Folha de S. Paulo
Governo precisa de mais fundos para obter
votos e quem vai pagar é o país, com menos crescimento e mais dívida
Arthur Lira (PP-AL) colocou uma faca no
pescoço de estados e municípios com o objetivo
de baixar impostos sobre combustíveis e talvez sobre energia elétrica,
comunicações e transportes. Ameaça também um calote nas distribuidoras de
eletricidade (as que vendem a energia para o consumidor).
Lira quer baixar a inflação na
marra e a curto prazo a fim de melhorar as chances eleitorais de Jair Bolsonaro
e turma. Outras promessas do governismo, como o reajuste
da tabela do Imposto de Renda, reafirmada ainda em abril, foram para o
vinagre, assim como a ideia de subsidiar diesel e gasolina, cara e inviável,
mas ineficaz.
O governo precisa, pois, com urgência, de
mais fundos para obter votos.
As ameaças de Lira custariam dezenas de bilhões, teriam efeito de curto prazo na inflação, dariam algum dinheiro para consumidores e deixariam mais problemas econômicos para o próximo governo.
Lira é o presidente da
Câmara, sultão do centrão, senhor de todas as emendas e regente do governo
Bolsonaro. Ameaça colocar em votação nesta semana um projeto que, no fim das
contas, baixa o ICMS sobre combustíveis, eletricidade, comunicação e
transportes. Um outro suspende reajustes contratados da conta de luz. O governo
e o comando de Senado e Câmara fazem pressão para que os estados reduzam o ICMS
sobre o diesel.
É incerto que tais projetos passem. Mas a chantagem está na mesa.
O projeto
que reduz alíquotas de ICMS tiraria R$ 65,7 bilhões de estados e
municípios, em um ano, no cálculo da Confederação Nacional dos Municípios (a
conta dos governos estaduais, perda de até R$ 100 bilhões, é exagero). Nem
devem perder tudo isso também porque, com menos imposto, vai haver algum
consumo extra (e recuperação de parte da receita).
Estados quebrariam? Não por isso, embora os
impostos em jogo sejam 29,8% da receita tributária estadual, na média (e, sim,
estados gastam mal). Mas a maioria do Nordeste, do Centro-Oeste, o Rio de
Janeiro ou Minas Gerais, que dependem mais dos impostos ameaçados por Lira (32%
ou muito mais da receita total), sofreriam mais. São Paulo e Santa Catarina
(uns 22%), bem menos.
Nos 12 meses até março, estados e
municípios tiveram superávit primário (receita maior que despesa) de R$ 130
bilhões (ou R$ 123,3 bilhões, sem correção pela inflação). Equivale ao
superávit inteiro do setor público (governo federal, que tem déficit, estatais
e governos regionais).
Mas o superávit de estados e municípios
tende a cair (está no maior nível em 20 anos), até porque vão perder receita
devido a reduções de impostos federais (aos quais, em parte, têm direito). Além
do mais, já aumentam gastos, e a arrecadação não vai mais crescer como nesta
temporada de inflação e commodities em alta.
Sim, caso o corte de impostos chegasse
inteiro ao consumidor, a inflação cairia de modo relevante, a curto prazo (um
ponto percentual, por aí). O déficit
público aumentaria, da pior maneira: mais dívida, mais juros.
Se passar a suspensão do reajuste das
distribuidoras, haverá confusão jurídica, econômica e apenas adiamento do
aumento —até gente de Bolsonaro acha essa ideia demente.
Se estados diminuírem suas alíquotas únicas
do diesel (Bolsonaro foi ao STF para tanto), a redução de preço será mínima.
É possível mexer em impostos, ter política
de energia e o diabo. Mas o que se faz agora é improviso imediatista
eleitoreiro. As consequências ruins começam a aparecer logo no ano que vem.
No fim das contas, quem vai pagar esse
estelionato eleitoral é o país, com menos crescimento e mais dívida. O povaréu
em particular.
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