O Estado de S. Paulo
Se um vídeo causa tamanha turbulência no modo
como o governo enfrenta as manobras oposicionistas e se relaciona com a
sociedade, o que se pode esperar daqui em diante?
Dois mil e vinte e cinco começou naquela
modorra típica do verão. Eis que de repente o barco virou, abalando o governo
brasileiro. Um vídeo provocador, disparado pelo deputado Nikolas Ferreira nas
redes, foi assistido em questão de minutos por milhões de pessoas. Quando o
governo tentou reagir, já era tarde. A mensagem oposicionista se espalhou. Dias
depois, o governo respondeu, exalando indignação contra o autor do vídeo e seus
correligionários.
A mensagem do deputado, ainda que hiperbólica e cheia de falsidades, foi eficiente, direta e clara: acusava o governo de esconder a verdadeira intenção de taxar as transações via Pix, hoje a forma dominante de remessas e pagamentos nas faixas de baixa e média renda. Combatia uma diretriz técnica que havia sido de fato cogitada, em sintonia com a gestão econômica prevalecente. O vídeo fez manobra maliciosa, mas dentro do jogo político usual. Explorou o sentimento popular de duvidar da sinceridade governamental. Forçou o governo a rever a diretriz aprovada.
Foi um recuo preocupante do ponto de vista
governamental. Se um simples vídeo causa tamanha turbulência no modo como o
governo enfrenta as manobras oposicionistas e se relaciona com a sociedade, o
que se pode esperar daqui para frente? A reação tardia mostrou fraqueza em vez
de força.
É fato que o governo não conta com a
confiança da população. É como se a voz governamental não fosse ouvida, ou
somente o fosse de modo negativo. Se o governo fala que não vai taxar ou
aumentar impostos, as pessoas interpretam a comunicação como um subterfúgio
para que se faça precisamente o contrário. Traduzem a mensagem como simulação,
ou simplesmente como mentira.
No mundo todo os governos oscilam em
popularidade, não agradam, a desconfiança é geral, as pessoas veem os
governantes como operadores prontos para prejudicá-los e sequestrar-lhes o que
conseguem juntar. Por essa via, crescem os “anarquistas” e a extrema direita
populista. Não é diferente no Brasil.
Entre nós, pesam ainda outros fatores: a
desorganização político-social, a prevalência de um Congresso que não deseja
controlar os excessos do Executivo, mas encurralá-lo e impedi-lo de agir, a
força real e midiática dos agentes financeiros, a falta de um rumo (uma narrativa)
que interpele a sociedade. Tudo isso joga contra um governo que ainda dialoga
com o passado, quando Lula da Silva flutuava nas alturas e o mundo era mais
simples. O próprio presidente ensaiou uma autocrítica, quando disse que “o povo
de hoje não é o povo dos anos 1980, que queria ter emprego com carteira
assinada. É um povo que está virando empreendedor e precisamos aprender a
trabalhar com ele”.
O decisivo é levar isso à prática e ao mesmo
tempo cuidar de todos os demais assuntos de Estado. A situação exigiria um
governo assentado sobre uma pluralidade consistente de forças e um aparato
técnico capacitado. Hoje, o que existe é um governo composto conforme as
conveniências, que nem sequer conta com um partido coerente de sustentação.
O governo brasileiro não anda atento ao que o
rodeia. Não é competente na comunicação, no uso das redes sociais e das demais
ferramentas digitais. Utiliza-as tão somente para “agitar”. Faltam dois anos
para o seu término, mas ele se movimenta com lentidão e tibieza, muito mais
pelas sendas da propaganda do que da comunicação pública.
É fácil demonizar as redes e seus
proprietários (Mark Zuckerberg, Elon Musk), como se fossem os responsáveis
pelos ataques sofridos pelo governo. A aproximação da Meta e do X a uma figura
como Donald Trump é preocupante, mas os frutos que eventualmente vier a
produzir não asfixiará o governo de um país como o Brasil. As redes já bagunçam
a cabeça de seus usuários sem a articulação trumpista. É péssimo que os
proprietários deixem de checar fatos e informações, que rapidamente podem virar
desinformação. Mas isso não faz com que as redes derrubem um governo ou o
impeçam de governar.
O que caberia é o governo melhorar sua
interação com as redes, agir mais como “educador público”, disseminar
orientações que ampliem a inteligência digital da população. A verdade é que o
próprio governo precisa ser educado para aprender as redes e as ferramentas
digitais.
As pessoas não abandonarão as redes, até
porque dependem delas para se comunicar e obter renda. As redes distraem e
podem imbecilizar, mas é melhor tê-las do que não as ter. Que tal, então,
facilitar e qualificar o uso das redes pela população? Que tal massificar a
internet de alta velocidade, explicar o que é a inteligência artificial,
baratear o custo dos equipamentos?
No século passado, em 1969, Caetano Veloso e
Gilberto Gil compuseram a canção Divino Maravilhoso, cujo refrão falava: “É
preciso estar atento e forte”. A expressão é mais atual do que nunca. Um
governo desatento e fraco é o caminho mais curto para um desarranjo que
alimentará nossos piores pesadelos.
A reação não cabe somente a ele, mas engloba
o conjunto dos democratas, parte dos quais podem estar atentos, mas não
conseguem acumular forças para modificar o cenário.
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