Editoriais
Desigualdade social explodirá sem atenção à
educação
O Globo
Por ter sido um dos países que mantiveram
as escolas mais tempo fechadas durante os piores momentos da pandemia, o Brasil
criou uma bomba-relógio capaz de levar a desigualdade às alturas se não for
desarmada.
Os ganhos médios ao longo da vida dos
estudantes brasileiros serão 9,1% menores na comparação com um cenário sem
pandemia, afirma um relatório recente do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Das 20 maiores economias do mundo, o Brasil é a 16ª pior, atrás de Rússia,
China, Turquia, África do Sul, Argentina e Índia. A fatia da população mais
afetada será a que frequenta o ensino público. Nos últimos dois anos, ela
sofreu com aulas remotas mal preparadas, falta de computadores e de acesso à
internet. Desde a volta do ensino presencial, tem recebido apoio insuficiente
para recuperar o tempo perdido.
Há, obviamente, exceções. Niterói (RJ) é um
dos municípios com política de auxílio para tentar garantir a volta dos que
abandonaram o ensino médio porque precisam cooperar com a renda da família.
Sobral (CE) é um dos destaques no apoio psicológico. O Estado de São Paulo
preparou um material específico para facilitar a recomposição de conteúdos.
Num país de dimensões continentais e
grandes desníveis de desenvolvimento regional, contudo, exemplos isolados não
bastam. É chave o papel de coordenação do governo federal. Desgraçadamente, o
Ministério da Educação não está à altura do desafio. Estamos em maio de 2022 e
ainda sem um programa. O MEC promete um para logo. Se cumprir o que diz, ainda
assim terá chegado tarde.
O FMI reconhece que a ciência econômica ainda tem muito a aprender sobre as consequências de longo prazo da crise de proporções gigantescas que se abateu sobre a área da educação. Porém algumas previsões dependem apenas do raciocínio lógico. Quando entrarem no mercado de trabalho, os filhos de famílias ricas (os que tiveram aulas remotas de qualidade) ocuparão postos que requerem mais habilidades. Confirmada a futura escassez de profissionais preparados, é provável que esses cargos pagarão salários mais altos do que hoje. Quem tiver lacunas na formação terá chances maiores de acabar num mercado informal mais congestionado, recebendo salários menores.
Por isso é prioritário e urgente tomar todas
as medidas necessárias para recuperar as perdas educacionais dos mais pobres. O
investimento deve ser condizente com o tamanho do desafio. Estratégias precisam
ser constantemente testadas. Aquelas que obtiverem bons resultados devem ser
adotadas em larga escala. É essencial que estados e municípios, com a ajuda do
governo federal, troquem informações sobre as melhores práticas.
Quem vive num país desigual como o Brasil
na certa já questionou decisões do passado que nos trouxeram até aqui, como a
herança nefasta da escravidão ou o desprezo que sucessivos governos tiveram
pela educação e pelo conhecimento. Infelizmente, não dá para corrigir o que já
passou. A chance de transformar o futuro depende do que fizermos com a educação
hoje. É crucial recuperar o tempo perdido na pandemia.
Estatal Codevasf se tornou veículo para
Bolsonaro destinar recursos ao Centrão
O Globo
Ainda na ditadura militar, em julho de
1974, o presidente Ernesto Geisel assinou a Lei 6.088, aprovada pelo obediente
Congresso, para criar a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
(Codevasf), vinculada ao Ministério do Interior. A finalidade era apoiar
projetos de irrigação no entorno do rio, com área de atuação limitada aos
estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas, Goiás e Distrito
Federal. O austero Geisel não imaginaria que, 48 anos depois, a empresa que
criou dentro de sua concepção de que o Estado deveria induzir o desenvolvimento
se transformaria em instrumento de clientelismo, fisiologismo e
patrimonialismo.
A ampliação da atuação da Codevasf é a
melhor prova de que ela se tornou peça-chave para políticos usarem recursos
orçamentários para fazer obras em suas bases eleitorais. Em qualquer democracia
representativa, parlamentares tratam de defender suas regiões de origem, nada
mais legítimo. Mas o que acontece na Codevasf depois que Bolsonaro se aliou ao
Centrão é algo bem diferente. Vai além da simples garimpagem de recursos
públicos em Brasília para financiar obras. De 2018 a 2021, o volume de recursos
empenhados pela empresa passou de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões, aumento
creditado às emendas do relator que alimentam o orçamento secreto, estimado em
R$ 16,5 bilhões neste ano.
Desde a criação em 1974, a área de atuação
da Codevasf foi ampliada sucessivas vezes: em 2000, 2009, 2010, 2018 e, na
última, em setembro de 2020, em lei assinada por Bolsonaro, pelo ainda
advogado-geral da União André Mendonça (hoje ministro do Supremo) e pelo então
ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, pivô nessa máquina de
criar palanques de inauguração, vistoria de obras ou entrega de tratores a
prefeitos, em geral aliados do governo.
A Codevasf já havia acrescido a seu nome
oficial a palavra “Parnaíba”, rio que corre na divisa entre Piauí e Maranhão,
de modo a poder destinar recursos a esses estados. A lei bolsonarista de
ampliação do campo de atuação da empresa é ainda mais elástica. Além de incluir
nele o Estado do Amapá — origem do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre
(União Brasil), a centenas de quilômetros ao norte do São Francisco —, ela tem
um trecho genérico, o mais abrangente possível.
Depois de relacionar 22 bacias
hidrográficas em 13 estados e no Distrito Federal, estende a operação da
Codevasf às “demais bacias hidrográficas e litorâneas” de Alagoas, Amapá,
Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte
(base eleitoral de Rogério Marinho) e Sergipe. Tudo cabe nas pretensões de
dimensões amazônicas da Codevasf.
Como costuma acontecer em tudo que envolve muito dinheiro público e pouca transparência, há evidências de favorecimento de empreiteiras e de superfaturamento na compra de máquinas e implementos agrícolas. A mistura de bilhões em dinheiro público com políticos em campanha é a receita certa para novos escândalos.
Berço esplêndido
Folha de S. Paulo
Superar baixa produtividade é o caminho
para elevar renda e bem-estar social
Dados do Instituto Brasileiro de Economia
da FGV mostram que a produtividade
da economia brasileira cresceu apenas 0,9% ao ano entre 1995 e
2021, abaixo do observado em países avançados e, mais ainda, nos casos de
sucesso do mundo em desenvolvimento.
Apenas a agropecuária teve notável avanço
no período, de 5,6% anuais, impulsionada por ganhos tecnológicos e de escala. A
indústria teve perda anual de 0,2%, enquanto os serviços, que empregam a maior
parte da população e agregam 70% das horas trabalhadas, avançou apenas 0,4% ao
ano.
Em relação aos Estados Unidos, o desnível
tem aumentado. Nos anos 1980, o trabalhador brasileiro apresentava 46,1% da
produtividade —vale dizer, da capacidade de produção por período trabalhado— de
um americano, mas essa cifra se reduziu para 25,5% em 2021.
Longe de se tratar de fenômeno setorial, a
baixa qualidade produtiva permeia todo o tecido econômico. Algumas poucas
empresas maiores mostram dinamismo, mas o desempenho é sofrível na média, e as
inovações tecnológicas e organizacionais não chegam à maioria.
O aumento da produtividade é a ferramenta
fundamental para o avanço da renda e do bem-estar social, ainda mais agora que
a população cresce menos e se esgota o bônus demográfico —o que significa que a
parcela dos brasileiros em idade ativa decrescerá.
Buscar esse objetivo deveria ser, portanto,
a missão mais fundamental da política econômica. Infelizmente, porém, o debate
nacional continua preso a emergências conjunturais de curto alcance.
O diagnóstico para os maus resultados é
razoavelmente consensual. Falta de investimento em educação de qualidade, má
alocação de recursos públicos, informalidade no mercado de trabalho, isolamento
em relação às cadeias globais de valor, regras tributárias hostis e falta de
estabilidade institucional são motivos apontados.
A agenda para a superação de tais
obstáculos, entretanto, permanece matéria de controvérsia. É espantoso que
ainda haja defensores —além dos diretamente interessados— de privilégios setoriais,
proteção contra as importações e dirigismo estatal.
Ao contrário, o Brasil precisa de mais
abertura econômica e competição, melhor gestão do ensino básico e qualificação
da mão de obra, além de privatizações e reformas capazes de racionalizar o
sistema tributário e as despesas públicas.
Um ambiente, em suma, de regras iguais para
todos, sem prejuízo do amparo da sociedade aos estratos menos favorecidos.
Canabidiol em alta
Folha de S. Paulo
Demanda por produtos de cânabis medicinal
mostra urgência de facilitar acesso
O aumento contínuo dos pedidos de importação de
produtos de Cannabis medicinal indica que há demanda
firme por benefícios desses compostos para a saúde, mesmo que para algumas
patologias a indicação ainda careça de evidências científicas. Atesta, ainda,
que o país precisa caminhar mais rápido na trilha da desburocratização.
A aprovação do primeiro remédio à base
de Cannabis, pela Anvisa, ocorreu em 2015. Resultou em grande parte da
pressão de pais de crianças com epilepsia sem opção de tratamento. Desde então,
a agência admite a importação temporária de outros 18 medicamentos.
A lista de condições de saúde dadas por
tratáveis com derivados segue em desenvolvimento. De mitigação de sintomas como
dores crônicas e perturbação do sono à ação antiemética durante quimioterapia,
não são poucos os doentes que poderiam em tese beneficiar-se, se o acesso fosse
ampliado.
Cumpre apontar que, como se dá com qualquer
droga, psicoativa ou não, seu uso deve ser feito sempre com recomendação
médica. Não existem panaceias nem remédios sem efeitos adversos.
No início da liberalização, os pedidos para
importar produtos com canabidiol (CBD) em nome de crianças de até dez anos
representavam 80% do total —ressalte-se que o CBD não tem ação psicoativa, como
o THC, outro componente importante da maconha. Hoje, essa faixa etária responde
por menos de 10% das solicitações.
Adultos acima de 61 anos compõem o maior
contingente de autorizados a importar, 31,2%. Depois vêm os de 21 a 40 anos,
com 25,5%.
A notável mudança de perfil demográfico
acompanhou a escalada na procura. Em 2021, foram 40.191 novas solicitações,
110% a mais que no ano anterior. O contraste com os 1.392 pedidos de 2017
oferece boa medida da crescente aceitação social desses compostos, em que pese
o estigma por provirem da planta ainda proibida.
O processo burocrático hoje exigido
prejudica mais, evidentemente, os pacientes de menor renda e pior condição
social. Não é justo que pessoas a sofrer, nas condições em que há evidência
científica de benefício, sejam excluídas em consequência de meros preconceitos.
Uma maneira de disseminar e baratear o
acesso seria autorizar o plantio para fins medicinais, como previsto em projeto
de lei em tramitação no Congresso, uma vez que a importação de medicamentos
prontos encarece a aquisição.
Atualmente, só algumas associações
conseguem autorizações para tanto. Há razões humanitárias para avançar nessa
agenda.
País perde chance de aprimorar o SUS
O Estado de S. Paulo.
Descoordenação federal foi decisiva, apesar dos gastos na pandemia; a pressão cresce e é preciso repensar estratégias para aumentar a eficiência e a sustentabilidade do sistema
Já antes da pandemia, o Sistema Único de
Saúde (SUS) era pressionado por um subfinanciamento crônico combinado ao
aumento de dependentes após a recessão. A pressão foi avassaladoramente
ampliada pela maior crise sanitária dos tempos modernos. Mas o fim da pandemia
não alivia o sistema. A suspensão dos tratamentos eletivos criou uma demanda
reprimida que agora se faz sentir e é acrescida pelas sequelas da pandemia,
como a covid longa ou novos casos de saúde mental. Some-se a isso a crise
econômica, que aumentou ainda mais o contingente de dependentes. Para piorar,
há um inexorável destino demográfico: a população está envelhecendo.
Em 2020, o “orçamento de guerra”
possibilitou um incremento de R$ 38 bilhões ao sistema. Mas, dois anos depois,
como mostrou reportagem do Estadão, o SUS permanece praticamente do mesmo
tamanho.
A pressão se transferiu da porta dos
hospitais para a atenção primária. Mas a sua estrutura, com raras exceções,
ficou estagnada, entre outras razões pela opção por privilegiar uma rede
provisória, como hospitais de campanha e compra de leitos privados, combinada à
descoordenação federal no repasse de verbas.
Como mostrou um levantamento da OCDE, a
crise no Brasil, ao contrário de países como Chile, Colômbia, Reino Unido ou
Portugal, não legou um incremento dos serviços, especialmente na rede básica,
onde planejamento e prevenção fazem diferença.
Uma exceção é a rede de leitos de UTI, que
aumentou duas vezes em relação a 2019. Contudo, essa ampliação não foi
acompanhada de uma alta no número de profissionais capazes de operá-la. Em
relação aos serviços privados, diminuiu não só a proporção de intensivistas,
mas de infectologistas e pneumologistas.
O quadro comprova a indigência
administrativa do Ministério da Saúde. Desde o início da crise, a pasta teve
quatro ministros. Um deles, o intendente Eduardo Pazuello, confessou que não
sabia nem o que era o SUS. A desídia do governo Jair Bolsonaro não se deu só na
relutância em encampar a campanha nacional de vacinação, mas na omissão em
coordenar ações que poderiam impactar na otimização dos recursos e na qualidade
dos serviços.
O sistema está estagnado, mas a pressão aumenta.
Se em 2018 64% da população dependia do SUS, hoje se estima que sejam 75%. Em
2017, 8,9% dos brasileiros tinham mais de 65 anos. Em 2050, serão 21,9%. As
projeções sugerem que os gastos com saúde, que em 2019 respondiam por 9,6% do
PIB, crescerão para 12,6% em 2040.
Em diagnóstico sobre o SUS, a OCDE apontou
alternativas para fortalecêlo. Novas fontes de recursos podem ser geradas em
nível federal sem comprometer o caminho rumo à recuperação fiscal, por exemplo,
ajustando as regras de indexação para programas sociais e salários do
funcionalismo, ou reduzindo a dedução de impostos em gastos com o sistema
privado.
A modernização do sistema de saúde primária
e mais coordenação entre as áreas de atendimento podem trazer enormes ganhos de
eficiência. O Brasil, por exemplo, já conta com um uma razoável infraestrutura
de dados de saúde, mas está atrás dos países da OCDE em disponibilização,
governança e integração.
Coordenação interfederativa é um
componente-chave. Como já se faz em certas áreas de infraestrutura, o foco na
regionalização dos serviços pode desafogar a pressão sobre uma multidão de
pequenos municípios com baixa capacidade financeira ou administrativa. A
coordenação entre o SUS e o sistema privado também precisa ser aprimorada, em
áreas como o trânsito de profissionais, ressarcimentos ao SUS por provedores
privados ou a incorporação de novas tecnologias e tratamentos.
Em 1988 o Brasil se dispôs a uma ousada
conquista civilizatória, que foi a criação do SUS. Mais de 30 anos depois, o
SUS é o maior sistema universal e gratuito do mundo. Mas é imprescindível que o
poder público e a sociedade civil se engajem em um debate sobre como melhorar a
sua eficiência e sustentabilidade. Não há maior homenagem às centenas de
milhares de vidas sacrificadas pela pandemia e aos profissionais de saúde que
se sacrificaram para salvar ainda mais vidas.
A crise da fome se aproxima
O Estado de S. Paulo.
Medidas protecionistas agravam o problema
do abastecimento mundial de alimentos, cujos preços explodiram
O perigo de o mundo enfrentar uma crise de
fome que afetará centenas de milhões de pessoas, especialmente as de menor
renda e as que vivem nas nações mais pobres, é cada vez mais real – e iminente.
O crescente temor manifestado por dirigentes de organizações internacionais de
que o problema, já preocupante, está se agravando por causa da guerra na
Ucrânia vem acompanhado de advertências aos governos para que, se não
conseguirem evitar o problema, pelo menos não o agravem. O apelo lançado em
abril por quatro das principais organizações multilaterais ligadas a finanças,
comércio e alimentação tem claramente esse objetivo. O resultado, no entanto,
tem sido escasso, ou até o contrário do necessário. A cada dia, mais governos
impedem exportações, com o que ampliam a escassez de alimentos no mercado
mundial já conturbado pelos efeitos da guerra.
A Ucrânia invadida e a Rússia invasora
respondem por parcelas expressivas da produção mundial de itens de grande peso
no comércio mundial de commodities agrícolas. Em condições normais, as duas
nações fornecem mais da metade do óleo de girassol e mais de um quarto de todo
o trigo comercializado no mercado internacional. Além disso, estão entre os
principais fornecedores de milho e, em especial, de fertilizantes utilizados em
todo o mundo, inclusive no Brasil, que está sendo forçado a buscar outras
fontes.
É provável que, apesar do esforço militar
para conter a invasão pela Rússia, a Ucrânia tenha conseguido preservar parte
expressiva de sua produção agrícola. Relatos dessa natureza têm sido feitos por
dirigentes e produtores ucranianos em reuniões internacionais. O problema é o
escoamento dessa produção, que em condições normais é exportada através dos
portos no Mar Negro. É nessa região, no leste ucraniano, no entanto, que hoje
se concentram os combates entre Ucrânia e Rússia, razão pela qual os portos, inclusive
o de Odessa, o mais importante deles, não podem ser utilizados.
O impacto da quebra do fornecimento russo e
ucraniano e dos riscos adicionais que a guerra trouxe para o comércio mundial,
associado aos problemas decorrentes da pandemia e que eram sentidos antes do
início do conflito – especialmente os gargalos na cadeia de suprimento de
importantes componentes industriais –, tem sido explosivo sobre os preços,
especialmente dos alimentos. O índice de preços calculado pela Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em abril era 30% maior do
que o de um ano antes. Só neste ano a cotação do trigo subiu cerca de 60%.
O Banco Mundial estima que o aumento de 1%
no preço da alimentação empurre mais 10 milhões de pessoas para a pobreza. Isso
dá uma ideia de como a alta dos preços afeta a vida da população mais pobre.
Inflação tornou-se problema mundial, pois,
além dos alimentos, a guerra na Ucrânia fez explodir também os preços do
petróleo e de seus derivados. No Brasil, a alta média dos preços é a mais
expressiva em muitos anos, e tem levado o governo federal, incapaz de
administrar este e muitos outros problemas, a tomar medidas que não resolvem a
questão e criam outros, sobretudo na área fiscal.
Além do aumento de preço, a escassez passa
a ser problema igualmente grave para os países que importam parte expressiva
dos alimentos que consomem. A quebra do fornecimento ucraniano e russo já seria
problema grave o suficiente para perturbar o mercado mundial de alimentos. Para
evitar o agravamento do problema, o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Mundial, a Organização Mundial do Comércio e o Programa Alimentar Mundial
(vinculado à ONU) exortaram as nações produtoras de alimentos a manter suas
fronteiras comerciais abertas, sem impor restrições às exportações.
O resultado tem sido contrário. Na semana
passada, a Índia, segunda maior produtora mundial de trigo, anunciou que
interromperá suas exportações do produto. Segundo levantamento recente, já são
23 os governos que, em nome da necessidade de abastecimento interno, anunciaram
medidas de restrição às exportações de alimentos.
A penúria do Incra
O Estado de S. Paulo.
Por reeleição, Bolsonaro transforma o Incra em cartório de títulos e destrói a política fundiária
Em escancarada campanha antecipada, Jair
Bolsonaro transformou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), responsável pela formulação e execução da política fundiária nacional
e, portanto, pela reforma agrária, em um cartório de títulos para antigos
assentados em áreas rurais. O presidente nem se esforça para esconder o viés
populista de suas ações. “A grande obra do governo no campo é a titulação de
terras”, disse, em uma exposição agropecuária em Maringá (PR). Foi a forma que
ele encontrou de angariar apoio de agricultores até então vinculados ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), historicamente ligado ao
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu maior adversário.
Nesse sentido, a incompetência do governo
Jair Bolsonaro às vezes surpreende. Nem para um programa evidentemente
eleitoreiro o Executivo foi capaz de assegurar as verbas necessárias. Em pleno
mês de maio, todo o orçamento disponível para o Incra já foi utilizado, segundo
ofício do presidente da autarquia, Geraldo José Filho, de forma que atividades
que envolvam deslocamento, entre elas a entrega de títulos de propriedade,
serão canceladas.
Por trás da decisão está o onipresente
“orçamento secreto”, esquema revelado pelo Estadão que consiste na compra de
apoio do Congresso em troca de verbas do Executivo. A maior parte do dinheiro
reservado para o Incra viria das emendas de relator, mas nenhum centavo chegou
ao órgão neste ano. “Isso não pode parar. Eu estou pronto para falar com o
Paulo Guedes. Se não tiver recurso, corta de algum ministério”, afirmou
Bolsonaro, horas antes de liderar uma burlesca “lanchaciata” em Brasília.
O desmonte do Incra não vem de hoje.
Reportagem da Folha mostrou que o orçamento da autarquia para a aquisição de
terras despencou de R$ 930 milhões em 2011 para R$ 2,4 milhões neste ano. Sob
Bolsonaro, apenas 2,8 mil hectares foram incorporados e menos de 10 mil
famílias foram assentadas. Ainda assim houve recorde na titulação. Foram 337
mil títulos definitivos ou provisórios entregues, oriundos de desapropriações
realizadas nas gestões de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. Nem
mesmo a redução da burocracia se deu por mérito de seu governo, mas a partir de
uma medida provisória do governo Michel Temer, cujo objetivo logicamente foi
desvirtuado.
A titulação desordenada precariza os
assentamentos, privilegia a especulação e favorece o retorno das áreas a
grileiros, já que a maioria das famílias não tem condições financeiras para
tocar a produção de maneira autônoma. Ademais, auditoria do Tribunal de Contas
da União (TCU) realizada em 2016 deveria servir como alerta: um terço dos
beneficiários do programa eram servidores públicos, políticos com mandato,
estrangeiros e até falecidos, o que só reforça a necessidade de fiscalização
efetiva e fortalecimento do Incra. Para Bolsonaro, nada disso importa. Vale
tudo na busca por votos, principalmente destruir as bases das políticas
públicas sem deixar nada concreto no lugar.
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