Folha de S. Paulo
O conservadorismo do Congresso não é o efeito espúrio do sistema eleitoral
O conflito entre o Executivo e o Congresso
sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) põe a nu tensões
de várias origens.
De um lado, trata-se de um capítulo do
rearranjo das relações entre os dois Poderes, requerido pelas mudanças nas
respectivas forças relativas.
Como se sabe, a Presidência perdeu em parte sua capacidade de controlar a agenda legislativa e o Parlamento ganhou mais protagonismo, por força de mudanças institucionais que se sucederam ao longo dos anos. Entre elas, a regulamentação das medidas provisórias; o crescimento, em tipo e valor, das emendas impositivas; e o aumento do fundo partidário, que fortaleceu as lideranças das legendas representadas na Câmara e no Senado.
A principal consequência disso tudo foi a
diminuição do controle que o governo exercia sobre a parte do Orçamento da
União não destinada a despesas obrigatórias —aquela que permitia ao governo de
turno fazer suas políticas e dar marca própria à sua gestão. Os efeitos dessa
mudança estão detalhados no artigo
da cientista política Lara Mesquita, também colunista desta Folha.
A outra fonte de tensão é propriamente
política e vem do fato de o presidente Lula, de
centro-esquerda, ser minoritário do Congresso e, em consequência, depender de
uma coalizão de governo com grande participação de partidos da direita mais
pragmática. Esse descompasso não é incomum no país. O grande economista Celso
Furtado já apontara o conflito entre presidente progressista e Congresso
conservador no artigo "Os obstáculos políticos ao desenvolvimento
econômico", de 1965, que se tornou um clássico. E perdurará enquanto as
escolhas do eleitorado continuarem produzindo esse desacerto.
Coalizões congressuais heterogêneas são mais difíceis de disciplinar.
Especialmente quando o governo deixa de contar com alguns dos instrumentos para
ganhar o apoio de parlamentares dispostos a deixar de lado convicções
conservadoras em troca de seja lá o que lhes aumente o cacife para a reeleição.
De toda forma, apesar das importantes
derrotas sofridas pelo governo no Congresso, produzidas por sua base
indisciplinada, levantamento publicado por O Estado de S. Paulo, no domingo
(29), mostra que os partidos na Câmara merecedores
de ministérios apoiaram o governo em 72% das votações por ele orientadas. Um
percentual e tanto, mesmo ao se levar em conta que o índice ficou 18 pontos
aquém dos 90% das gestões anteriores do presidente Lula.
Além disso, é inegável que uma base
congressual que inclua a direita pragmática limita o alcance de políticas de
mudança ao gosto da esquerda. A discussão sobre o ajuste fiscal e uma reforma
progressiva do Imposto de Renda bem o demonstram.
De toda forma, convém ter em mente duas
realidades: uma é que o conservadorismo do Congresso não é o efeito espúrio de
um sistema eleitoral que perverta a representação —mas das inclinações do
eleitorado. A outra é que o presidencialismo de coalizão, a forma possível de
governar por aqui, passa por mudanças sem volta no seu modus operandi,
requerendo ainda mais negociação entre os jogadores.
No Brasil real, não há soluções mágicas nem
instituições ótimas.
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