domingo, 5 de janeiro de 2025

A COP30 entre a diplomacia e o folclore – Elio Gaspari

O Globo

Começou a contagem regressiva para a 30ª Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, a ser realizada em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro. Já germinaram duas correntes. Uma privilegia as discussões técnicas e a negociação diplomática. A outra estimula eventos folclóricos. Elas podem conviver, mas basta perder a mão para se produzir situações ridículas, como a da recente passagem do presidente americano Joe Biden por Manaus (AM).

Os eventos têm a virtude de distrair a atenção de quem quer debates sérios. Como a Amazônia é um prato cheio para encenações, a marquetagem tende a privilegiar eventos cenográficos. Eles darão brilho às figuras de penetras infiltrados no cenário de uma reunião diplomática.

Belém já tem problemas de infraestrutura suficientes para ocupar os çábios do governo. Brasília anunciou R$ 4,7 bilhões de investimentos na cidade. É um bom dinheiro e pode mudar a cara da cidade. Valeria a pena incluir na equipe que planeja as iniciativas alguém que conheça o desastre dos investimentos feitos no Rio para as Olimpíadas de 2016. (A Olimpíada de 2012 de Londres revitalizou uma parte da cidade. A do Rio engordou investimentos imobiliários em Miami.)

As COPs, como quase todas as grandes reuniões da ONU, têm uma tradição de muito palavrório e poucos resultados. Se a conferência de Belém for nessa linha, o Brasil e a Amazônia serão associados a um fracasso.

Palavras ao fogo

O Brasil fechou 2024 com 278 mil incêndios na mata, um aumento de 46% em relação a 2023 e o pior resultado desde 2007. Diga-se que esses são fogos passados.

Com o novo ano, o relógio corre para que se meça o tempo de hibernação da promessa de criação de uma Autoridade Climática, reiterada por Lula em setembro do ano passado. A criação desse novo organismo era uma promessa de campanha.

Os agrotrogloditas são contra qualquer iniciativa para a proteção do meio ambiente, mas a Autoridade Climática não sai por causa de quizilas dentro do próprio governo. Cada quadrado da burocracia ambiental defende quaisquer iniciativas, desde que não se mexa no seu mundinho de poder.

Se a Autoridade Climática for criada amanhã, será possível que em novembro tenha resultados a oferecer.

PT e a economia

Se o comissariado petista abandonar o modo triunfalista de tratar a economia, vendo conspirações em cada esquina da Faria Lima, o governo poderá mostrar que, apesar dos tropeços, produziu bons resultados. Se persistir no jogo do contente, 2025 será um mau ano, servindo de prelúdio para a campanha eleitoral de 2026.

Até agora os governadores Ronaldo Caiado (GO) e Tarcísio de Freitas (SP) tiveram a sabedoria de cultivar atitudes racionais. (Salvo na segurança pública, onde cultivam a demagogia do estímulo à violência policial.)

Ministério da Saúde

Se Lula resolver jogar Nísia Trindade na frigideira, os problemas do Ministério da Saúde e a administração da cobiça por seu orçamento continuarão do mesmo tamanho.

Em silêncio, o PT aparelhou um bom pedaço da pasta.

Rio 2025

Enquanto o prefeito Eduardo Paes anunciava que pretende criar e armar uma Força Municipal de Segurança, o vídeo de um menino de 6 anos reclamando do abandono do Parque das Crianças, no Aterro, viralizou. Teve mais de 35 mil visualizações.

O problema do Rio não é falta de polícia, mas falta de quem faça honestamente o seu serviço. O Aterro do Flamengo vem sendo canibalizado há décadas. O doutor Eduardo Paes está no seu quarto mandato.

Maduro levou

Com a eleição fraudada, Nicolás Maduro começará seu novo mandato como presidente da Venezuela. Não mostrou as atas eleitorais, desprezou as críticas e ofereceu 100 mil dólares em dinheiro para quem o ajudar a capturar o candidato da oposição.

Edmundo González ficará na Argentina, onde Javier Milei considera-o presidente eleito.

Esse jogo ficará no campo do palavrório até o dia 20, quando Donald Trump assumirá o governo dos Estados Unidos.

No caldeirão do trumpismo cozinha-se alguma surpresa para a América Latina.

Noves fora os imigrantes, Cuba e Venezuela, Trump já mostrou os dentes para o Panamá e, de leve, para o Brasil.

EUA cucarachas

Os presidentes americanos pegaram um vírus de alguns de seus similares latino-americanos e desaprenderam a arte de sair com elegância da Casa Branca. Em 2021, Trump tentou um golpe. Já Joe Biden perdoou os crimes do filho atacando o Judiciário e soltou a notícia de que cogita atacar as instalações nucleares do Irã. Elas estão lá há mais de dez anos.

Em 1801, o presidente John Adams saiu de Washington para não passar o cargo a Thomas Jefferson, mas não aporrinhou os outros.

Delírio palaciano

Pelo menos um ministro do Supremo Tribunal Federal com tradição de amor à intimidade palaciana teve uma conversa impertinente com Jair Bolsonaro nos últimos meses de 2021.

A impertinência esteve no que o doutor aceitou ouvir.

A habilidade de Carter

Nos últimos dois anos morreram dois personagens do século passado, ambos centenários. Henry Kissinger, um diplomata que se tornou figura pop enquanto esteve no poder, foi-se em 2023. Teve um funeral de segunda, assombrado pelos fantasmas de seu apoio ao golpe do Chile e pela inutilidade de seus bombardeios no Vietnã. No final de 2024, morreu Jimmy Carter. Derrotado na eleição de 1980, parecia um político fracassado. Teve um funeral de primeira pela firmeza com que defendeu a democracia e os direitos humanos.

Kissinger e Carter eram frios como cobras. Um (Carter) gostava da vida e tinha senso de humor. O outro (Kissinger) era um atormentado.

Uma cena de 1978 ilustra a leveza com que Carter levava a vida.

Depois de muita costura, o primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, e o presidente do Egito, Anwar Sadat, desceram em Camp David, a casa do presidente dos Estados Unidos nas montanhas. Era a primeira vez que isso acontecia. Begin era um radical e Sadat havia atacado Israel em 1973.

Na primeira reunião, Sadat puxou um texto de exigências e o leu por 90 minutos. Queria um Estado Palestino com capital em Jerusalém, a retirada dos israelenses para as fronteiras de 1967 e o desmanche dos assentamentos em áreas contestadas. Só faltava exigir que se convertessem ao islamismo.

Begin ouviu calado e parecia estar a um passo de uma explosão. A reunião começava da pior maneira possível.

Carter quebrou o silêncio e, sério, dirigiu-se a Begin. Disse-lhe que endossasse a proposta de Sadat. Assinando-a, dispensaria maiores discussões.

Os três deram uma grande gargalhada e começaram as conversas que durariam 13 dias.

O acordo de Camp David esfriou a tensão no Oriente Médio, mas, como se viu, deu em pouca coisa.

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