Revista Veja
As salas de aula precisam deixar de ser
teatro e virar cinema
Ao sancionar a lei que proíbe o uso de celulares nas escolas, o governo Lula acerta na busca de recuperar a atenção dos alunos, mas erra porque falta sintonia com as transformações tecnológicas em marcha. A norma busca impedir o mau uso do smartphone como meio de dispersão da atenção do estudante, sem entender que a principal causa da desatenção não está na modernidade do aparelho, mas no arcaísmo da sala de aula: a distração é resultado de técnicas pedagógicas ultrapassadas, e não da ascensão dos telefones portáteis. Qual seria o caminho mais adequado? Definir estratégias para substituir o quadro-negro por ferramentas digitais de modo a atrair a atenção dos jovens e aumentar a eficiência na transmissão de conhecimento. Lousa estática e incolor não seduz uma geração que nasceu na dinâmica do YouTube, WhatsApp, TikTok etc.
Ao proibir o celular sem contrapor alguma
modernização, as instituições de ensino empurram o aluno para outras formas de
extravasar o descontentamento. Como? Promovendo bullying, conversando com o
colega ao lado em voz alta, já que não pode escrever para um distante. A grande
dispersora, enfim, é a aula chata, como carruagem em tempo de nave espacial.
Obrigar meninas e meninos à aula teatral, como em séculos passados — professor,
aluno e meras anotações —, é estar parado no tempo. Além de proibir o uso do telefone
como meio de distração, é preciso perceber o potencial do eletrônico como
ferramenta pedagógica. É instrumento fenomenal, desde que alguns limites sejam
desenhados, para abandonarmos a era analógica. É deixar de ser teatro, enfim,
para virar cinema, atalho para entretenimento produtivo.
“As intenções da lei federal são boas, mas
falta ambição e meios concretos de implementá-la. É ‘para inglês ver’ ”
Além da falta de
sintonia com os avanços extraordinários e seminais da tecnologia, o governo não
considerou a dificuldade para implantar uma lei federal em um sistema
pulverizado em municípios, estados e no setor privado. Falta compreensão da
realidade ao estabelecer um decreto, sem muita discussão real, para uma
engrenagem diversa e complexa. Há pelo menos 6 000 escolhas alheias ao governo federal. Ao
que tudo indica, enfim, caminhamos para uma ordem, entre as muitas desde 1955,
sem o efeito esperado, de oferecer excelência e equidade. O problema: leis
federais de execução privada ou então no seio de municípios e estados, em
desordem, ainda que possa haver bons resultados aqui e ali.
Está bem, a legislação pode, sim, ser
aplaudida, as intenções são positivas. Mas falta ambição, falta pensar nos
meios concretos de implementá-la, tendo em vista sobretudo a educação de base.
Pode ser boa lei “para inglês ver”, mas é prisioneira da pressa e do olhar
limitado. Os resultados do ponto de vista educacional tendem a ser escassos,
quase nulos.
Tome-se como exemplo do erro na definição das
prioridades dois eventos muito próximos. A festa de sanção da reforma fiscal,
em Brasília, estava cheia e badalada. A apresentação do controle de celulares
teve uma solenidade restrita ao gabinete do presidente. A mensagem: a educação
é assunto meramente conjuntural, de governo, e não de Estado. Não se olha para
o futuro, não há estratégia de longo prazo, como nunca houve. Educação,
reafirme-se, é questão nacional. A ideia de desligar os smartphones, de deixá-los
em casa ou nas mochilas, nada resolverá. Soa como determinação contemporânea,
mas olha para o passado.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928
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