sábado, 25 de janeiro de 2025

Trump: retrocessos e incertezas - Aldo Fornazieri

CartaCapital

Negacionismo climático, macarthismo moral e religioso, imperialismo

No primeiro dia do seu segundo mandato, Donald Trump assustou o mundo com um vendaval de 78 ordens executivas, devastando pontos centrais da administração Biden. O que mais assustou não foi tanto o número de ordens, mas o significado e o conteúdo.

As medidas de maior impacto internacional foram a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde e do Acordo de Paris, a mais preocupante. No plano interno, anistiou 1,5 mil condenados pela tentativa de golpe e invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Declarou emergência nacional na fronteira com o México, iniciando um implacável ataque aos imigrantes. Instituiu a política de comércio “América Primeiro”, definiu que nos Estados Unidos existem apenas dois gêneros, masculino e feminino, mudou o nome do Golfo do México para “Golfo da América”, radicalizou a chamada liberdade­ de expressão, suprimindo qualquer regulamentação, revogou políticas favoráveis a minorias e decretos para conter o avanço sem controle da Inteligência Artificial, entre outros retrocessos.

Foi tão avassalador que adotou uma medida claramente inconstitucional. Com um decreto, pôs fim à cidadania por direito de nascença no solo norte-americano, protegida pela Constituição. Mudar a Constituição dos EUA é muito difícil e nem de longe o presidente tem força política para acabar com esse direito. De qualquer forma, travará uma briga nos tribunais.

As medidas e os discursos nas cerimônias de posse não têm um sentido único. No plano internacional, e considerando medidas contracionistas adotadas no primeiro mandato, Trump parece adotar uma política de desengajamento global e de abandono e até hostilidade em relação às organizações multilaterais. Nesse sentido, desconstrói a política de hegemonia imperial que os Estados Unidos desenvolveram desde o trânsito do século XIX para o século XX. Isso implica que Washington sob Trump dará pouca importância a alianças basea­das em valores e compromissos com a democracia liberal ocidental.

De forma ambígua, ao mesmo tempo parece querer viabilizar um expansionismo doméstico. É esse o sentido de suas investidas em relação ao Canal do Panamá, Groenlândia, Canadá e até do México. Segue a velha Doutrina Monroe, projetada pelo presidente James Monroe por volta de 1823. Quer dizer: Trump não vai engajar-se em outras partes do mundo, mas não permitirá que ninguém interfira no seu quintal.

Parece ainda querer restaurar outra política do passado numa nova ordem internacional: reconhecer que as grandes potências têm direito a zonas ou esferas de influência. Essa política pode até estar em linha com as ambições da Rússia e da China. No primeiro caso, uma possível saída para a guerra da Ucrânia seria a concessão de parte do território à Rússia. No caso da China, caberia a ela resolver o problema de Taiwan. Mas ao mesmo tempo que indica aceitar a política de esferas de influência, emite sinais de que apoiará, mundo afora, governantes, partidos e movimentos de extrema-direita.

Para Trump, a América Latina, incluindo o Brasil, tem pouca importância. A questão de maior interesse é a forte presença comercial da China. O conflito com Pequim parece, contundo, ser menos comercial, mas acerca de quem liderará a corrida tecnológica. Não por acaso, Trump cercou-se dos donos das big techs e anunciou vultoso investimento em IA. Esses bilionários foram elevados à condição de chefes de Estado privados.

Trump fez várias declarações de que adotará políticas comerciais protecionistas. Até que ponto avançará com isso é algo a se ver. Especialistas dizem que uma das consequências seria o aumento da inflação.

Tudo indica que os Estados Unidos serão varridos por uma forte onda conservadora, impulsionada por setores religiosos evangélicos e por supremacistas brancos. As minorias serão perseguidas, até mesmo com violência. Com o comunismo morto, Trump, os evangélicos e os supremacistas brancos adotarão uma espécie de furioso macarthismo moral e religioso.

A medida mais preocupante é a retirada do Acordo de Paris. Com uma crise ambiental cada vez mais apocalíptica e com os governos omissos, a forte recarbonização dos EUA e o negacionismo oficial provocarão danos irreparáveis.

Queira-se ou não, Trump, com todo seu radicalismo conservador, com todo seu voluntarismo desorganizador, terá de ser aceito interna e internacionalmente como um ator de fato e como um perturbador legitimado pelas urnas. Somente o crescimento da resistência interna poderá impor limites. Todos os norte-americanos democratas, civilizados e progressistas têm a tarefa de começar a construir desde já um caminho que leve a uma derrota do trumpismo na renovação da Câmara e no Senado nas eleições de meio de mandato. •

Publicado na edição n° 1346 de CartaCapital, em 29 de janeiro de 2025.

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