacidade de negociação para pôr em ordem as finanças públicas.

O Executivo não deveria ter insistido na estratégia de aumentar impostos para cobrir buracos no Orçamento. O risco político era evidente. Líderes do Congresso haviam deixado claro ser contra ampliar a carga tributária já excessiva. A reação era previsível. Em derrota acachapante para o Planalto, a Câmara aprovou por 383 votos a 98 o decreto legislativo anulando o aumento do IOF, referendado no Senado por votação simbólica. Para espanto de ninguém, a derrubada contou com a votação maciça de parlamentares da base governista. A raridade da decisão — desde 1989, a Câmara aprovou menos de 1% dos projetos de decreto legislativo que visavam à suspensão de atos presidenciais — demonstra o grau de insatisfação no Parlamento.

Para justificar a ida ao Supremo, o governo alega que o aumento de IOF é constitucional, pois a Carta dá ao presidente o poder de ajustar impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativos a títulos e valores mobiliários. Mas, embora a Constituição lhe confira tais prerrogativas, elas devem ser usadas com fins regulatórios, e não para aumento de arrecadação.

Quem decide sobre constitucionalidade é o Supremo, e qualquer decisão deverá ser respeitada — mas os argumentos do Planalto parecem frágeis. O governo argumenta que os objetivos do decreto são regulatórios e não arrecadatórios, mas diversos juristas discordam. “Entendemos não ter havido qualquer extrapolação do poder legítimo do Congresso em suspender o decreto do IOF, uma vez que os fins pretendidos pelo governo federal eram descaradamente arrecadatórios”, afirmou ao GLOBO o tributarista Luiz Gustavo Bichara. Para o jurista Gustavo Binenbojm, da Uerj, o governo “abusou do poder de aumentar a alíquota”. “Cabe supervisão do Congresso, porque nunca o poder presidencial num Estado Democrático de Direito pode ser tido como ilimitado”, diz ele.

Independentemente da controvérsia jurídica, passa a somar-se à crise fiscal uma indesejada crise política. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o recurso ao Supremo seria visto como enfrentamento ao Legislativo e levaria a nova reação. “O governo abriu mão de governar com os parlamentares e agora busca governar com o STF”, disse.

Uma nova crise política entre Executivo e Legislativo, envolvendo ainda o Judiciário, é tudo de que o Brasil não precisa em meio a um cenário fiscal deteriorado pela insistência do governo em gastar mais do que pode. Lula errou ao insistir no aumento de imposto em vez de adotar medidas estruturais de controle de gastos, como desvincular o reajuste de aposentadorias e benefícios assistenciais do salário mínimo e os gastos em educação e saúde da arrecadação. Ao insistir no erro, o governo só tem a perder. A melhor saída é a negociação. O país tem uma fila enorme de problemas, e nenhum será resolvido com beligerância entre os Poderes.

Fiscalização do arsenal dos CACs pela PF trará avanço no controle de armas

O Globo

Banco de dados unificado permitirá investigar com mais eficiência uso de armamento legal pelo crime organizado

Depois de sucessivos adiamentos, o controle de armas e munições de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores, mais conhecidos pela sigla CAC, passou enfim do Exército para a Polícia Federal (PF). Era uma medida aguardada para implantar um sistema eficaz de controle do arsenal em mãos de civis. Houve resistência do Exército em repassar as funções à PF, que pediu recursos para exercer as novas tarefas. Daí a demora entre o anúncio da mudança, no início do atual governo, e sua efetivação.

O Exército, já responsável pelo controle de explosivos usados na mineração e demolições, além do armamento das Polícias Militares e Forças Armadas, estava sobrecarregado. Por isso a supervisão dos CACs era deficiente ou nula. Como a PF gerencia o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), registro das armas e munições usadas para defesa pessoal e por vigilantes privados, agora passará a dispor de um banco de dados unificado para cruzar informações, de modo a impedir que armas legalizadas sejam usadas por criminosos.

A permissão para CACs terem armas data de 1934. Foi ampliada ao extremo pelo então presidente Jair Bolsonaro, em cujo governo as licenças de CACs mais que quadruplicaram, de 167.390 para 792.511. A quantidade de armas em posse deles mais que dobrou, de 556.477 para 1.324.339. Hoje, há 948,3 mil registros de CACs, para 1,5 milhão de armas de diversos calibres. Em julho de 2023, O GLOBO noticiou evidências de que CACs haviam participado dos atentados de 8 de Janeiro contra as sedes dos três Poderes.

Mais preocupante que isso tem sido o uso recorrente de CACs para abastecer o crime organizado de armas. Há diversos casos de criminosos que se beneficiaram da flexibilização nas regras para comprar armas legais. Noutras situações, CACs se transformam em fornecedores de armamento para milícias e organizações do tráfico. Em 2022, a polícia do Rio apreendeu na casa de um único CAC um arsenal com 26 fuzis, 21 pistolas, três carabinas, dois revólveres, uma espingarda e um rifle. Tudo havia sido comprado legalmente para ser vendido a traficantes fluminenses. De 2020 a 2022, aumentaram 109% as notificações de roubo, furto e extravio de armas, uma forma de dissimular o abastecimento dos criminosos. A média mensal desses registros mais que dobrou, de 54,5 para 114, envolvendo grande quantidade de armas.

Desde janeiro, a PF também prendeu 63 CACs com mandados de prisão em aberto, acusados de homicídio, estupro ou estelionato. “Prevemos incremento no número de investigações a partir do momento em que esse serviço e a base de dados passem a ser processados pela PF. Teremos acesso imediato a informações”, diz o delegado Fabricio Kerber, da PF, responsável pela fiscalização de CACs, produtos químicos, vigilantes e passaportes. A partir de agora, segundo ele, os agentes da PF farão pessoalmente vistoria nos arsenais privados. Se houver resistência, o registro poderá ser cassado. Não há dúvida de que tais avanços se refletirão em mais segurança para a população.

Caráter anti-Ocidental do Brics vira armadilha ao Brasil

Valor Econômico

O Brics foi muito importante ao Brasil, ao associar o país às potências China, Rússia e Índia, mas sofre nos últimos anos com uma crescente percepção de viés antidemocrático

Brasil sedia neste fim de semana a cúpula do Brics, num momento em que o grupo capitaneado pelos grandes emergentes vive o desafio de se mostrar relevante. Heterogêneo desde o seu início, o Brics passou por um processo de expansão que dificultou ainda mais a sua capacidade de definir uma identidade e uma agenda comuns. Com os novos membros, ganhou ainda um caráter político mais antidemocrático e anti-Ocidental. Isso é uma armadilha para o Brasil, que deve evitar se associar a posições que ameaçam reduzir, e não ampliar, a influência e a projeção global do país.

O Brics começou, no início do século, como um acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China (sem o “s”), num estudo do banco Goldman Sachs sobre países com grandes populações e economias e com potencial de crescimento acelerado, que poderiam trazer boas oportunidades de investimentos. Juntados assim, casualmente, os quatro países passaram a se reunir num fórum informal até a primeira cúpula, em 2009, na Rússia. Em 2011, a África do Sul participou da segunda cúpula, no Rio, o que já indicou uma intenção política do grupo de representar o mundo em desenvolvimento.

O Brics foi então se estruturando, com instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento (chamado informalmente de banco do Brics), com sede na China, que colocou a maior parte do capital. Mas o grupo sempre sofreu para encontrar posições comuns e relevantes em temas globais, devido a interesses díspares e até divergentes dos países-membros. China e Rússia são ditaduras que mantêm relações tensas com o Ocidente, diferentemente de Brasil, Índia e África do Sul. A intensa rivalidade regional entre China e Índia também dificulta consensos. O resultado é que o grupo nunca funcionou como um bloco político ou econômico coerente. Esse problema de identidade se agravou com a expansão, defendida pela China, que levou à adesão de Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Indonésia.

A reunião deste fim de semana, no Rio, é uma demonstração dessa dificuldade. O Brics deveria poder contribuir para a resolução de conflitos globais. No entanto, as três guerras mais importantes em andamento hoje têm a participação direta ou indireta de membros do grupo. Na Ucrânia, a Rússia é o agressor. Em Gaza, o Irã apoia o Hamas, cujo ataque a Israel desencadeou o conflito. E o programa nuclear iraniano, que motivou o ataque de Israel e dos EUA ao país, é um dos mais importantes riscos à segurança global. Sobre essas guerras, o Brics terá pouco a dizer, pois Rússia e Irã vetarão qualquer posição que lhes desagrade.

Não bastasse a falta de protagonismo nesses graves conflitos, o grupo assiste ainda à atuação decisiva dos EUA, que conseguiu forçar um cessar-fogo no Irã após 12 dias de bombardeios. O presidente Donald Trump parece perto também de conseguir mediar uma trégua entre Israel e o Hamas em Gaza. E Washington buscou ativamente um acordo para paralisar os combates na Ucrânia, esbarrando, porém, na falta de interesse de Moscou.

Mesmo temas que vinham ganhando destaque na agenda do Brics nos últimos anos, como o financiamento ao desenvolvimento e a utilização de moedas dos países-membros para o comércio bilateral, o que poderia erodir o papel do dólar americano, ficaram escanteados nesta cúpula. Num momento de atrito com Trump, a China parece pouco disposta a criar mais problemas na sua relação com Washington. O presidente americano já ameaçou retaliar contra qualquer país que busque atuar contra o protagonismo do dólar.

Com a agenda esvaziada, restou à Presidência do Brasil no Brics tentar avançar em temas, sim, importantes, mas menos centrais. Um dos objetivos brasileiros é promover uma parceria em saúde pública, contra doenças da pobreza ou tropicais, como a malária e a dengue, que não são prioridade de pesquisa nos países ricos. Deverá haver ainda menções ao combate à pobreza e às mudanças climáticas, com a esperada cobrança para que os países ricos cumpram com seus compromissos de financiamento.

E não é apenas a agenda que ficou esvaziada. Haverá também um vazio de liderança. O russo Vladimir Putin não participará, possivelmente para não causar constrangimento ao Brasil, devido à ordem de prisão emitida contra ele pelo Tribunal Penal Internacional, que o acusa de crimes de guerra na Ucrânia. Mas a ausência mais sentida será a do presidente chinês, Xi Jinping. A China é de longe o membro mais importante do Brics, e esta será a primeira vez que Xi faltará a uma cúpula. Pequim não ofereceu uma justificativa convincente, o que levantou suspeitas de que o grupo possa estar perdendo espaço entre as prioridades chinesas.

O Brics foi muito importante para o Brasil, pois projetou o país ao associá-lo às potências China, Rússia e Índia. Mas a crescente percepção de um caráter mais antidemocrático e anti-Ocidental no grupo, e uma associação maior aos interesses chineses, ameaça trazer mais problemas do que benefícios ao país. É possível, por exemplo, que a necessidade de manter as boas relações com os parceiros esteja turvando as avaliações e o posicionamento da diplomacia brasileira sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil condenou com veemência o ataque dos EUA que visou exclusivamente a instalações do programa nuclear iraniano, dissociando-se, como observou a revista “The Economist”, da maioria das demais democracias, que apoiaram a ação americana ou apenas se disseram preocupadas com a escalada do conflito. O governo Lula, no entanto, nunca condenou com igual veemência os regulares ataques russos contra a população civil na Ucrânia, nem a ambição explícita de Moscou de ocupar uma parte ou talvez todo o território ucraniano.

Essa ambivalência e a falta de clareza não ajudarão a diplomacia brasileira a recuperar a estatura perdida durante o governo de Jair Bolsonaro, e que continua diminuída neste terceiro governo Lula.

Mistificações da batalha petista entre pobres e ricos

Folha de S. Paulo

Superação de mazelas sociais depende de equilíbrio fiscal e controle da inflação para gerar crescimento sustentável

É da natureza do PT radicalizar o discurso ideológico ao se ver politicamente acuado. Assim foi quando Dilma Rousseff, com a reeleição sob risco em 2014, demonizou na campanha adversários e reformas econômicas, a ponto de descrever a autonomia do Banco Central como uma conspiração de banqueiros para tirar comida da mesa de uma família pobre.

Algo muito semelhante ocorre agora. Luiz Inácio Lula da Silva, com a popularidade em baixa e após mais uma derrota retumbante no Congresso Nacional, decidiu, com a ajuda de aliados e militantes, transformar sua tentativa de elevar um imposto numa cruzada heroica contra opressores poderosos dos brasileiros desvalidos.

A farsa é evidente nos dois casos. Reeleita, Dilma tratou de recrutar um ministro da Fazenda no mercado financeiro e tentou, em meio à tardia alta dos juros, fazer os ajustes antes renegados. O colapso orçamentário produziu inflação, recessão, desemprego e aumento da pobreza.

Já a nova ofensiva petista, hoje concentrada nas redes sociais, é inspirada numa medida tomada de modo improvisado e sem convicção há mais de um mês pela área econômica do governo, que havia se disposto a recuar de imediato ante a má repercussão. A elevação do IOF só se tornou cavalo de batalha depois que as alternativas apresentadas tampouco foram bem recebidas.

A estratégia de satanização das demais forças políticas, como se apenas o PT e seu entorno fossem capazes de fazer algo pelos pobres, é muito perigosa para um governo —como o demonstra o caso extremo da derrocada de Dilma. Não menos importante, perpetuam-se mistificações que aviltam o debate sempre urgente sobre o combate à pobreza e a desigualdade social.

É fato que o sistema tributário brasileiro é regressivo e iníquo, assim como que os primeiros governos petistas tiveram méritos reconhecidos no lançamento do Bolsa Família e demais programas de inclusão. Há vários outros fatores a considerar, todavia, nos quais o partido não se sai bem.

O PT historicamente tem menosprezado a importância do equilíbrio orçamentário e do controle da inflação, o que o levou a se opor, por exemplo, à Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, e ao Plano Real, de 1994 —que à época permitiu queda imediata e substancial da pobreza.

Subsídios com dinheiro do contribuinte fartamente concedidos a setores empresariais foram marcas das administrações petistas, bem como o alinhamento perene a demandas e interesses de grandes corporações estatais, contribuindo para a vergonhosa concentração da renda nacional.

Hoje, os rombos no Orçamento agravados por Lula resultaram em juros estratosféricos, que implicam pagamentos também descomunais do Tesouro Nacional aos famigerados rentistas —e ameaçam o crescimento econômico duradouro, condição mais importante para a superação definitiva das mazelas sociais.

Pacote temerário de Trump avança

Folha de S. Paulo

Aprovado pelo Senado, projeto pode elevar dívida e juros, enfraquecer o dólar e, aliado a outras medidas, gerar inflação

O Senado americano aprovou o pacote de medidas orçamentárias e fiscais de Donald Trump por 51 a 50 —apesar de republicanos terem maioria de 53 a 47 na Casa. O voto de desempate veio do vice-presidente J.D. Vance, que é constitucionalmente o presidente do Senado. O projeto volta para a Câmara, onde se esperam embates.

O projeto contém centenas de disposições, mas pode ser resumido como extensão da ampla redução de impostos para ricos, com algumas bondades tributárias para a classe média, e grande corte em benefícios sociais.

Trump quer tirar verbas do Medicaid (espécie de SUS para a baixa renda) e de ajuda alimentar, reduzir o financiamento da transição energética e gastar mais em defesa e controle de imigração, incluindo o famigerado muro na fronteira com o México.

Não é um jogo de soma zero. Se aprovado como está, o pacote deve acrescentar US$ 3,3 trilhões à dívida pública até 2034.

Há duas razões para políticos resistirem ao pacote. Cortar verbas que beneficiam diretamente eleitores nunca é popular. Também é preocupante —especialmente para republicanos, que passaram décadas defendendo rigor fiscal— compactuar com um déficit trilionário. Entre as medidas, está o aumento do teto da dívida federal para US$ 5 trilhões.

Trump jogou pesado para enquadrar os parlamentares que esboçaram maior relutância. Ameaçou agir contra suas candidaturas à reeleição, o que tende a ser fatal num partido que se tornou totalmente submisso ao presidente. Entre o medo de perder eleitores e o de perder a legenda, o segundo falou mais alto.

Há certo consenso entre economistas de que o pacote é ruim, dado seu potencial para trazer problemas mesmo para quem não é diretamente afetado nem pelos cortes nem pelos benefícios. Uma das consequências é o aumento dos juros, o que encarece empréstimos.

Em termos mais estruturais, as mudanças poderão contribuir, no longo prazo, para que o dólar perca seu estatuto de reserva global de valor, o que equivaleria a minar uma força histórica da economia americana.

O pacote também é capaz de gerar mais inflação, especialmente se outros planos do presidente, como a elevação de tarifas e a deportação em massa de imigrantes, que encarece a força de trabalho, forem adiante.

A grande dúvida é se esses efeitos ficarão evidentes já no pleito legislativo de 2026 e se o eleitor punirá o Partido Republicano nas urnas. A experiência prévia indica grande possibilidade.

Arreganho em nome dos pobres

O Estado de S. Paulo

Sem força, lulopetismo investe na luta de classes como mote eleitoral. Mas a eleição ainda está longe – e Lula deveria pensar duas vezes antes de pintar o Congresso como ‘inimigo do povo’

Não satisfeito em se apresentar como o defensor dos pobres e retomar a obtusa ideia da “luta de classes” para se contrapor a supostos interesses malignos das “elites”, o presidente Lula da Silva escolheu o Congresso, especialmente o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), como o bode expiatório da vez – para, assim, comprar briga pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), pela tributação dos mais ricos sob o argumento de fazer justiça tributária e, de quebra, pela preservação do seu potencial eleitoral. Incapaz de evitar derrotas humilhantes no Legislativo, Lula e o PT passaram a insuflar a militância, identificando o Congresso como “inimigo do povo”, tornando-o alvo preferencial da retórica de sobrevivência do governo.

Além dos discursos de petistas para reforçar o inventado confronto entre ricos e pobres, o governo resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para restabelecer o decreto que aumentou o IOF, derrubado pelo Congresso, em vez de se limitar à batalha no campo da política. Pior: dobrou a aposta nos ataques diretos ao Congresso e à sua cúpula. O resultado tem sido uma ação orquestrada nas redes sociais, disseminada por perfis alinhados ao governismo, para moldar uma tese conveniente ao partido e a Lula: o governo perde não por incompetência ou condições políticas adversas, e sim porque afronta poderosos interesses empresariais e financeiros. Segundo esse discurso, o presidente, o PT e, por óbvio, o País estariam à mercê do lobby de bilionários, bets e bancos em parceria com o Centrão e a direita no Congresso.

Quem deflagra uma operação dessas precisa ter musculatura política para sustentá-la. Considerando que o lulopetismo encontra-se hoje esquálido, pode ser que seus líderes tenham concluído que não têm nada a perder. Impopular, politicamente frágil, fiscalmente desacreditado e sem agenda consistente a apresentar ao País, o governo parece só ter enxergado o caminho do populismo mais estridente. Uma coisa é debater politicamente agendas de interesse do Executivo, em contraponto a um Legislativo majoritariamente hostil e uma base governista frágil. Outra, bem distinta, é patrocinar uma campanha aberta na qual o Congresso e o presidente da Câmara passam a ser sinônimos de inimigos do povo e representantes dos ricos – o que, na cosmologia do lulopetismo, é a própria representação do Mal.

Recorrer a quem possa – ao STF, às redes sociais, à solidariedade internacional ou ao papa – é a saída natural de quem se vê emparedado pela desaprovação popular, a inexistência de saídas políticas e a proximidade das eleições. Resta refletir, contudo, os riscos de um governo que, optando por arreganhos de desespero, ataca a tudo e a todos que enxerga como ameaça a seu projeto de poder. Com a estratégia de franco-atiradores, Lula e seus exegetas podem ter escolhido o pior: convictos de que do Congresso nada mais podem esperar, jogam a toalha do respeito institucional e da prudência e já contratam a extensão da crise.

A decisão do governo de apelar ao STF para tentar restabelecer o decreto do IOF é um exemplo claro. Como este jornal já sublinhou, muito mais que uma questão fiscal, a ação do governo no Supremo mostrou que o Executivo desistiu de tentar apaziguar os ânimos com o Legislativo e antecipará a disputa eleitoral de 2026. Resultado: se perder no Supremo, o governo confirma a derrota que sofreu no Congresso; se ganhar, terá de encarar até o ano que vem deputados e senadores ressentidos.

Mas há de tudo nesse confronto, menos bobos. Afinal, o Congresso tem demonstrado estar muito mais interessado em preservar os poderes adquiridos com as emendas parlamentares impositivas e sem transparência do que encontrar caminhos de governabilidade e responsabilidade fiscal. Como se sabe, a abundância de emendas e dos fundos eleitoral e partidário faz com que os parlamentares não dependam mais do governo – nem de debate público minimamente qualificado.

Tudo somado, há dois riscos no horizonte: primeiro, o risco de vermos o STF ser novamente chamado a agir como uma espécie de poder moderador, extrapolando seu papel; segundo, e mais importante, o perigo de aguçar o espírito divisivo de um país já cindido. Não sairá coisa boa disso.

Regulação definha sob gestão petista

O Estado de S. Paulo

Desmonte das agências reguladoras, que começou na gestão Bolsonaro, é ampliado no governo Lula da Silva e já prejudica consumidores com suspensão de fiscalizações e corte de serviços

Em menos de uma semana, duas das mais atuantes agências reguladoras do País anunciaram recentemente um corte substancial de funcionários e suspensão de serviços. O primeiro comunicado veio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que demitiu 145 terceirizados e sustou o atendimento pela central telefônica, além das fiscalizações preventivas. Em seguida, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou a interrupção do monitoramento de qualidade dos combustíveis durante todo o mês de julho e reduziu – mais uma vez – o número de municípios de sua pesquisa de preços.

O motivo alegado foi o mesmo: restrições orçamentárias. Longe de ser uma medida pontual, o encolhimento dos serviços das duas agências é apenas o alerta mais recente da política de desmonte que as reguladoras vêm sofrendo nos últimos anos. Reportagem recente do Estadão/Broadcast com base em dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), do Ministério do Planejamento, mostrou que em dez anos as verbas para custeio e novos investimentos de oito das 11 agências foram extraordinariamente comprimidas.

Na comparação com o ano de 2016, o orçamento deste ano registra quedas que variam de 11,7% (ANS, de Saúde) a 64,8% (ANP). Na vigilância sanitária (Anvisa), o corte chegou próximo a 48%, e na aviação civil (Anac), superou 45%. Para piorar, a quantidade de servidores também caiu de forma generalizada, com enxugamentos de 7% (Anac) a 36,5% (Anvisa). Os dados mostram que o desmantelamento começou na gestão de Jair Bolsonaro e se ampliou na de Lula da Silva, dois presidentes cujo desapreço pela regulação de mercado é evidente.

O enfraquecimento das agências, criadas para garantir a qualidade dos serviços públicos e privados de interesse público, deságua, invariavelmente, no consumidor. A suspensão por um mês, no mínimo, da fiscalização de qualidade dos combustíveis deixará a população à mercê de eventuais fraudes e adulterações no abastecimento de gasolina, etanol, diesel e GNV nos postos. Nessas ações, os fiscais verificam fatores além da qualidade, como o fornecimento do volume correto pelas bombas. Em 2023, por exemplo, a ANP constatou a adulteração recorde de 30 milhões de litros de gasolina e etanol com metanol, o suficiente para danificar o motor de mais de 1 milhão de veículos.

Como mostrou o Estadão, a Anac aponta atraso na certificação de aeronaves da Embraer, o que pode encarecer o preço das passagens aéreas. Na Anvisa multiplicam-se as filas para registro de medicamentos. No geral, fiscalizações de rotina estão enfraquecidas, certificações, paralisadas, e exportações, atrasadas. Ligadas a diferentes ministérios, as agências têm arcado com boa parte das consequências nefastas da pressão sobre as despesas do governo. Os recursos destinados a elas podem tanto ser considerados obrigatórios quanto discricionários. Comissões e encargos sociais, por exemplo, são obrigatórios, mas recursos para fiscalização e pesquisa são discricionários.

Autarquias de regime especial, as agências têm autonomia administrativa, financeira e técnica para decidir sobre a aplicação de seus recursos. Mas é uma autonomia relativa e, como demonstram casos recentes, não estão livres da ingerência governamental. Ainda mais quando se trata de uma gestão caracterizada por interferências em aspectos da economia que deveriam estar sujeitos às leis do mercado.

As agências personificam, ainda, a desestatização de empresas públicas. Com monopólios estatais quebrados e setores privatizados, foi preciso criar organismos para assegurar o equilíbrio de interesses entre empresas, consumidores e Estado. Assim surgiram as agências reguladoras, que Lula e o PT demonizam quase tanto quanto a própria privatização. Talvez o único aspecto positivo para um governo habituado à barganha fisiológica seja a disponibilidade de cargos para negociar. Aliás, essa tem sido uma das frentes da batalha entre o Executivo e o Congresso. Os consumidores, claro, ficam em segundo plano.

A falta que faz uma lei antimáfia

O Estado de S. Paulo

Governo procrastina projeto que poderia asfixiar o PCC, que já atua em 13 setores da economia

O Primeiro Comando da Capital (PCC) atua em ao menos 13 setores da economia. São bastante diversificadas as atividades usadas pela maior facção criminosa do Brasil para lavar o dinheiro proveniente do tráfico internacional de drogas, em especial o de cocaína. Os bandidos estão presentes nos ramos de combustíveis, agências de carros, imóveis, construção civil, transporte público, casas de câmbio, finanças, criptomoedas, empresas de apostas e jogos de azar, companhias ligadas ao futebol, mineração, organizações não governamentais (ONGs) e até igrejas.

Essa longa lista foi apresentada recentemente pelo promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), durante o seminário “Crime Organizado e Mercados Ilícitos no Brasil e na América Latina”. O evento foi realizado na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e promovido pela Cátedra Oswaldo Aranha, da Escola de Segurança Multidimensional (Esem), da USP.

O encontro reuniu especialistas americanos, italianos e brasileiros em uma faculdade de negócios, e não de Direito ou Sociologia, que estavam ali para debater a dimensão do PCC, desde o seu surgimento nos presídios há três décadas, seu posterior domínio de territórios e, por fim, sua atuação e expansão no tráfico internacional que movimenta US$ 1 bilhão, ou mais de R$ 5 bilhões, por ano. Todo esse dinheiro demanda “lavanderias”, cujas atividades têm roupagem legal, implicam sonegação fiscal e manipulam clientes, que não raro não têm a mínima ideia de que compram ou fecham negócios com o que há de pior no crime.

Como se vê, os desafios das autoridades responsáveis por enfrentar o PCC só aumentam. Não à toa, Gakiya tenta engajar o governo Lula da Silva e o Congresso na discussão e aprovação de um projeto de lei antimáfia. O texto deveria ter sido apresentado pelo Ministério da Justiça logo após a entrega, em abril, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. Isso ocorreria em maio, depois em junho, mas até agora nada foi levado à avaliação de deputados e senadores, como se o País não tivesse pressa.

A expectativa é que essa proposta trate da criação de uma agência federal de combate ao crime organizado, da tipificação da figura da organização criminosa mafiosa, da punição do domínio territorial exercido pelas facções como um novo delito e do cumprimento da pena de faccionados em um modelo rígido que dispense a renovação anual, como ocorre no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). A ideia é também obrigar os bancos a bloquearem os recursos suspeitos de origem mafiosa.

Tudo isso pode tornar a vida dos líderes do PCC e de outras facções, como o Comando Vermelho (CV), bem mais difícil. Sobram argumentos para que as autoridades de Brasília se convençam da importância e da urgência de implementar medidas duras, inteligentes e eficazes contra o crime organizado. As autoridades estrangeiras já demonstram preocupação, e com razão. O Brasil e o mundo não têm mais tempo a perder.

Estratégia perigosa para conter as queimadas

Correio Braziliense

Proposto pelo governo, o uso de recursos do Fundo Amazônia para conter os incêndios no Pantanal e no Cerrado pode novamente inflamar a oposição

A temporada de incêndios — de agosto a outubro — está próxima. Em 2024, mais de 30 milhões de hectares foram destruídos pelas chamas em todo o país. Entre as áreas mais afetadas, estão o Cerrado e o Pantanal.  O fogo consumiu no Cerrado 10,6 milhões de hectares — aumento de 10% em relação à média histórica de 9,6 milhões de hectares. A área queimada no Pantanal aumentou 157% no ano passado — ou seja, o terceiro ano com maior extensão de área atingida, totalizando 2,2 milhões de hectares.

Tentando evitar que as tragédias se repitam, o Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentou um projeto — Manejo Integrado do Fogo — ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDE) prevendo a liberação de R$ 150 milhões de recursos do Fundo Amazônia para a proteção do Cerrado e do Pantanal. O ministério argumenta que a iniciativa não afetará a proteção da floresta, bioma para a qual o fundo foi criado e é mantido por doações de diferentes organismos e instituições internacionais. Mas essa destinação pode motivar mais um episódio no interminável embate ambiental entre governo e oposição. 

Esse foi o motivo, aliás, das falhas no enfrentamento aos incêndios do ano passado, argumentam especialistas. Governistas acusavam a oposição de estar por trás das queimadas na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e em outras regiões, enquanto equipes de bombeiros, brigadas ambientais e voluntários eram surpreendidas pelo excesso de fogo e pela falta de estruturá-la para combatê-lo. Não à toa, os registros de destruição foram recordes. 

Nada impedirá que surjam suspeitas de desvio de recursos do Fundo Amazônia por parte dos adversários, ainda que o uso de verbas em  outras regiões do país seja previsto e, inclusive, já adotado. O que preocupa é que, novamente, o conflito inflamado e sem sentido poderá prejudicar os tão combalidos biomas e, consequentemente, o resto do país.

Os incêndios de grandes proporções de 2024 provocaram  graves prejuízos ao meio ambiente e às atividades econômicas. Mesmo que a proposta do Ministério da Justiça faça sentido, esperava-se um plano de enfrentamento mais blindado de estratégias mal intencionadas. Sabe-se, por exemplo, que há um aumento no número de focos de incêndio de origem criminosa no país. Faz-se necessário, portanto, fortalecer também as  equipes de segurança para conter os incendiários.

O dinheiro do Fundo Amazônia será destinado à compra de equipamentos a fim de reforçar as estruturas da Força Nacional, Corpos de Bombeiros, brigadas voluntárias ou comunitárias nos estados do Piauí, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal. É de fato necessário esse reforço. Além disso, proteger o Cerrado e o Pantanal é proteger a Amazônia, considerando que eles têm relações estreitas com a floresta tropical. 

Mais do que um projeto sensível aos opositores, há a necessidade de políticas públicas robustas e capazes de proteger o Cerrado, o Pantanal e todos outros biomas ameaçados pela ação humana. A responsabilidade do poder público para com o meio ambiente se estende de norte a sul, de leste a  oeste. E deve ser assumida com eficácia.

O acerto de devolver à Polícia Federal o controle das armas

O Povo (CE)

A partir de agora, a PF ficará responsável por fiscalizar cerca de 4,8 milhões de armas de fogo em mãos de civis, uma tarefa gigantesca

Desde o dia primeiro de julho voltou à responsabilidade da Polícia Federal (PF) o registro das licenças, controle e fiscalização das armas de fogo em poder dos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs).

Antes essa atribuição estava a cargo do Exército, período em que o serviço apresentou graves problemas, para os quais contribuiu para o aumento de armas em circulação, devido à política de flexibilização durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a alteração na política de controle de armas de fogo, implementada por Bolsonaro, aumentou em mais de um milhão e meio de armas no período entre 2019 e 2022. Mas, enquanto o número de CACs aumentava expressivamente, "a estrutura do Exército permanecia estagnada e os recursos alocados para esse propósito diminuiam".

Estudo do Instituto Sou da Paz mostra que, entre 2022 e 2023 , principalmente, houve um "crescimento expressivo" do uso da categoria CAC por organizações criminosas que utilizam o mecanismo para comprar armas e munição de maneira "legal". Para o instituto, esse aumento coincide com o período da flexibilização das regras de controle de armas. O levantamento foi realizado a partir dos casos tornados públicos por autoridades e noticiados pelos veículos de imprensa.

De acordo com o FBSP reafirmar o papel da Polícia Federal como órgão central do sistema nacional de controle de armas "foi uma sinalização importante e adequada, tendo em vista a maior proximidade da instituição com as demandas sociais e de segurança pública".

No entanto, a entidade alerta que para a PF exercer essa atribuição com competência, será necessária articulação com as polícias estaduais para evitar o desvio de armas para as organizações criminosas. Além disso, seria necessário destinar recursos suficientes para que a tarefa seja realizada adequadamente, em vista da grande quantidade de armamento que terá de ser fiscalizado.

A partir de agora, a PF ficará responsável por fiscalizar cerca de 4,8 milhões de armas de fogo em mãos de civis (FBSP), uma tarefa gigantesca.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu corretamente quando retomou o rigor no controle das armas — e ao devolver à Polícia Federal a atribuição de fiscalizar e fazer o registro de armas no País. A medida se inscreve na política governamental, que procura aumentar a fiscalização e reduzir as armas em circulação. O que se espera é que a PF corrija problemas apresentados nos últimos anos, dentre eles, usar o rigor para autorizar a posse ou porte de arma, e também mobilizando-se para impedir que o armamento caia nas mãos de facções criminosas.

 


 

 

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