Correio Braziliense
O fenômeno da crescente insatisfação na era
digital não significa necessariamente que a democracia esteja em risco, mas
sugere que os padrões de governabilidade e popularidade precisam ser
reavaliados
Um debate interessante se estabeleceu no
Brasil, com cientistas políticos tentando entender os baixos índices de
aprovação do governo Lula. Pelo menos duas pesquisas importantes, Quaest e
Datafolha, apresentaram índices de aprovação de 31%, em janeiro, e 24%, em
fevereiro. Os números chamam a atenção em um contexto de relativa normalidade,
sem uma grande crise política ou econômica, de fato, acontecendo.
A ciência política tem interpretado o fenômeno a partir de uma transformação histórica e como algo "estrutural", não de conjuntura. No passado, o apoio político era, em geral, explicado por questões econômicas, isto é, benefícios sociais e aumento da renda eram imediatamente transformados em altos índices de aprovação. Agora, há as questões pós-materiais ligadas às questões culturais e de identidade. No Brasil, o crescimento do protestantismo teria fortalecido a meritocracia e a responsabilidade individual, mudando a perspectiva sobre bens gerados pelo governo. O que antes era visto com gratidão, agora seria percebido como nada além de uma obrigação.
Do ponto de vista da comunicação política,
gostaria de acrescentar outro elemento fundamental nessa equação: a
transformação do ambiente midiático. A insatisfação sempre foi parte da
democracia, mas sua organização e canalização se transformaram radicalmente com
a ascensão da mídia digital. Antes, o jornalismo atuava como mediador da
insatisfação, selecionando, enquadrando e direcionando as demandas populares.
Agora, as mídias sociais e plataformas digitais permitem que a insatisfação
flua de maneira mais autônoma, descentralizada e contínua.
Essa nova organização da insatisfação pode
ajudar a entender por que a aprovação dos presidentes tem se tornado mais
instável e, muitas vezes, mais baixa. Dados do Latinobarômetro mostram que a
insatisfação com os governos é uma tendência consolidada na América Latina,
onde a maioria dos presidentes enfrenta dificuldade em manter altos índices de
aprovação e, principalmente, se reeleger. O tempo das "luas de mel"
prolongadas com novos líderes parece ter acabado. Em países como Chile, Equador
e Colômbia, presidentes recém-eleitos rapidamente enfrentaram grandes protestos
e quedas de popularidade. Nos Estados Unidos, o fenômeno também se manifesta de
forma evidente. Pela primeira vez na história moderna, dois presidentes
consecutivos não conseguiram se reeleger: Donald Trump e Joe Biden. A
popularidade de ambos os líderes foi impactada por um cenário de polarização
intensa, amplificado pela dinâmica das mídias sociais.
Historicamente, presidentes no Brasil e nos
Estados Unidos terminavam seus mandatos com taxas de aprovação relativamente
altas. Dwight D. Eisenhower (59%), Ronald Reagan (63%) e Bill Clinton (66%)
deixaram o cargo com forte apoio popular. No Brasil, tanto FHC quanto Lula
mantiveram aprovações acima de 40% durante suas campanhas de reeleição. Em
contraste, os presidentes na era digital lutam para manter a confiança do
público. Donald Trump (34%) e Joe Biden (40%) terminaram com taxas de aprovação
historicamente baixas nos EUA, enquanto Jair Bolsonaro no Brasil mal alcançou
38% em seu ano de reeleição, com taxas de desaprovação ultrapassando 50%. A
mídia digital não apenas potencializa críticas e crises políticas, mas também
redefine o que significa governar sob constante escrutínio público.
O Brasil se encaixa nesse padrão global de
insatisfação elevada. A comparação com o passado sugere que os mesmos fatores
que antes garantiam popularidade — como estabilidade econômica e benefícios
sociais — já não são suficientes para manter altos índices de aprovação. Se o
governo Lula enfrenta dificuldades mesmo sem uma grande crise econômica, isso
está também relacionado à nova lógica da comunicação digital, que alimenta
percepções de crise constante, acelera ciclos de indignação e reduz a paciência
da sociedade com seus líderes.
O fenômeno da crescente insatisfação na era
digital não significa necessariamente que a democracia esteja em risco, mas
sugere que os padrões de governabilidade e popularidade precisam ser
reavaliados. Em um ambiente onde a insatisfação não só é mais visível, mas
também mais volátil e mobilizável, a política precisa encontrar novas formas de
responder às demandas sociais sem depender exclusivamente de ciclos econômicos
positivos. Caso contrário, veremos cada vez mais presidentes assumindo o cargo
já desgastados, enfrentando aprovações baixas e dificuldades crescentes para
manter o apoio popular.
*Professor associado de comunicação política
da PUC-Rio e professorvisitante no Centro de EstudosLatino-Americanos da
Universidadedo Arizona
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