Crime organizado representa ameaça para a
democracia
O Globo
Facções criminosas aterrorizam países
latino-americanos e buscam infiltrar instituições para garantir impunidade
O Brasil não é o único
país da América Latina cujas instituições se revelam incapazes de deter o crime
organizado. Tráfico de drogas, de pessoas, roubo de combustíveis, mineração e
desmatamento ilegais movimentaram, em 2021, entre US$ 68 bilhões e US$ 170 bilhões
no Brasil, no México e
na Colômbia, segundo análise do grupo Global Financial Integrity. Um estudo do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimou em 3,4% do PIB o custo do
crime organizado para 22 países em 2022.
Pelas estatísticas das Nações Unidas, o Equador tem taxa de homicídios de 27 por 100 mil habitantes, o México de 26 e o Brasil de 21, ante média global de 5,8. O crescimento econômico saltaria 30% caso essas taxas caíssem pela metade nos centros urbanos, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O PIB da região cresceria meio ponto percentual se elas estivessem na média global. “Pesquisa rigorosa e dados melhores são essenciais para formular políticas públicas que reduzam o crime com eficácia”, escreveram Ilan Goldfajn, presidente do BID, e Rodrigo Valdés, diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental. Eles citam êxitos recentes na Jamaica, onde crimes de gangues caíram 68%, e na província argentina de Rosário, onde houve redução de 65% nos homicídios em 11 meses.
Apesar de essas iniciativas terem partido do
poder público, é frequente que a queda nos assassinatos esteja mais relacionada
ao entendimento entre quadrilhas que à eficiência das polícias. À medida que se
fortalecem, essas quadrilhas escondem-se por trás de negócios legais e se
infiltram nas instituições, até por meio do voto, em geral no nível municipal.
Além de poder político, a intenção é ganhar acesso a orçamentos públicos e
manter os negócios ilegais fora da mira das autoridades.
O Brasil oferece hoje o melhor exemplo dos
riscos do crime organizado. No primeiro semestre, foi descoberta em São Paulo a
ligação do Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa do país,
com duas empresas de ônibus concessionárias de um serviço público. O PCC também
está presente nos setores de saúde, coleta de lixo e assistência social. “Isso
aconteceu na Itália, em concessões para coleta de lixo e outros serviços também
essenciais”, diz o promotor Lincoln Gakiya.
O aumento do poder das organizações
criminosas fragiliza a democracia. A infiltração da Justiça e da polícia mina o
poder do Estado de fazer cumprir a lei. Outro efeito pernicioso da alta na
criminalidade é alimentar a demanda popular por medidas e ações que violam o
Estado de Direito, reduzindo as liberdades civis e abalando a separação dos
Poderes. O exemplo recente mais notório é El Salvador, onde o presidente Nayib
Bukele angariou apoio da população ao realizar milhares de prisões arbitrárias,
com violações flagrantes de direitos humanos. O Equador também seguiu esse
caminho e fracassou.
Há um debate de natureza acadêmica sobre por
que as democracias latino-americanas têm aberto espaço ao fortalecimento desses
grupos criminosos. Uma das hipóteses é que a transição política da região, para
reduzir o risco de retrocesso a regimes de força, enfraqueceu o poder do
Estado. Mas isso não exime de responsabilidade os dirigentes. Faltam políticas
adequadas. Não há solução milagrosa, mas um fato é evidente: sem atuação
conjunta do governo federal e de autoridades locais e sem apoio da Justiça e do
Legislativo, não se irá longe.
Restos de satélites e foguetes no espaço
criam riscos imprevisíveis
O Globo
Lixo espacial atravanca melhores órbitas,
ameaça Estação Internacional e pode até desabar sobre a Terra
Desde a entrada da iniciativa privada no
lançamento de satélites, a quantidade de objetos no espaço só tem aumentado.
Nem todos se desintegram ou queimam ao reentrar na atmosfera. Mesmo depois de
desativados, muitos satélites continuam a girar em torno da Terra. Hoje há
13.800 satélites em órbita, mas estima-se que em 2030 haverá 60 mil. No ano que
vem, serão lançados mais 500 só de comunicações. Depois da vida útil, ficarão
na lixeira espacial ao redor da Terra.
É preocupante, em particular, a quantidade de
lixo que tem se acumulado nas órbitas baixas ou nas geoestacionárias acima do
Equador. Os dejetos impedem novos satélites de ocupar posições críticas, que
lhes garantem maior vida útil e maior alcance. Outro problema é o descontrole
sobre o destino dos restos de foguetes, satélites e outros dejetos, que volta e
meia têm caído na Terra de modo imprevisível.
Um pilar da Estação Espacial Internacional
(ISS) desabou em março sobre uma casa na Flórida. Por sorte, não feriu ninguém.
No ano passado, foram encontrados pedaços de metal e fibra de carbono em Nova
Gales do Sul, na Austrália, e em Saskatchewan, no Canadá, provavelmente
oriundos do lançamento de um foguete da Space X que levava materiais à ISS.
Pode-se pensar em destruir o lixo antes que
desabe sobre a Terra. A China explodiu um satélite meteorológico que gerou 3
mil pedaços rastreáveis. A maior parte continua em órbita. É possível que haja
dez vezes mais fragmentos tão pequenos que nem podem ser vistos. Os cientistas
calculam que deve haver 500 mil pequenos pedaços de destroços em torno da
Terra, alguns orbitando à velocidade de 35 mil quilômetros por hora,
constituindo uma ameaça a outros satélites e à ISS.
A Força Aérea Americana rastreia cerca de 25
mil pedaços de destroços em órbita baixa, permitindo que operadores de
satélites ou tripulantes da ISS sejam avisados dos riscos de colisão. Hoje,
apenas objetos maiores que 10 centímetros podem ser monitorados. O governo
americano acaba de criar um programa para enfrentar o problema do lixo
espacial, e a Agência Espacial Europeia fará um teste de remoção desse lixo em
2026.
O assunto precisa ser tratado pela comunidade
internacional. São necessárias novas regras de ocupação do espaço. Todo
satélite lançado deveria ter um plano de desativação. Se estiver em órbita
geoestacionária elevada, deveria ser deslocado para uma espécie de “cemitério”
distante. A Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos Estados Unidos há pouco
determinou que satélites desativados sejam destruídos não mais que cinco anos
depois do fim de sua vida útil. Melhor do que o prazo de 25 anos estabelecido pelas
Nações Unidas. O mesmo deveria ser feito para os estágios de foguetes que ficam
em órbita, alguns ainda com combustível. O Japão inovou: lançou um satélite
feito quase todo de madeira, fácil de destruir.
Chegou o momento de não apenas reordenar a ocupação dos céus, mas de limpá-lo e de criar mecanismos para que o lixo não se acumule.
Vereadores paulistanos precisam resgatar a
independência
Folha de S. Paulo
Nos últimos anos, sob comando de Milton Leite
(União Brasil), Câmara Municipal atuou como extensão da gestão Ricardo Nunes
(MDB)
Na divisão de Poderes típica do Ocidente, o
Executivo efetua políticas públicas e põe em prática as leis, o Legislativo
elabora normas e fiscaliza o uso de recursos públicos, o Judiciário cuida da
aplicação do ordenamento jurídico.
O sistema vale para o Brasil, que o adota nas
esferas federal, estadual e municipal —ou deveria adotá-lo. Na prática, a
teoria nem sempre funciona conforme se prevê nos livros, e a Câmara de
Vereadores de São Paulo está
aí para dar o mau exemplo.
Sob comando de
Milton Leite (União Brasil) desde 2021, o órgão legislativo da
capital paulista tem se portado como mera extensão do Executivo municipal. A
sintonia é tamanha que o próprio presidente da Câmara gosta de dizer que a Casa
aprovou todos os projetos enviados pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Leite nega que a formidável taxa de sucesso
do alcaide indique subserviência por parte dos vereadores.
"Temos de ser parceiros da gestão para
que ela faça entregas à população. Nós discutimos todas as propostas, tanto que
alteramos o texto, derrubamos [trechos] em vetos", afirma.
O uso da expressão "parceiros da
gestão" trai o argumento. Não cabe à Câmara Municipal ser parceira da
prefeitura; o que lhe compete é atuar como órgão autônomo, capaz de executar
não só as suas funções legislativas mas também as fiscalizadoras.
Daí não decorre que os vereadores devam agir
como inimigos da administração municipal, derrubando qualquer projeto gestado
no Edifício Matarazzo. Mas, assim como tal beligerância levaria a uma
paralisia, seu oposto resulta na supressão dos controles e na ausência dos
debates que só engrandecem as democracias.
A próxima legislatura da Câmara de Vereadores
de São Paulo terá a
oportunidade de resgatar o equilíbrio entre os Poderes que
parece ter se perdido nos últimos anos, já que Milton Leite, fiador do arranjo
favorável a Nunes, não disputou o pleito em 2024.
A renovação não
se limita ao presidente da Casa. São 20 novos nomes entre as 55 cadeiras, e
alguns deles chegam com a promessa de fazer uma oposição mais combatente ou de
causar barulho com pautas específicas.
Por bem-vinda que possa ser essa disposição,
espera-se que os novatos entendam o papel da missão para a qual se elegeram.
Não se trata de ocupar o cargo público de olho na popularidade em redes
sociais, e sim de exercê-lo em prol dos interesses do conjunto dos paulistanos.
Isso envolve discutir e aprovar bons
projetos, sem dúvida, mas também fiscalizar os gastos da prefeitura. Nunes, por
exemplo, lançou mão de diversas obras
emergenciais —dispensadas de passar por licitação. É dever dos
vereadores acompanhar com lupa esse tipo de iniciativa.
A nova composição da Câmara Municipal deveria
abandonar a postura submissa e devolver ao Legislativo paulistano a altivez e a
independência que sempre deveriam caracterizá-lo.
Descobrindo mais moradores de rua
Folha de S. Paulo
Autoridades devem avaliar causas econômicas e
sociais e implementar planos habitacionais integrados a ofertas de trabalho
O Cadastro Único de Programas Sociais
detectou, em apenas um ano, um número de pessoas que vivem em situação de rua
no país 25% maior que o de 2023 —de 261.653 para 327.925 em 2024,
segundo pesquisa desenvolvida na UFMG.
Considerada a série histórica, o saldo atual
é 14 vezes o verificado há 11 anos. Boa parte da explicação do incremento
dramático decorre da fonte desses dados.
Como o CadÚnico tornou-se o principal
programa social para pessoas em vulnerabilidade, não houve necessariamente um aumento real da população de
rua na mesma proporção dos novos inscritos. De todo modo, a
cifra acende o sinal de alerta para gestores nos três níveis da Federação. Ou
deveria acender.
A percepção
geral dos brasileiros também é um indicativo. No anos passado,
pesquisa do Ipec mostrou que 1 em cada 4 vê avanço na população de rua, e 93%
dos moradores do centro da capital paulista acreditam que esse é o principal
problema da região.
Governantes devem ir além dos números. É
preciso compreender, de um lado, as causas que levam ao acréscimo da população
de rua e, de outro, o perfil específico desse contingente.
A política conhecida como "moradia
primeiro" ("housing first") privilegia a oferta
de moradias fixas ou temporárias com vista a fortalecer laços comunitários e
facilitar a busca por trabalho. Há uma experiência paulistana nesse sentido,
o Programa
Reencontro, hoje vetado pela Justiça por falta de consulta popular.
Ao mesmo tempo em que o estado de São Paulo congrega
43% das pessoas em situação de rua, 20% dos imóveis do centro da capital estão
sem uso e poderiam ser remodelados para moradia.
É possível que se desenhem, a exemplo de
outros países, políticas habitacionais que visem, também, famílias inteiras —é
cada vez mais comum encontrá-las ao relento nas grandes cidades.
Além da moradia, devem-se adotar políticas
transversais que provejam dignidade e direitos.
O acolhimento a moradores de rua com questões
de saúde mental e
dependência química segue
insuficiente. É imperativo ampliar o atendimento especializado, que
leve em consideração as especificidades de cada subgrupo, incluindo o
entendimento psicossocial adequado e políticas de redução de danos para
usuários.
A população de rua merece atenção integrada de municípios, estados e União. Desde 2009, o Brasil conta com uma política nacional para o setor, que ainda carece de mecanismos efetivos de implantação. Dados e normas são abundantes; faltam resultados.
Haddad, o sobrevivente
O Estado de S. Paulo
Haddad terá o desafio de convencer o País de
que tem peso e voz no governo, que pode resistir à artilharia do PT e que é um
ministro da Fazenda de fato, e não um mero operador de Lula
Epicentro da crise que abalou o real e
atormentou o governo de Lula da Silva nas últimas semanas, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, terá muito mais trabalho nos primeiros meses de 2025.
Sua principal tarefa é uma espécie de retorno à cartilha básica do posto que
ocupa: convencer o mercado financeiro, o mundo corporativo e demais setores da
economia de que tem peso e voz no governo, que ainda pode ser um guardião da
sobriedade econômica, do equilíbrio fiscal e do controle da inflação e que pode
sobreviver à artilharia pesada de petistas contra sua gestão – e derrotá-la.
Haddad terá como missão, portanto, mostrar que pode ser um ministro da Fazenda
de fato, e não um mero operador obediente de Lula, desidratado pelo pensamento
rupestre do PT em matéria econômica.
Desde o desastrado anúncio do pacote de
revisão de gastos do governo e seus efeitos imediatos – o amargor do mercado, a
disparada do dólar e a elevação da curva futura de juros –, ficou claro que o
PT se impôs sobre Haddad. Sua fragilidade como ministro não se revelou somente
na esqualidez do pacote, mas também na sucessão de fatos que o tisnaram:
primeiro, a sensação de desconfiança diante dos sucessivos adiamentos do
anúncio, um sinal de que Haddad enfrentava dificuldades para fazer até mesmo o
básico; segundo, o tamanho do corte, muito menor do que o esperado; terceiro, a
decisão de reunir no mesmo anúncio a contenção de gastos e uma reforma no
Imposto de Renda para isentar quem ganha até R$ 5 mil, uma sugestão do
marqueteiro de Lula, Sidônio Palmeira, a que Haddad supostamente resistiu.
Há algo de errado quando, em assuntos
econômicos, um marqueteiro prevalece sobre um ministro da Fazenda. Há algo de
muito errado quando as decisões do homem forte da economia parecem cada vez
menos fruto de suas ideias. Nenhum ministro da Fazenda do Brasil tem vida
fácil, mas sua sobrevida no posto e, sobretudo, sua contribuição para o País
dependem em grande medida da credibilidade que preserva. O risco, para Haddad,
é ver desmilinguir a relevância de suas palavras, a eficácia de suas medidas e
o peso de suas ideias num governo que não hesitou em fragilizá-lo.
Uma máxima em Brasília sugere que todo
ministro da Fazenda dorme com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça. Depois do
presidente, nenhum posto acumula tanto poder e ao mesmo tempo sofre tantas
pressões. Poucos empregos no País têm, simultaneamente, tamanha força e
fragilidade. No abismo que separa uma coisa da outra, porém, há uma linha
tênue, em geral preservada segundo o nível de eficiência do ministro, sua
capacidade de oferecer previsibilidade e confiança e o respaldo concedido pelo
chefe. Assim foram as marcantes gestões de poderosos e eficientes ministros
como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Henrique Meirelles.
Haddad enfrenta hoje um ambiente distinto do
que, por exemplo, enfrentou o primeiro ministro da Fazenda de Lula, Antonio
Palocci. Mesmo com um poderoso José Dirceu no comando da Casa Civil e da ala
política do governo, e sob o grito histérico de petistas inconformados com sua
política fiscal, Palocci teve autoridade para preservar o tripé macroeconômico
(câmbio flutuante, sistema de metas para inflação e controle das contas
públicas) herdado de FHC, alinhar-se com um responsável presidente do Banco
Central (Henrique Meirelles), montar uma equipe de liberais competentes (Marcos
Lisboa e Joaquim Levy entre eles) e promover reformas microeconômicas
importantes. Foram feitos que ajudaram a pavimentar o caminho de Lula, a ponto
de o presidente reeleger-se mesmo debaixo da tempestade do mensalão.
Se foi a força econômica que ajudou
presidentes a superarem crises políticas – como Lula em 2006 e Michel Temer em
2017 –, foram desastres econômicos a pá de cal da derrocada política de outros,
como Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em 2016. Dos melhores aos piores
exemplos, contudo, uma coisa é certa: não se constrói fortaleza econômica sem
ministros da Fazenda efetivamente fortes, dentro e fora do governo. Um
corolário que precisará estar na cabeça de Haddad caso o ministro ambicione
superar a imagem de fraqueza com a qual terminou 2024. E, sobretudo, se quiser
deixar alguma marca para a economia brasileira.
O valor do imigrante
O Estado de S. Paulo
Estudos no Reino Unido e nos EUA mostram que
contribuição econômica de imigrantes é extremamente valiosa para as nações; em
vez de deportá-los, é preciso saber atraí-los
O “impacto fiscal líquido” de um imigrante
qualificado com visto de trabalho no Reino Unido, isto é, a relação entre o
quanto o governo gasta em benefícios com esse residente e o quanto aufere em
receita com impostos desse contribuinte, foi positivo em 16,3 mil libras
esterlinas (cerca de R$ 127 mil) em 2022/23, bem acima da média de 14.400
libras (R$ 112 mil) de um trabalhador britânico adulto. O dado está no
relatório do Comitê Consultivo para Imigração (MAC, na sigla em inglês), órgão
vinculado ao Ministério do Interior britânico.
O relatório do MAC é um alerta importante
para líderes políticos mundo afora, que diante dos desafios de uma economia em
transformação passaram a culpar os imigrantes por mazelas que, sem a
contribuição do trabalho estrangeiro, seriam ainda piores.
Embora seja intuitivo pensar no presidente
eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, quando se trata de retórica contrária
aos imigrantes, ele não é o único a tratar trabalhadores estrangeiros como o
grande mal a ser combatido.
No próprio Reino Unido, embora com graus
diferentes, tanto o governo anterior, do conservador Rishi Sunak, como o atual,
do trabalhista Keir Starmer, buscam limitar a imigração, mesmo a legal, tal
qual o premiê canadense, Justin Trudeau, tido como moderado.
Pressionados por desafios como desaceleração
econômica e envelhecimento da população, esses líderes têm sido compelidos a
fechar as portas para trabalhadores estrangeiros, que enfrentam barreiras de
entrada crescentes, como a obrigatoriedade de comprovar patrimônio ou renda
cada vez maiores quando vão trabalhar ou estudar no exterior.
É óbvio que governos precisam calibrar bem
suas políticas imigratórias, uma vez que os recursos, mesmo nas nações mais
prósperas, são limitados, e as demandas, crescentes. No entanto, medidas
extremamente radicais acabam por exacerbar o problema que em teoria visam a
combater. A opção desastrada do Reino Unido pelo Brexit faz com que o país até
hoje lide, por exemplo, com a falta crônica de caminhoneiros.
Além disso, setores como o de saúde e a
indústria de cuidados, vitais em um mundo que envelhece, são extremamente
dependentes de profissionais estrangeiros. Isso ocorre por diversos motivos,
entre os quais a falta de mão de obra especializada no país que depende dos
imigrantes ou até mesmo o fato de que pelo próprio nível de desenvolvimento, os
cidadãos das nações ricas não querem mais exercer determinadas funções.
Para tornar a questão ainda mais complexa,
parte destas funções só é preenchida por trabalhadores ilegais que, como os
legais, também contribuem de forma significativa para as economias
desenvolvidas.
Eis aí o paradoxo norte-americano, que nas
eleições recentes consagrou a plataforma anti-imigração de Trump, eivada de
xenofobia, mas que na prática, ao contrário do que apregoa o republicano, pode
ter consequências desastrosas para a economia global.
O Instituto Peterson, um think tank econômico
de Washington, calcula que o projeto de deportação em massa custaria entre 1,2
ponto porcentual e 7,4 pontos porcentuais do PIB dos Estados Unidos no fim de
2028. O recuo menor ocorreria em cenário de 1,3 milhão de deportações, enquanto
o mais expressivo se daria se um contingente de 8,3 milhões de ilegais que
vivem no país fosse despachado.
Trump garante que começará a deportar todos
os imigrantes ilegais, que segundo ele “envenenam” o sangue da América e roubam
empregos dos americanos, assim que tomar posse, em meados de janeiro.
Tal visão, contudo, está dissociada da
realidade. De acordo com o Pew Research Center, a maioria dos eleitores
norte-americanos (59% dos republicanos e 90% dos democratas) acredita que
imigrantes, legais e ilegais, ocupam posições nas quais eles, cidadãos, não têm
interesse.
Embora haja desafios logísticos, legais,
diplomáticos e financeiros gigantescos no caminho de Trump rumo à deportação, o
projeto, se implementado, seria um desastre para os Estados Unidos.
A verdade é que imigrantes serão cada vez
mais necessários, sobretudo em países com população que envelhece rapidamente e
necessita de mão de obra.
Janja impopular
O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que a primeira-dama vem
perdendo simpatia, o que pode afetar Lula
A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja,
chegou ao fim de 2024 com uma marca constrangedora para quem se dispôs a atuar
como plenipotenciária influenciadora digital do governo e conselheira universal
do marido e de seus ministros. Desde as primeiras semanas do atual mandato de
Lula da Silva, Janja perdeu quase metade da sua popularidade, segundo pesquisa
Genial/Quaest. Eis um bom recado para quem passou os dois primeiros anos de
governo convicta não apenas de que seria capaz de influenciar o presidente,
como também afetar a vida dos brasileiros – uma tarefa para a qual
evidentemente não foi eleita.
Segundo divulgado em dezembro pela Quaest,
22% dos eleitores têm uma opinião positiva sobre Janja, índice que chegava a
notáveis 41% em fevereiro de 2023. Por outro lado, 28% a avaliam negativamente,
patamar que há quase dois anos estava em 19%. Outros 30% a veem como regular
(eram 22% em fevereiro de 2023). Ainda que a espiral de Janja seja descendente
desde o início do governo, o histórico da pesquisa mostra uma inversão de
cenário no último ano: em dezembro de 2023, a primeira-dama ainda tinha mais admiradores
do que críticos; um ano depois, a curva se inverteu. Janja chega a ter
avaliação pessoal pior do que a avaliação do governo como um todo.
Ao participar da campanha eleitoral e ao
subir a rampa ao lado do presidente, Janja emergiu como um ativo político de um
Lula redivivo após os anos de prisão. Com a autoestima decorrente do triunfo
eleitoral do marido, as convicções de quem pretendia “ressignificar o conteúdo
do que é ser uma primeira-dama” e a disposição para se mostrar independente,
Janja resolveu agir. Seus tentáculos avançam sobre a comunicação digital do
governo e a intromissão frequente em assuntos de Estado com cobranças públicas
(e privadas) a ministros. E é assim que se envolve em sucessivas polêmicas
(como a última, na qual, durante reunião do G-20, ofendeu gratuitamente o
empresário Elon Musk) e tem opinião assertiva sobre quase tudo o que diz
respeito ao governo.
São frequentes os relatos de que
sistematicamente interfere nas mensagens da Secretaria de Comunicação da
Presidência e, não raro, faz o papel de estrategista e câmera do presidente nas
redes sociais – um dos seus últimos feitos foi revelar o “domingo energizado”
pela nova cascata artificial da Granja do Torto. A cascata irrigando um vinco
que forma um caminho até um pequeno lago e as carpas coloridas que nadam em
água cristalina com seixos no fundo tornaram-se ainda mais polêmicas porque
foram mostradas ao distinto público em pleno debate do pacote de revisão de
gastos do governo.
Quem age como personagem política passa a ser avaliada também como tal. Se Lula deseja mantê-la como ativo político, e se Janja pretende seguir “ressignificando” o papel de primeira-dama, a curva negativa de sua popularidade serve de alerta e aprendizado – se não para fazê-la voltar à tradição discreta da maioria das antecessoras, que pelo menos sirva para calibrar suas aparições e seus atos.
Nova temporada da dengue requer atenção
Correio Braziliense
Mal saiu de uma das maiores crises de dengue
da história, o país acumula uma série de fatores que podem mergulhá-lo em um
novo quadro de disseminação exacerbada da doença e, consequentemente, mais
mortes
O saber científico acumulado indica que as
grandes epidemias de dengue são espaçadas, dão-se em ciclos separados por dois
a cinco anos. Esses mesmos estudiosos alertam para a importância de considerar
as excepcionalidades. Os vírus surpreendem. E os humanos, também. Ao que
parece, o Brasil começa 2025 imerso em um cenário que foge à normalidade
sanitária. Mal saiu de uma das maiores crises de dengue da história, o país
acumula uma série de fatores que podem mergulhá-lo em um novo quadro de
disseminação exacerbada da doença e, consequentemente, mais mortes.
O primeiro deles é o ressurgimento do
sorotipo 3 do vírus da dengue. A Fiocruz detectou em 2023 a recirculação no
país da variante que estava fora de circuito havia cerca de 15 anos. Sabe-se
que a reinfeção por vírus diferentes aumenta o risco de agravamento da doença.
Portanto, ao menos 6,4 milhões de brasileiros estão, agora, mais suscetíveis.
Segundo o Ministério da Saúde (MS), ao longo de 2024, o Brasil registrou
6.484.890 casos prováveis de dengue — um aumento de 293% quando comparado a
2023. Considerando o apagão de diagnósticos e assistência no auge da última
crise, o grupo de vulneráveis é certamente bem maior.
Também é desafiante a nova realidade
climática, resultante de uma combinação de eventos extremos que favorecem
a dengue. Um estudo da Universidade de Stanford divulgado em novembro indica
que, hoje, quase 20% dos casos da doença registrados no mundo podem ser
decorrentes da crise ambiental. Em áreas endêmicas com temperaturas entre 20ºC
e 29ºC, que aceleram a reprodução do Aedes aegypti, pode haver um aumento de
150% a 200% nos casos de infecção nos próximos anos. O Brasil quebrou o recorde
de temperatura em 2024, com a média de 25,02°C, teve um 2023 com 24,92°C e,
analisando os esforços locais e internacionais pela sustentabilidade do
planeta, não deve ver os termômetros arrefecerem em 2025.
Entra aí um terceiro fator que merece alerta
neste começo de ano. Trata-se também de um período de trocas de
lideranças em áreas estratégicas para o combate à dengue. De forma geral, 8%
dos secretários de saúde são substituídos mensalmente no país, segundo cálculos
do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Logo após
as eleições municipais, a taxa de rotatividade aumenta, o que pode comprometer
a continuidade de ações preventivas e de assistência aos infectados. Não à toa,
em um encontro em outubro para discutir a temporada da dengue de 2025,
especialistas brasileiros (Fiocruz, FGV e MS) e estrangeiros defenderam a
criação de um sistema nacional de monitoramento do mosquito, buscando
padronizar a coleta de dados e a atuação de agentes públicos.
Empossados, os gestores se depararam ainda
com a baixa cobertura vacinal — a média é de que sete em cada 10 pessoas que
aderiram à imunização contra a dengue não estão com a carteira atualizada. A
imunização reduz o risco de hospitalização e óbito, que também bateu recorde em
2024: foram 5.972, um crescimento de 406% em relação ao ano anterior.
Ainda que modelos preditivos indiquem que este verão será de queda nas curvas da dengue, não há margens para relaxamento. Ao contrário. Sobram elementos capazes de fazer com que, desta vez, a doença tenha um sabático encurtado. Mesmo que atípicos, são fatores conhecidos. Portanto, passíveis de intervenção.
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