Folha de S. Paulo
Por que 'terceira' se só uma das
candidaturas é de polo extremo?
Palavras cruzadas, charadas e pequenos
enigmas são velhos recursos de jornais e revistas para entreter certas classes
de leitores. Mas quando coisas dessa ordem se estendem à esfera política, o
interesse público é obrigatoriamente mais amplo.
Exemplo marcante vem de especulações de
natureza diversa a propósito de uma "terceira
via" na eleição. Ninguém explica por que seria terceira,
considerando-se que, entre as existentes, só uma é polo extremo, longe da
expectativa democrática de restauração civil.
Talvez ajude imaginar um jogo em que uma
bola corra sozinha em campo sem que se saiba por quê, à espera de alguém que a
agarre e lhe dê uma definição. Até agora, em nenhum momento, ninguém se
arriscou a resolver o enigma, embora a bola continue correndo, aparentemente
refratária, como mercúrio: já driblou muita gente.
Um chute inicial foi dado pelo ex-governador gaúcho. Embora tenha apoiado a eleição do atual presidente, se apresentou ainda no cargo como virtual opositor federal. Como costuma acontecer com os políticos convictos de que é dispensável a formulação de um projeto nacional, o postulante reduziu a provável expectativa de uma carta de intenções ao tamanho de um cartão de visitas, em que simplesmente fazia uma honesta declaração de gênero.
Mas é possível que, até no país onde
dirigentes se sucedem no poder sem que se saiba exatamente por que ali
estiveram, isso ainda baste para impressionar uma plataforma política com
pretensões a mediar uma polarização das mais quentes.
O resto já é história: o governador perdeu
para o colega paulista a indicação partidária. No começo, não aceitou bem o
resultado da convenção, depois fingiu contemporizar, depois renunciou ao cargo,
depois anunciou que seria novamente candidato a governador, depois passou a
articular candidatura à vice-presidência numa provável chapa com uma senadora.
E como numa história dessas, os personagens
não precisam de nomes, porque funcionam ao modo de velho jogo infantil em que
as peças apenas se deslocam a partir de uma casa vazia, saindo vencedor quem as
enfileira em menos tempo.
Não é jogo estranho ao da política
nacional, em que ninguém diz realmente a que vem, embora isso fique mais claro
na polarização entre restauração civil e barbárie confessa. Entretanto é
totalmente análogo ao enigma da terceira via, que não se sabe mesmo o que
significa.
Lembra mesmo a casinha vazia do jogo, ou
seja, só um zero para que pessoas marquem presença pífia nas pesquisas e se
movam em torno do fundo partidário. Esta é a meta real, o poder de gastar
dinheiro. E o deslocamento real é sem sentido nem consistência política, como
fica claro no frenesi de posições. Mas parece que ninguém dá bola para isso.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô".
Nenhum comentário:
Postar um comentário