sábado, 25 de janeiro de 2025

Dá para melhorar a qualidade do Congresso - Sergio Fausto

O Globo

Voto distrital misto reduziria os custos e a importância do dinheiro nas campanhas. Não é uma panaceia, mas pode resultar em melhoria

Nos últimos 20 anos, uma espécie de animal político entrou em extinção, a ponto de hoje existirem poucos exemplares no Congresso Nacional. Ao longo das duas últimas décadas, foram desaparecendo os parlamentares que integravam o alto clero, uma elite que se distinguia pela influência que tinha no Parlamento e no debate político nacional.

No Congresso de hoje, a predominância dos parlamentares que se limitam a gerir interesses locais e setoriais é esmagadora. Interesses não necessariamente ilegítimos, mas distantes de qualquer consideração sobre o interesse mais amplo do país.

Para a espécie dominante no Congresso, além de jabutis em Projetos de Lei e Medidas Provisórias, importa principalmente o acesso a recursos via emendas parlamentares, cuja maior parte passou a ser de execução obrigatória, em volumes crescentes. Na coordenação da disputa por esses recursos, os presidentes da Câmara e do Senado concentraram poder e projeção. Os demais, com as exceções de praxe, são operadores de interesses — a começar pela reeleição de si mesmos — e não têm maior relevância no debate nacional.

Não há solução fácil para um problema complexo. A degradação da representação política resulta de amplas mudanças na sociedade, nas suas estruturas, nos seus valores e formas de comunicação. Ainda assim, as regras do jogo importam.

O sistema eleitoral no Brasil é hostil a candidatos que expressem correntes de opinião e pensamento. Favorece quem tenha apoio em redes políticas locais, igrejas, corporações ou seja celebridade, de preferência influencer. Os partidos tratam de arregimentar o maior número de candidatos “bons de voto” para suas chapas, em geral despreocupados com qualquer outro critério.

Sabem que o eleitor terá de escolher um entre milhares de candidatos a deputado federal. Sabem também que a maioria logo esquecerá o nome do escolhido. Sabem ainda que, em geral, o eleitor não liga o candidato ao partido.

É hora de colocar em debate uma mudança do sistema eleitoral. Os partidos precisam assumir maior responsabilidade pela composição da chapa que apresentam ao eleitor. Também é preciso oferecer a este melhores condições para fazer uma escolha informada sobre o candidato e o partido a que ele pertence.

A adoção de um sistema que dê ao eleitor o direito a dois votos — um para escolher a lista de candidatos de um partido (um voto na lista) e outro para escolher um candidato do mesmo partido em seu distrito eleitoral (entre poucos candidatos, facilitando a comparação) — é uma das opções disponíveis. Ela esteve perto de ser adotada, por acordo entre os grandes partidos da época, na primeira década dos anos 2000. Com a redução progressiva do número de partidos, mérito da reforma política de 2017, as condições se tornam mais propícias a um acordo que, desta vez, se concretize.

O voto distrital misto, nome por que esse sistema é chamado, não garante o crescimento da representação parlamentar para políticos que expressem correntes de opinião e tenham alcance nacional. Os partidos podem decidir que seja mais eficaz eleitoralmente ordenar a lista dando prioridade a nomes conhecidos pelo número de likes que obtêm nas redes sociais. Mas serão cobrados por essa decisão e terão de justificá-la. Inversamente, poderão usar a lista ordenada para reforçar sua identidade ante o eleitorado, com candidatos que encarnem a imagem do partido e acrescentem prestígio e credibilidade à sigla. Uma coisa é certa: o voto distrital misto reduziria os custos e a importância do dinheiro nas campanhas.

Ele não é uma panaceia, mas pode resultar em melhoria dos partidos e do Congresso. Com maior poder do que no passado, o Legislativo não pode se resumir a uma câmara de vereadores federais, gestores de interesses corporativos e fugazes influencers.

*Sergio Fausto é diretor executivo da Fundação FHC

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