sábado, 25 de janeiro de 2025

É preciso estar atento e forte - Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

Se um vídeo causa tamanha turbulência no modo como o governo enfrenta as manobras oposicionistas e se relaciona com a sociedade, o que se pode esperar daqui em diante?

Dois mil e vinte e cinco começou naquela modorra típica do verão. Eis que de repente o barco virou, abalando o governo brasileiro. Um vídeo provocador, disparado pelo deputado Nikolas Ferreira nas redes, foi assistido em questão de minutos por milhões de pessoas. Quando o governo tentou reagir, já era tarde. A mensagem oposicionista se espalhou. Dias depois, o governo respondeu, exalando indignação contra o autor do vídeo e seus correligionários.

A mensagem do deputado, ainda que hiperbólica e cheia de falsidades, foi eficiente, direta e clara: acusava o governo de esconder a verdadeira intenção de taxar as transações via Pix, hoje a forma dominante de remessas e pagamentos nas faixas de baixa e média renda. Combatia uma diretriz técnica que havia sido de fato cogitada, em sintonia com a gestão econômica prevalecente. O vídeo fez manobra maliciosa, mas dentro do jogo político usual. Explorou o sentimento popular de duvidar da sinceridade governamental. Forçou o governo a rever a diretriz aprovada.

Foi um recuo preocupante do ponto de vista governamental. Se um simples vídeo causa tamanha turbulência no modo como o governo enfrenta as manobras oposicionistas e se relaciona com a sociedade, o que se pode esperar daqui para frente? A reação tardia mostrou fraqueza em vez de força.

É fato que o governo não conta com a confiança da população. É como se a voz governamental não fosse ouvida, ou somente o fosse de modo negativo. Se o governo fala que não vai taxar ou aumentar impostos, as pessoas interpretam a comunicação como um subterfúgio para que se faça precisamente o contrário. Traduzem a mensagem como simulação, ou simplesmente como mentira.

No mundo todo os governos oscilam em popularidade, não agradam, a desconfiança é geral, as pessoas veem os governantes como operadores prontos para prejudicá-los e sequestrar-lhes o que conseguem juntar. Por essa via, crescem os “anarquistas” e a extrema direita populista. Não é diferente no Brasil.

Entre nós, pesam ainda outros fatores: a desorganização político-social, a prevalência de um Congresso que não deseja controlar os excessos do Executivo, mas encurralá-lo e impedi-lo de agir, a força real e midiática dos agentes financeiros, a falta de um rumo (uma narrativa) que interpele a sociedade. Tudo isso joga contra um governo que ainda dialoga com o passado, quando Lula da Silva flutuava nas alturas e o mundo era mais simples. O próprio presidente ensaiou uma autocrítica, quando disse que “o povo de hoje não é o povo dos anos 1980, que queria ter emprego com carteira assinada. É um povo que está virando empreendedor e precisamos aprender a trabalhar com ele”.

O decisivo é levar isso à prática e ao mesmo tempo cuidar de todos os demais assuntos de Estado. A situação exigiria um governo assentado sobre uma pluralidade consistente de forças e um aparato técnico capacitado. Hoje, o que existe é um governo composto conforme as conveniências, que nem sequer conta com um partido coerente de sustentação.

O governo brasileiro não anda atento ao que o rodeia. Não é competente na comunicação, no uso das redes sociais e das demais ferramentas digitais. Utiliza-as tão somente para “agitar”. Faltam dois anos para o seu término, mas ele se movimenta com lentidão e tibieza, muito mais pelas sendas da propaganda do que da comunicação pública.

É fácil demonizar as redes e seus proprietários (Mark Zuckerberg, Elon Musk), como se fossem os responsáveis pelos ataques sofridos pelo governo. A aproximação da Meta e do X a uma figura como Donald Trump é preocupante, mas os frutos que eventualmente vier a produzir não asfixiará o governo de um país como o Brasil. As redes já bagunçam a cabeça de seus usuários sem a articulação trumpista. É péssimo que os proprietários deixem de checar fatos e informações, que rapidamente podem virar desinformação. Mas isso não faz com que as redes derrubem um governo ou o impeçam de governar.

O que caberia é o governo melhorar sua interação com as redes, agir mais como “educador público”, disseminar orientações que ampliem a inteligência digital da população. A verdade é que o próprio governo precisa ser educado para aprender as redes e as ferramentas digitais.

As pessoas não abandonarão as redes, até porque dependem delas para se comunicar e obter renda. As redes distraem e podem imbecilizar, mas é melhor tê-las do que não as ter. Que tal, então, facilitar e qualificar o uso das redes pela população? Que tal massificar a internet de alta velocidade, explicar o que é a inteligência artificial, baratear o custo dos equipamentos?

No século passado, em 1969, Caetano Veloso e Gilberto Gil compuseram a canção Divino Maravilhoso, cujo refrão falava: “É preciso estar atento e forte”. A expressão é mais atual do que nunca. Um governo desatento e fraco é o caminho mais curto para um desarranjo que alimentará nossos piores pesadelos.

A reação não cabe somente a ele, mas engloba o conjunto dos democratas, parte dos quais podem estar atentos, mas não conseguem acumular forças para modificar o cenário.

 

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