O Globo
Voto distrital misto reduziria os custos e a
importância do dinheiro nas campanhas. Não é uma panaceia, mas pode resultar em
melhoria
Nos últimos 20 anos, uma espécie de animal
político entrou em extinção, a ponto de hoje existirem poucos exemplares no
Congresso Nacional. Ao longo das duas últimas décadas, foram desaparecendo os
parlamentares que integravam o alto clero, uma elite que se distinguia pela
influência que tinha no Parlamento e no debate político nacional.
No Congresso de hoje, a predominância dos
parlamentares que se limitam a gerir interesses locais e setoriais é
esmagadora. Interesses não necessariamente ilegítimos, mas distantes de
qualquer consideração sobre o interesse mais amplo do país.
Para a espécie dominante no Congresso, além de jabutis em Projetos de Lei e Medidas Provisórias, importa principalmente o acesso a recursos via emendas parlamentares, cuja maior parte passou a ser de execução obrigatória, em volumes crescentes. Na coordenação da disputa por esses recursos, os presidentes da Câmara e do Senado concentraram poder e projeção. Os demais, com as exceções de praxe, são operadores de interesses — a começar pela reeleição de si mesmos — e não têm maior relevância no debate nacional.
Não há solução fácil para um problema
complexo. A degradação da representação política resulta de amplas mudanças na
sociedade, nas suas estruturas, nos seus valores e formas de comunicação. Ainda
assim, as regras do jogo importam.
O sistema eleitoral no Brasil é hostil a
candidatos que expressem correntes de opinião e pensamento. Favorece quem tenha
apoio em redes políticas locais, igrejas, corporações ou seja celebridade, de
preferência influencer. Os partidos tratam de arregimentar o maior número de
candidatos “bons de voto” para suas chapas, em geral despreocupados com
qualquer outro critério.
Sabem que o eleitor terá de escolher um entre
milhares de candidatos a deputado federal. Sabem também que a maioria logo
esquecerá o nome do escolhido. Sabem ainda que, em geral, o eleitor não liga o
candidato ao partido.
É hora de colocar em debate uma mudança do
sistema eleitoral. Os partidos precisam assumir maior responsabilidade pela
composição da chapa que apresentam ao eleitor. Também é preciso oferecer a este
melhores condições para fazer uma escolha informada sobre o candidato e o
partido a que ele pertence.
A adoção de um sistema que dê ao eleitor o
direito a dois votos — um para escolher a lista de candidatos de um partido (um
voto na lista) e outro para escolher um candidato do mesmo partido em seu
distrito eleitoral (entre poucos candidatos, facilitando a comparação) — é uma
das opções disponíveis. Ela esteve perto de ser adotada, por acordo entre os
grandes partidos da época, na primeira década dos anos 2000. Com a redução
progressiva do número de partidos, mérito da reforma política de 2017, as
condições se tornam mais propícias a um acordo que, desta vez, se concretize.
O voto distrital misto, nome por que esse
sistema é chamado, não garante o crescimento da representação parlamentar para
políticos que expressem correntes de opinião e tenham alcance nacional. Os
partidos podem decidir que seja mais eficaz eleitoralmente ordenar a lista
dando prioridade a nomes conhecidos pelo número de likes que obtêm nas redes
sociais. Mas serão cobrados por essa decisão e terão de justificá-la.
Inversamente, poderão usar a lista ordenada para reforçar sua identidade ante o
eleitorado, com candidatos que encarnem a imagem do partido e acrescentem
prestígio e credibilidade à sigla. Uma coisa é certa: o voto distrital misto
reduziria os custos e a importância do dinheiro nas campanhas.
Ele não é uma panaceia, mas pode resultar em
melhoria dos partidos e do Congresso. Com maior poder do que no passado, o
Legislativo não pode se resumir a uma câmara de vereadores federais, gestores
de interesses corporativos e fugazes influencers.
*Sergio Fausto é diretor executivo da Fundação FHC
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