sábado, 25 de janeiro de 2025

Presidente imperialista – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Se Trump fizer tudo o que anunciou, haverá um enorme tumulto na economia, dada a esperada reação dos países punidos

Panamá é um país pequeno, de 4,5 milhões de habitantes, PIB modesto de US$ 84 bilhões. A moeda corrente lá é o dólar americano. Não tem Exército, apenas forças policiais. E uma riqueza preciosa, o canal de 82km que liga o Pacífico e o Atlântico — rota essencial para o comércio global.

De outro lado, os Estados Unidos, superpotência com 1,5 milhão de soldados nas Forças Armadas. E, desde o dia 20, um presidente classificado pela revista The Economist como imperialista no comando de uma Presidência imperial, Donald Trump. Pois esse presidente, no solene discurso de posse, afirmou:

— Vamos tomar de volta o Canal do Panamá.

Questionado a respeito, o presidente panamenho, José Raúl Mulino, tratou de desclassificar a ameaça:

— Fala sério! — respondeu, tentando parecer irônico.

Muitos analistas já mostraram um dos estilos preferidos de Trump: ameaçar, introduzir propostas absurdas, então negociar e cantar vitória. Se for o caso, ele exigirá do governo panamenho tratamento privilegiado aos navios americanos: tarifas menores, direito preferencial de passagem, vantagens em relação a todos os outros. É o que se deduz das suas queixas. Diz que o Canal é controlado pelos chineses (falso) e que os navios americanos são prejudicados (falso também).

Mas, como a verdade não é um critério válido para Trump, não adiantará nada Mulino argumentar que os navios de todas as bandeiras têm tratamento igual e que essa é a atitude comercial correta. Trump quer vantagens e, se quiser mesmo, toma o Canal em um dia de operação militar. Então, como fica Mulino quando conversar, na semana próxima, com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio?

É mais ou menos essa a sensação de todos os governantes que, mais dia, menos dia, terão de se acertar com Trump. Não apenas nas questões territoriais, mas sobretudo nas políticas e econômicas. Tarifas de importação, por exemplo. Trump disparou várias ameaças: cobrar 25% dos produtos importados de México e Canadá, 60% dos chineses e nada menos que 100% dos países do Brics, caso insistam em tentar escapar da órbita americana e do “poderoso dólar”.

Neste ano, o Brasil exerce a presidência do Brics. A diplomacia do presidente Lula tem tentado justamente fortalecer o Sul Global e incentivar os países do grupo a fazer trocas comerciais em moedas locais. A China está no Brics. E tem sido alvo de sinais contraditórios. Num momento, Trump trata os chineses como ameaça. Depois, convida Xi Jinping, para a posse e declara ter boas relações com ele. A Rússia também integra o Brics — e foi alvo de uma ameaça nova: ou faz a paz com a Ucrânia, ou também será punida com tarifas de importação e outras restrições.

Como Trump também afirmou que taxará os produtos dos aliados europeus, governantes mundo afora ficam no dilema: o que é sério? O que é “só” ameaça? Onde está o ponto de negociação? Não é um dilema tão crucial quanto o do presidente Mulino — serei ou não invadido? —, mas é grave.

Se Trump fizer tudo o que anunciou, haverá enorme tumulto na economia mundial, dada a esperada reação dos países punidos. Comércio global travado, em meio a uma guerra de tarifas e restrições de todas as partes, provocará inflação e baixo crescimento, se não recessão. Os mercados se prepararam para o pior. Se tarifas e protecionismo geram inflação nos Estados Unidos, isso significa que o Fed, o banco central, não poderá mais reduzir a taxa básica de juros. Juros altos nos Estados Unidos fortalecem o dólar e, pois, enfraquecem as demais moedas.

Mas, como as tarifas não saíram de imediato, o mercado aliviou. Moedas emergentes, inclusive o real, se fortaleceram. Para complicar, saiu outra ameaça. Trump disse que “exigirá” a queda dos juros. O presidente do Fed, Jerome Powell, comentou:

— O presidente dos Estados Unidos não tem o poder legal de demitir o presidente do Fed.

Este é o ponto: como serão contidas as ameaças de Trump, dentro e fora dos Estados Unidos? Serão?

 

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