domingo, 5 de janeiro de 2025

O prestígio de Lula e o de Milei - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pessimismo com economia cresce no Brasil, Argentina tolera perda brutal de renda

A animação dos brasileiros com a economia esteve no nível mais alto de Lula 3 no trimestre final de 2023. Não era grande animação. Em setembro daquele ano, 35% dos entrevistados pelo Datafolha achavam que "a situação econômica do país" havia melhorado "nos últimos meses"; para 35%, havia piorado. Um saldo de zero. Desde então, o humor foi piorando. Na pesquisa de dezembro de 2024, para 22%, a situação havia melhorado; para 45%, piorado. Um saldo negativo de 23 pontos.

Como tanto já se escreveu nesta coluna, o relativo e crescente desânimo é intrigante.

As comparações são difíceis, situação anterior e expectativas são muito diferentes, mas intriga também que, na Argentina em catástrofe social, o prestígio de Javier Milei esteja bem.

No ano de 2024, até novembro, Milei cortara o gasto do governo em 27% em relação a 2023 (em termos reais: descontada a inflação). O valor médio de aposentadorias e outros benefícios previdenciários baixou 17%. A folha de salários de servidores, em 19%. O investimento em obras etc., caiu mais de 77%.

No setor privado, o salário médio do trabalhador informal era, em outubro de 2024, 2,9% menor do que em outubro de 2023 (as perdas acumuladas no ano foram ainda maiores), nas contas deste jornalista. No setor informal, 2,2% maiores. O salário médio em 2023 era 26% menor do que em 2013 (dados Fundar-Argendata).

Em dezembro, a nota de Milei andava em 53,2% do total de pontos, apenas 7,5% abaixo de um ano atrás. Ao final do primeiro ano de governo, era nota melhor do que a dos governos Cristina Kirchner 1 e 2, de Mauricio Macri e de Alberto Fernandez.

Para este jornalista, a popularidade de Milei cairia com o arrocho terrível. Mas, no fundo de um poço de mais de década, os argentinos na média têm outra ideia. Parecem aceitar a pancada em troca de esperança e mudança.

Afora outros horrores de Milei, a Argentina precisa ainda lidar com o peso artificialmente valorizado, controles cambiais, reservas internacionais no vermelho, dívida enorme e ora impagável com o FMI, com o fato de não ter mercado de dívida pública e uma longa lista de problemas profundos. Mas o arrocho saiu barato, por ora (PIB caindo de 3% a 3,5% em 2024). O salário médio deve logo voltar ao azul (em relação a 2023). O PIB de 2025 talvez recupere a perda de 2024. Ainda assim, a reação argentina é intrigante.

No Brasil, a renda (PIB) per capita em 2024 foi a maior desde sempre, depois de uma década de depressão. O salário médio será o maior. O nível de pobreza será o mínimo histórico. O consumo médio por pessoa será igual ao do recorde de 2013.

Mas 33% dos brasileiros achavam, em dezembro, que a situação econômica do país iria melhorar. Em outubro de 2022, quando Lula foi eleito, eram 62%.

A expectativa de que a inflação aumentaria era de 39% em fins de 2022. Foi a 54% em setembro de 2023 (mesmo com inflação anual de alimentos indo então a zero). Subiu a 60% em março de 2024 (quando a inflação anual baixara a 3,9%). Em dezembro, subiu a 67%.

A "polarização" explica o nível de desânimo. Em dezembro passado, 52% dos eleitores de Lula achavam que a economia iria melhorar; para os eleitores de Jair Bolsonaro, 15%. No entanto, essa "polarização" de voto não explica a piora média das expectativas, que contrasta com melhoras muito concretas.

 

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