quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Lula tropeça, e a Faria Lima se anima – Zeina Latif

O Globo

O risco fiscal entrou no radar. Os indicadores fiscais são piores, e as reações do mercado cambial são mais tempestivas, o que alimenta a inflação

Afirmei em artigo recente que, simbolicamente, a viralização do vídeo do deputado Nikolas Ferreira, com críticas à portaria da Receita que ampliava a fiscalização sobre o Pix, seria para o governo Lula o que os protestos de 2013 foram para o governo Dilma.

A hipótese ganha musculatura à luz da queda brusca da aprovação do presidente em fevereiro, segundo o Datafolha. Explico: a aprovação de Dilma vinha em patamares elevados (55% líquido, na diferença entre bom/ótimo e ruim/péssimo), apesar do desconforto com a economia.

Não era apenas a tarifa de ônibus de São Paulo que subia; a taxa de inflação anual estava na casa de 6,5%, sendo 15% para alimentos. Os protestos de junho de 2013 provocaram um mergulho da sua aprovação (5% líquido em julho). Foi como “cair a ficha” quanto aos erros na gestão da economia.

Avalio que algo similar ocorre agora. A aprovação líquida de Lula era magra, mas estava no campo positivo, em 4% em outubro. Caiu para 1% em dezembro, possivelmente refletindo o susto com o salto do dólar para R$6,00.

Agora, depois da confusão do Pix, despencou para o campo negativo, atingindo -17%, mesmo com a revogação da portaria. Mais uma vez, caiu a ficha para a sociedade de que há problemas na política econômica.

Seria injusto colocar as políticas econômicas de Guido Mantega e Fernando Haddad no mesmo patamar, mas por outro lado, a sociedade está mais cansada e mais polarizada.

Tenho discutido que a deterioração da confiança dos players de mercado no governo vai além dos indicadores fiscais correntes e das projeções para até o final do mandato. Trata-se de uma análise que incorpora a expectativa de risco fiscal futuro. Há o medo do porvir.

Havendo ou não exagero no pessimismo, o fato é que o governo deu corda para o mau humor dos mercados. Foi uma sequência de decisões testando os limites da expansão fiscal, um risco já conhecido.

Não é só isso. Houve erros de diagnóstico. O governo acreditava que o aumento (ou “recomposição”) da arrecadação bastava para atender as regras do arcabouço fiscal e entregar as metas fiscais prometidas, sem a necessidade de conter gastos. Porém, há um teto para o crescimento das despesas (2,5% real anual) que demanda medidas para sua contenção.

Teve também erro de cálculo político ao não se considerar as resistências ao aumento da carga tributária.

Agravou-se o problema ao retomar regras do passado que elevam a velocidade de crescimento de gastos obrigatórios, tornando o Orçamento ainda mais rígido. O principal exemplo foi a volta da regra de valorização real do salário mínimo pela taxa de crescimento do PIB. No atual contexto do país, essas medidas representam grande retrocesso no desenho da política fiscal.

Ademais, houve retrocessos institucionais, como nas políticas públicas que estão fora do Orçamento.

Como se não bastasse, olhando adiante, há bombas fiscais se formando — tema da coluna na semana passada. O próximo presidente começará com um grande peso nos ombros. Enquanto isso, o mercado teme que Lula não tenha força política, ou mesmo disposição, para a empreitada.

É nesse contexto que o dólar caiu, e a Bolsa subiu com a notícia de forte queda da aprovação do presidente.

A reação do governo à baixa aprovação tem sido de reafirmar políticas públicas de cunho populista. No entanto, essa fórmula do passado, utilizada para eleição e reeleição de Dilma, é bem mais arriscada hoje. A reação negativa dos mercados é mais rápida.

Os preços de ativos demoraram para reagir ao desastre do governo Dilma. Tomando o câmbio como referência, seu comportamento só descolou da média dos emergentes (controlando pelo fato de o real ser mais volátil) em 2015, no seu segundo mandato.

E mesmo com a enorme artilharia fiscal eleitoreira (e uma dose de sorte com a estabilidade dos preços de alimentos nos meses anteriores ao pleito de 2014), a aprovação líquida na casa de 20% entregou uma reeleição bem apertada.

O risco fiscal entrou no radar dos mercados e veio para ficar. Os indicadores fiscais são piores hoje, e as reações do mercado cambial são mais tempestivas, o que alimenta a inflação. Ainda mais se, porventura, houver alguma recuperação na avaliação do governo.

Lula e o PT parecem buscar uma marca. Uma pena não ser a da pacificação na política e da promoção do debate público sobre as urgentes reformas de Estado.

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