quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Gonet afasta noção de atos preparatório e aponta insurreição - César Felício

Valor Econômico

Pela primeira vez na história do Brasil um governante é denunciado formalmente por tentativa de golpe de Estado

A chave da denúncia apresentada pelo procurador geral da República, Paulo Gonet ,contra o ex-presidente Jair Bolsonaro está na frase: "quando um presidente, que é a autoridade suprema das Forças Armadas (art.142) reúne a cúpula dessas Forças para expor planejamento minuciosamente concebido para romper com a ordem constitucional, tem-se ato de insurreição em curso, apenas ainda não consumado em toda sua potencialidade danosa". Com esse entendimento, Gonet afasta da conduta de Bolsonaro a noção jurídica de ato preparatório, que pela legislação brasileira não é crime, e a enquadra em um ato executório.

O procurador geral considera as duas reuniões que Bolsonaro teve com os comandantes das Três Forças , entre 14 de novembro e 7 de dezembro de 2022, e o seu encontro no Palácio da Alvorada com o general que chefiava o Comando de Operações Terrestres ( Coter), como passos de uma caminhada iniciada em meados de 2021, com a sua campanha contra o voto digital, e só concluída na quebradeira na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Pela primeira vez na história do Brasil um governante é denunciado formalmente por tentativa de golpe de Estado, ainda que, sobretudo na época republicana, exemplos não tenham faltado. A começar do primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, que em 1891 promoveu um autogolpe e, sem apoio militar, renunciou 20 dias depois.

O ex-presidente Bolsonaro foi enquadrado nos artigos 2 ( liderança de organização criminosa armada), 359 ( tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado) ,163 ( dano qualificado contra o patrimônio da União) e 62 ( deterioração de patrimônio tombado). São arrolados como testemunhas de seus crimes os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica e o governador do Distrito Federal.

Não existe entre seus aliados no Congresso Nacional nenhuma perspectiva de que essa denúncia não seja aceita pelo ministro relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e , convertido Bolsonaro em réu, não seja condenado pela Primeira Turma da corte. O único horizonte fora da cadeia visto pelos seus aliados é a ação do Legislativo, e foi desse tema que o próprio ex-presidente tratou ao ir ao Senado na tarde dessa terça-feira.

Dentro do próximo mês, as perspectivas de que avancem os projetos de lei prevendo anistia aos envolvidos no 8 de janeiro são bastante modestas. Há ambiente até para aprovação na Câmara dos Deputados, acredita um aliado do ex-presidente, mas não há este ambiente no Senado e somente a pressão popular poderá mover este pêndulo. Para este parlamentar, que participou do governo Bolsonaro, no momento há relativa indiferença popular. Não se sente pressão nem pela anistia, nem contra anistia, malgrado a estridência das redes sociais.

A prova dos nove virá nas manifestações convocadas para 16 de março, e há dúvidas se este sinal será dado, e dado de forma clara. Há uma disputa de bandeiras dentro da direita. A existência do debate sugere que a pressão popular pela anistia pode não ser muito efetiva, mas a instabilidade política tende a aumentar e muito.

A direita nova, que se sente forte o suficiente para depender menos de Bolsonaro, pretende dar partida ao uma campanha pelo impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo como objetivo real ampliar a superfície de desgaste do governo federal. Os defensores dessa bandeira têm dificuldade de apontar um motivo jurídico que justifique algo tão extremo como o impeachment, mas sabem que podem catalisar a impopularidade de Lula batendo na economia. Fazem parte dessa direita nova, entre outros, os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e o Partido Novo. O núcleo mais diretamente ligado a Bolsonaro não quer nem ouvir falar disso: prefere tentar fazer uma mobilização nacional a favor da anistia.

O outro vetor que pode interferir no processo de julgamento de Bolsonaro é o externo, caso os bolsonaristas enfim convençam o governo Donald Trump a influenciar nesse debate. A imprensa americana já relata diversos exemplos de intervenção de Trump na política externa alheia: pressiona a Europa como um todo a se abrir para a extrema-direita, a África do Sul a rever sua legislação fundiária e por aí vai. Não é impossível, portanto, que os Estados Unidos tentem punir o estado brasileiro para defender os interesses de uma liderança política alinhada a seus interesses. A depender de como isso seja feito, o efeito gerado pode ser o inverso: o julgamento de Bolsonaro pode avançar como um processo de reafirmação nacional.

O que pode jogar a favor de Bolsonaro é o tempo. O presidente Lula vive um momento delicado, de corrosão de sua imagem em sua base social, falta de alternativas na gestão econômica e apoio parlamentar desestruturado no Congresso. Em caso de governabilidade comprometida, outras questões jurídicas e institucionais podem surgir que releguem o caso Bolsonaro a um segundo plano. A proximidade da sucessão presidencial tornaria a condenação ainda mais difícil.

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