quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Como a mídia digital está (também) redefinindo a aprovação de Lula - Arthur Ituassu*

Correio Braziliense

O fenômeno da crescente insatisfação na era digital não significa necessariamente que a democracia esteja em risco, mas sugere que os padrões de governabilidade e popularidade precisam ser reavaliados

Um debate interessante se estabeleceu no Brasil, com cientistas políticos tentando entender os baixos índices de aprovação do governo Lula. Pelo menos duas pesquisas importantes, Quaest e Datafolha, apresentaram índices de aprovação de 31%, em janeiro, e 24%, em fevereiro. Os números chamam a atenção em um contexto de relativa normalidade, sem uma grande crise política ou econômica, de fato, acontecendo.

A ciência política tem interpretado o fenômeno a partir de uma transformação histórica e como algo "estrutural", não de conjuntura. No passado, o apoio político era, em geral, explicado por questões econômicas, isto é, benefícios sociais e aumento da renda eram imediatamente transformados em altos índices de aprovação. Agora, há as questões pós-materiais ligadas às questões culturais e de identidade. No Brasil, o crescimento do protestantismo teria fortalecido a meritocracia e a responsabilidade individual, mudando a perspectiva sobre bens gerados pelo governo. O que antes era visto com gratidão, agora seria percebido como nada além de uma obrigação.

Do ponto de vista da comunicação política, gostaria de acrescentar outro elemento fundamental nessa equação: a transformação do ambiente midiático. A insatisfação sempre foi parte da democracia, mas sua organização e canalização se transformaram radicalmente com a ascensão da mídia digital. Antes, o jornalismo atuava como mediador da insatisfação, selecionando, enquadrando e direcionando as demandas populares. Agora, as mídias sociais e plataformas digitais permitem que a insatisfação flua de maneira mais autônoma, descentralizada e contínua.

Essa nova organização da insatisfação pode ajudar a entender por que a aprovação dos presidentes tem se tornado mais instável e, muitas vezes, mais baixa. Dados do Latinobarômetro mostram que a insatisfação com os governos é uma tendência consolidada na América Latina, onde a maioria dos presidentes enfrenta dificuldade em manter altos índices de aprovação e, principalmente, se reeleger. O tempo das "luas de mel" prolongadas com novos líderes parece ter acabado. Em países como Chile, Equador e Colômbia, presidentes recém-eleitos rapidamente enfrentaram grandes protestos e quedas de popularidade. Nos Estados Unidos, o fenômeno também se manifesta de forma evidente. Pela primeira vez na história moderna, dois presidentes consecutivos não conseguiram se reeleger: Donald Trump e Joe Biden. A popularidade de ambos os líderes foi impactada por um cenário de polarização intensa, amplificado pela dinâmica das mídias sociais.

Historicamente, presidentes no Brasil e nos Estados Unidos terminavam seus mandatos com taxas de aprovação relativamente altas. Dwight D. Eisenhower (59%), Ronald Reagan (63%) e Bill Clinton (66%) deixaram o cargo com forte apoio popular. No Brasil, tanto FHC quanto Lula mantiveram aprovações acima de 40% durante suas campanhas de reeleição. Em contraste, os presidentes na era digital lutam para manter a confiança do público. Donald Trump (34%) e Joe Biden (40%) terminaram com taxas de aprovação historicamente baixas nos EUA, enquanto Jair Bolsonaro no Brasil mal alcançou 38% em seu ano de reeleição, com taxas de desaprovação ultrapassando 50%. A mídia digital não apenas potencializa críticas e crises políticas, mas também redefine o que significa governar sob constante escrutínio público.

O Brasil se encaixa nesse padrão global de insatisfação elevada. A comparação com o passado sugere que os mesmos fatores que antes garantiam popularidade — como estabilidade econômica e benefícios sociais — já não são suficientes para manter altos índices de aprovação. Se o governo Lula enfrenta dificuldades mesmo sem uma grande crise econômica, isso está também relacionado à nova lógica da comunicação digital, que alimenta percepções de crise constante, acelera ciclos de indignação e reduz a paciência da sociedade com seus líderes.

O fenômeno da crescente insatisfação na era digital não significa necessariamente que a democracia esteja em risco, mas sugere que os padrões de governabilidade e popularidade precisam ser reavaliados. Em um ambiente onde a insatisfação não só é mais visível, mas também mais volátil e mobilizável, a política precisa encontrar novas formas de responder às demandas sociais sem depender exclusivamente de ciclos econômicos positivos. Caso contrário, veremos cada vez mais presidentes assumindo o cargo já desgastados, enfrentando aprovações baixas e dificuldades crescentes para manter o apoio popular.

*Professor associado de comunicação política da PUC-Rio e professorvisitante no Centro de EstudosLatino-Americanos da Universidadedo Arizona

 

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