domingo, 5 de janeiro de 2025

A especulação e os equívocos da esquerda - Maílson da Nóbrega

O Estado de S. Paulo

A recente elevação do dólar e dos juros futuros mostrou a desinformação de políticos de esquerda

Até o século 17, o significado da palavra especulação nada tinha a ver com o mercado financeiro. Ainda hoje é assim nos países desenvolvidos. Segundo o Dicionário Oxford, especulação quer dizer “the forming of a theory or conjecture without firm evidence” (a formação de uma teoria ou conjectura sem firme evidência). Por exemplo, especular sobre a demissão de um ministro.

Na acepção moderna, ao se referir ao mercado financeiro, o Oxford define especulação como “investment in stocks, property, etc. in the hope of gain but with the risk of loss” (investimento em ações, propriedades, etc., na esperança de ganho, mas com risco de perda). Em países emergentes, nos quais o anticapitalismo gera desconfiança em relação às atividades das instituições financeiras e das bolsas de valores, muitos veem a especulação como algo nocivo. Isso pode ser consequência de desinformação, que costuma estar presente em grande parte da sociedade e da classe política.

Especulações não têm por objetivo prejudicar o governo ou a economia, ao contrário do que imaginam segmentos do sistema político, em especial os partidos de esquerda, que nutrem posturas agressivas contra o sistema financeiro. É verdade que em certos momentos se formam bolhas especulativas. Elas decorrem geralmente de disfunções do mercado financeiro e de manias que provocam apostas em investimentos excessivamente arriscados. Essas bolhas, quando estouram, causam danos à atividade econômica, como as que serão examinadas em seguida.

A primeira grande bolha foi a das tulipas, que ocorreu na Holanda nos anos 1620. Todas as classes sociais investiam na flor. Quanto mais exótica, mais cara. Um único bulbo chegou a valer o equivalente a 24 toneladas de trigo. Não tinha como ser sustentável. A bolha estourou, causando enormes perdas. Outra foi a bolha dos mares do sul, cujo estouro arruinou muitos investidores britânicos em 1720. Ela teve origem na Companhia dos Mares do Sul, criada em 1711 para atuar no comércio com a América espanhola. Havia a expectativa de que a Guerra de Sucessão da Espanha, então caminhando para o final, ocasionaria um tratado favorável a tal comércio. Suas ações subiram muito em janeiro, de 128 para 1.000 libras, mas a realidade superou visões otimistas. Em setembro, a bolha estourou. As ações caíram para 124 libras.

A bolha especulativa mais famosa é a que levou à quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929). Até pessoas de baixa renda, como engraxates, investiam em ações. O estouro da bolha provocou a falência de quase 10 mil bancos. Seus efeitos negativos na economia inspiraram a aprovação da Lei Smoot-Hawley (1930), que elevou substancialmente as tarifas aduaneiras. A medida provocou retaliações dos parceiros comerciais dos Estados Unidos no mundo inteiro. Em três anos, o comércio global caiu um terço. Aquela lei é considerada uma das principais causas da Grande Depressão dos anos 1930, que elevou a taxa de desemprego americana para 25%, deu origem a favelas e provocou consequências negativas em todo o mundo. No Brasil, seus efeitos resultaram em forte queda do preço e das exportações do café.

Examinemos, agora, a especulação natural no mercado financeiro. Ela compreende duas partes no negócio, uma que compra e outra que vende. Se o raciocínio da esquerda estivesse correto, uma dessas partes estaria sabotando o governo, enquanto a outra o estaria apoiando. Não é assim. Essa especulação é parte essencial do mercado financeiro. É dela que nascem os mercados de crédito e de capitais, que são a fonte de recursos para financiar atividades econômicas. Antes, quem quisesse iniciar um negócio recorria a parentes e amigos.

O desconhecimento dessas realidades leva muitos a pensar que o aumento dos juros pelo Banco Central (BC) beneficia os bancos. Na verdade, bancos vivem de captar recursos e realizar empréstimos. Arcam com custos operacionais e perdas por inadimplência. Ganham com a diferença entre receitas e despesas. Assim, preferem juros baixos, os quais aumentam o volume dos negócios, inibem perdas e geram novas operações lucrativas.

A recente elevação do dólar e dos juros futuros mostrou a desinformação de políticos de esquerda. Um deles disse que votou contra o pacote fiscal porque era do PT, e não funcionário do governo. “Nunca votei para reduzir direitos”, afirmou. Outro disse que “o tal ajuste fiscal só está fazendo cortes que atingem quem mais precisa, o povo”. Ocorre que os cortes visam a evitar o descontrole da inflação, que prejudicará especialmente os menos favorecidos. Um deputado petista pediu uma investigação da Polícia Federal para punir a “Faria Lima”. Inventou um crime. O ridículo maior coube ao PDT, que invocou a inconstitucionalidade do aumento da taxa Selic. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) acolher o esquisito pedido, a redução forçada da Selic acarretará o colapso das expectativas e o descontrole da inflação.

A velha esquerda brasileira faria bem a si e ao Brasil se buscasse aprender lições triviais de economia.

 

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