Congresso tem dever de dar fim aos supersalários
O Globo
Levantamento do GLOBO estima em R$ 6,7
bilhões os penduricalhos que juízes receberam além do teto salarial
Na abertura do ano judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, minimizou o peso da Justiça nos cofres públicos. Afirmou que o custo dos tribunais para os contribuintes, atualmente em 1,2% do PIB (ou 1,6% se considerado o Ministério Público), é decrescente. Ora, Barroso esquece o essencial: a Justiça brasileira é, por todas as medidas disponíveis, a mais cara do mundo para a sociedade. Nos países emergentes, os tribunais custam 0,5% do PIB. Nas economias avançadas, 0,3%. Além de caríssima, a Justiça brasileira é ineficiente. O Índice do Estado de Direito, medida da percepção sobre o trabalho dos tribunais elaborada pelo World Justice Project, põe o Brasil em 80º lugar entre 142 países.
O argumento de que, em contraste com outros
países, o Brasil tem uma Constituição que judicializa toda sorte de tema —
portanto, necessariamente terá uma Justiça mais cara — não justifica os
supersalários recebidos pela elite nos tribunais e nas procuradorias, que
corresponde a apenas 0,06% do funcionalismo. Só os juízes custaram em 2024, de
acordo com levantamento do GLOBO, R$ 6,7 bilhões em auxílios e indenizações
recebidos além do teto salarial (R$ 46.266, a remuneração mensal dos ministros
do STF). Isso sem contar benefícios comuns na iniciativa privada, como
auxílio-saúde, auxílio-alimentação ou gratificação natalina. Levando tudo em
conta, o total chega a R$ 12 bilhões, ou um décimo do custo do Judiciário. Na
média de todos os tribunais do país, o pagamento acima do teto por magistrado
foi de R$ 270 mil. Isso para uma categoria que está na fatia de 1% de maior
renda no país.
A situação tem piorado. Em 18 estados
analisados pelo centro de pesquisa Justa, as despesas com tribunais, Ministério
Público e Defensoria Pública saltaram até 36% entre 2022 e 2023. Acrescentando
ao próprio salário toda sorte de “penduricalho” que possa ser considerado
“verba indenizatória”, mais de 90% dos juízes e procuradores ganham acima do
que a Constituição permite, segundo o economista Bruno Carazza. A Carta prevê
expressamente que verbas indenizatórias fiquem fora do teto salarial, mas não
define a categoria. Isso deveria ter sido feito por lei federal, mas até hoje
não foi. No vácuo, uma infinidade de decisões burla o espírito da lei com
auxílios de todo tipo, de moradia a pré-escola.
Na semana passada, em ato tão necessário
quanto raro, o ministro do STF Flávio Dino anulou decisão da Justiça Federal em
Minas Gerais que concedeu a um ex-juiz federal valores retroativos de
auxílio-alimentação. Dino faz eco a posições assumidas pela ex-ministra Rosa
Weber e pelo ministro Gilmar Mendes contra tais abusos. É mais que bem-vindo o
desafio à postura corporativista do Judiciário, que só tem contribuído para
agravar as distorções.
Chegou a hora de o Brasil enfrentar de forma
sistemática os desvarios. É papel dos congressistas fazer valer o limite legal
para remuneração do funcionalismo. Infelizmente, em dezembro, o Congresso
promulgou uma emenda constitucional mantendo os supersalários inalterados até a
lei regulamentar as verbas fora do teto. Venceu o lobby da elite do
funcionalismo, perdeu o país. O governo promete para este ano um Projeto de Lei
sobre o assunto. Executivo e Legislativo têm o dever de dar um fim aos
supersalários e à farra dos auxílios extrateto.
Criação de força armada municipal no Rio é
uma iniciativa acertada
O Globo
Novos agentes deveriam ser obrigados por lei
a usar câmeras nas fardas, como outras corporações
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD),
apresentou à Câmara de Vereadores o projeto para criar uma força municipal
armada com foco no combate aos roubos na capital fluminense. É iniciativa
oportuna diante da insegurança que aflige os cariocas. Em entrevista ao GLOBO,
Paes afirmou que a Força Municipal de Segurança não combaterá tráfico e
milícia, nem participará de operações em comunidades, como as polícias Militar
e Civil. O plano, diz ele, é que faça “policiamento preventivo comunitário” nas
áreas com maior incidência de roubos de celulares ou veículos. “A ideia é
liberar a PM de certas tarefas que ela tem hoje para cumprir missões mais
complexas”, afirmou.
Pelo projeto da prefeitura, a nova força, que
será independente da Guarda Municipal, terá 4,2 mil agentes, recrutados de
preferência entre militares da reserva das Forças Armadas, com salário inicial
de R$ 13,3 mil. A meta, segundo o vice-prefeito Eduardo Cavaliere, é treinar
600 guardas por semestre. A prefeitura diz que tentará colocar os primeiros na
rua ainda neste ano, mas reconhece que a estreia poderá ficar para 2026.
Não se duvida da necessidade de um
policiamento comunitário no Rio, especialmente nas áreas de maior incidência de
crimes. A exemplo de moradores de outras cidades do país, os cariocas estão
alarmados com a violência.
Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, enquanto os
homicídios na capital caíram 5,5% em 2024 em relação a 2023, os roubos subiram
(de veículos, 40,4%; de celular, 40,1%; de carga, 24,3%; a pedestres, 4%). Por
fazerem parte do cotidiano das cidades, roubos de rua costumam ter impacto na
sensação de insegurança.
Seria imperativo que a nova corporação
adotasse desde o início câmeras nas fardas. Por enquanto, isso não está
previsto na proposta. Seguindo tendência de outros países, câmeras acopladas
aos uniformes já são adotadas em maior ou menor grau em pelo menos dez estados
do Brasil, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Estudos mostram
que o equipamento tem sido importante para tornar operações e abordagens mais
eficazes. As gravações protegem tanto cidadãos quanto policiais. São essenciais
nas investigações sobre suspeitas de uso excessivo da força ou de acusações
infundadas contra agentes. O uso de câmeras seria útil, pois uma simples
abordagem pode originar conflito.
A chegada do projeto à Câmara, onde passará
por comissões e audiências públicas, é uma oportunidade para discutir a adoção
das câmeras corporais. É preciso considerar que, em contraste com os guardas
municipais, os novos agentes andarão armados e atuarão em áreas de grande
circulação. Terão, portanto, responsabilidade maior. Reforçar o policiamento
ostensivo num momento em que a violência acua moradores é iniciativa acertada.
É essencial dotá-la de instrumentos modernos para que as ações ocorram dentro da
lei, com total transparência.
Commodities determinam grandes saldos
comerciais
Valor Econômico
Países que compram produtos industriais brasileiros deslocaram sua demanda para os concorrentes chineses, às voltas com superprodução em vários segmentos da economia
A América Latina sumiu do mapa dos países com
os quais o Brasil obtém seus maiores saldos comerciais. A Argentina,
tradicional parceiro, mais Chile e México figuravam em 2023 entre os que
propiciavam os dez maiores superávits brasileiros. Foram substituídos no ano
passado por países do Oriente Médio e da Ásia, basicamente pelas compras de
commodities do Brasil. O resultado total do comércio exterior produziu um
superávit de US$ 74,6 bilhões no ano passado, 25% menor que em 2023, mas, ainda
assim, o segundo maior da série. Esse bom desempenho, no entanto, não encobre
fragilidades conhecidas.
A área natural de trocas econômicas do
Brasil, maior economia da região, são seus vizinhos - e deixou de ser. Eles
estavam entre os principais compradores de bens manufaturados, mas estão
adquirindo menos, seja por problemas domésticos, como é o caso evidente da
Argentina, seja porque os produtos brasileiros passaram a ser substituídos, já
há algum tempo, por importações da China. A complexidade tecnológica das
exportações brasileiras, um dos fatores com que se pode medir o grau de
competitividade de um país, tem diminuído constantemente. O avanço das vendas
externas de commodities supre a lacuna da vulnerabilidade das vendas
industriais de maior valor agregado, como mostram os números da balança
comercial. Mas isso tem um preço.
Na balança comercial, os saldos positivos
continuam muito concentrados. Mais de dois terços do superávit total em 2024
foi obtido com apenas quatro países - China, Holanda, Cingapura e Espanha. Só o
saldo com a China foi de 41,4% do total (em 2023 fora maior, de 51,7%). Outro
exemplo de concentração: 75% do que a China importa são soja, petróleo e
minério de ferro.
O fôlego exportador perdeu algum ímpeto, logo
depois do desempenho recorde de 2023, e veio acompanhado de um aumento vigoroso
das importações, decorrente do compasso acelerado da economia. Os bens
agrícolas tiveram alguma redução de quantidade, devido a problemas climáticos,
e o minério de ferro teve preços um pouco menores. O déficit industrial, no
entanto, subiu. Alguns mercados reduziram muito o consumo de manufaturados,
como a Argentina, que passou por grave recessão no ano passado, mas outros
fatores interferiram. Países que compram produtos industriais brasileiros
deslocaram sua demanda para os concorrentes chineses, às voltas com
superprodução em vários segmentos da economia.
A baixa competitividade da indústria
brasileira faz com que o país dependa cada vez mais das commodities. As
exportações da indústria de transformação somaram 54% do total do Brasil
vendido ao mundo, mas as importações em alta trouxeram um déficit do setor de
US$ 56,9 bilhões, segundo cálculos do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (Iedi). Por outro lado, vendas da agropecuária,
mineração e pesca asseguraram um saldo positivo de US$ 131,4 bilhões.
O Iedi classifica os bens nas categorias de
alta, média-alta, média, média-baixa e baixa tecnologia. Os bens da indústria
de transformação, como são intensivos em tecnologia, são enquadrados como alta
e média-alta, e eles apresentaram no ano passado um resultado negativo de US$
123,8 bilhões. Os de média-baixa e baixa tecnologia, que englobam bens
industriais e commodities, foram superavitários em US$ 192,2 bilhões. Na
indústria de transformação são também computados como exportações celulose,
carnes, açúcar, açúcares, farelo de soja, óleos combustíveis, fruto de
processamentos, com maior ou menor grau de complexidade, de commodities
agrícolas ou minerais.
Apesar do robusto superávit comercial, a
balança de bens de alta intensidade teve déficit de US$ 45,8 bilhões, segundo o
Iedi o maior da série em dólares correntes. As vendas ao exterior não deixaram
de crescer (subiram 11,4%), performance atribuída basicamente aos produtos da
indústria aeronáutica, que também importa muito, contribuindo com 39% do saldo
negativo - o restante veio do avanço das compras de bens do complexo eletrônico
e farmacêutico.
Os produtos de média-alta intensidade não
foram muito melhor. Registram saldo negativo de US$ 78 bilhões, o segundo maior
da série e o maior déficit nas cinco categorias de intensidade tecnológica. Os
bens de média tecnologia tiveram superávit de US$ 5,6 bilhões, que foi o menor
desde 2020, com queda de 4,2% nas exportações e alta de 9,7% nas importações.
Independentemente de conceitos - uma boa
parte dos especialistas atribui alto uso de tecnologia na produção de
commodities - o problema maior está, há um bom tempo, na competitividade da
indústria, tradicionalmente a maior impulsionadora dos ganhos de produtividade,
dos melhores salários e dos melhores empregos na economia. Quanto mais restrito
o ímpeto exportador de manufaturados, menores serão os avanços de produtividade
e maiores as chances de que percam espaço em seu próprio mercado doméstico. A
proteção tarifária, que favorece em muitos casos a ineficiência, será cada vez
menos capaz de barrar as importações.
Lula faz demagogia ao criticar preço dos
combustíveis
Folha de S. Paulo
Presidente diz que intermediários são
responsáveis por 'assalto' contra consumidores, mas gasto público gerou
inflação
Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) alardeia ter
descoberto um modo de diminuir o preço dos combustíveis. Basta
acabar com os "intermediários", que distribuem e revendem esses
produtos, os responsáveis pelo "assalto" do povo. Além do mais, o
valor pago nas bombas pouco teria a ver com a Petrobras e
com o governo federal, já que os estados cobram impostos.
Não se sabe se Lula acredita nessa
propaganda, mas parece crer que, assim, tiraria das costas o peso do desgosto
popular com a inflação. Atormentado
pela baixa inédita de sua popularidade, o presidente se esquiva de suas
responsabilidades.
Há quase um mês, afirmou que tomaria medidas
para reduzir os preços dos alimentos, sem apresentar providência. Vaticina
que os pobres logo terão mais "dinheiro na mão". Antecipa que o Banco Central baixará
a taxa Selic,
assunto sobre o qual não tem ou não deveria ter ingerência.
A pretexto de esclarecer "o povo",
Lula difunde informação falsa. Com o objetivo de causar indignação, o petista
disse que o diesel deixa as refinarias da Petrobras a R$ 3,03 por litro e é
vendido por quase o dobro nos postos —a R$ 6,47, na média, segundo levantamento
da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Na tabela publicada pela própria Petrobras,
com base em dados da ANP, a parcela da petroleira no preço médio final é de
46,8%. O de impostos estaduais, 17,3%; os federais, 4,9%. A mistura de
biodiesel custa 12,5% do total. Distribuição e revenda, 18,4%.
O presidente abrirá mão do imposto federal ou
forçará estados a fazer isso, como fez Jair Bolsonaro (PL)? Em seu governo,
Lula voltou a tributar o combustível e ofereceu compensações aos estados pelas
perdas de arrecadação.
O mandatário prega intervenção estatal na
distribuição e revenda de combustíveis. Pediu à Petrobras que se encarregasse
da tarefa. Parece achar que os custos de logística, armazenagem, transporte,
negociação e administração assim desapareceriam.
Talvez Lula esteja a dizer que há cartéis ou
distorções na distribuição e na revenda. Tomou alguma atitude a respeito ou ao
menos solicitou estudos a fim de verificar problemas nesse mercado?
Não há notícia de tais iniciativas. Restam
fantasias desinformadas, arengas demagógicas e insinuações de intervenção
estatal daninha. Lula queria retomar o poder sobre a Eletrobras,
empresa que teve graves prejuízos com o aparelhamento em governos petistas,
assim como no caso da Petrobras e dos Correios, para citar os mais
escandalosos.
Desnorteado, o presidente reabre o baú de
palavras vazias e ensaia intervenções equivocadas. Teme-se que o governo tente
evitar um possível desaquecimento da atividade econômica com medidas populistas
e mais gastos, que estão na raiz do dólar caro que pressiona tanto os alimentos
quanto os combustíveis.
Espera-se que Lula tenha clareza dos riscos
dessa estratégia para seu futuro político.
Rio aos 44 graus é mais um alerta para conter
emissões
Folha de S. Paulo
Eventos extremos evidenciam projeções sobre
crise do clima; é preciso implementar o Acordo de Paris e plano de adaptação
Em 1955, Nelson Pereira dos Santos lançou o
filme "Rio 40 Graus". Houve na época quem considerasse exagero tal
temperatura, que 70 anos depois parece se tornar fenômeno corriqueiro com o
planeta assolado pelo aquecimento global.
Guaratiba, na zona oeste da capital,
registrou 44ºC na segunda (17), a
maior marca da série histórica iniciada em 2014 —o recorde anterior
foram os 43,8ºC de 18 de novembro de 2023.
Numa escala que vai até 5, foi atingido o
nível 4 de calor (quando
os termômetros indicam mais de 40ºC por três dias seguidos) no protocolo
municipal para temperaturas extremas, o que levou à abertura de 58 pontos de
resfriamento pela cidade.
Alertas
de calor extremo foram emitidos para 17 localidades do estado. No
total, o aviso seguiu para 92 prefeituras, incluindo cidades vizinhas, para
prontidão da defesa civil.
Crianças e idosos são os mais vulneráveis.
O Rio Grande do Sul viveu situação similar na
semana passada, com temperaturas em torno dos 40ºC na fronteira oeste do
estado. Agora os alertas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) são para
a ocorrência de temporais no Sul. Já na segunda-feira havia 17 cidades gaúchas
relatando danos com chuvas.
Os flagelos se repetem em linha com o
antecipado há décadas por climatologistas, impotentes contudo para motivar
medidas de governantes para adaptação de populações e infraestrutura à mudança
do clima:
uma atmosfera aquecida produziria eventos extremos —ondas de calor, estiagens
graves, inundações devastadoras, incêndios florestais— cada vez mais
frequentes.
Para tentar conter a escalada de gases do
efeito estufa, adotou-se no Acordo de
Paris (2015) a meta prudencial de manter o aquecimento médio global em
1,5ºC acima de níveis pré-industriais, no máximo 2ºC. Mas as emissões
continuaram subindo.
O ano mais quente registrado foi 2024
(+1,6ºC), com o fenômeno El Niño. Mesmo com a chegada em 2025 de La Niña, que
resfria as águas do Pacífico e usualmente arrefece o clima planetário, o mundo
teve o
mais quente janeiro medido na história.
Alguns estudos indicam que a Terra pode já
ter entrado num período sustentado de temperaturas acima de 1,5ºC, algo que só
seria declarado após ao menos uma década de observações.
Não há ainda boa explicação para o janeiro
escaldante, mas incertezas inerentes ao entendimento de sistemas climáticos
nunca foram boa razão para cruzar os braços diante de riscos prognosticados. O
tempo virou.
Bolsonaro a caminho do banco dos réus
O Estado de S. Paulo
Denúncia da PGR contra ex-presidente sob
acusação de tentativa de golpe tem de ser analisada com serenidade pelo STF.
Não pode haver dúvida sobre um processo que tende a sacudir o País
A Procuradoria-Geral da República (PGR)
ofereceu denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 33 suspeitos
de envolvimento numa suposta trama golpista para impedir a posse do presidente
Lula da Silva, legitimamente eleito em 2022. Todos foram acusados pelo
procurador-geral, Paulo Gonet, de terem cometido os crimes de organização
criminosa, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, entre outros delitos. Somadas, as penas podem chegar a
quase 30 anos de prisão.
O Estadão apurou que, no caso de
Bolsonaro, Gonet concluiu que o ex-presidente não só tinha conhecimento da
sedição, como tomou a frente das articulações para dar um golpe e, assim,
permanecer no poder.
O oferecimento da denúncia já era esperado à
luz do robusto conjunto de elementos de autoria e materialidade contra os
acusados reunidos pela Polícia Federal (PF). O momento, no entanto, é de
serenidade, a bem da própria Justiça, já que se trata de um processo que tende
a sacudir o País. Em que pesem a gravidade da acusação e a substância desse
arcabouço probatório – ao menos o conteúdo que veio a público até o momento –,
é o caso de lembrar que nem Bolsonaro nem os demais denunciados ainda são réus,
que dirá culpados de qualquer dos graves crimes que lhes foram imputados pela
PGR.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) – composta pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes,
Cristiano Zanin e Flávio Dino – ainda decidirá se aceita ou não a denúncia, o
que determinará o início de uma eventual ação penal. Só então os denunciados
deixam essa condição para se tornarem formalmente réus.
Embora não integre a Primeira Turma, o
ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou em entrevista que a
Corte selará o destino penal de Bolsonaro “com seriedade, examinando provas”. É
o que este jornal espera, e não de agora, de qualquer juízo ou tribunal. Mas é
forçoso dizer, evidentemente, que Barroso só disse o que disse para responder
às justas críticas que têm sido feitas à notável politização do Supremo.
Obviamente, o mínimo que se pode esperar do
julgamento de Bolsonaro e dos outros acusados é que ele seja mesmo
despolitizado, vale dizer, que o processo seja conduzido com rigor técnico.
Todavia, o simples fato de esse anseio elementar ter de ser externado diz muito
sobre o contexto que envolve o caso mais importante sob a guarda do Supremo em
2025. Se para todo julgamento a aura de equidade e retidão dos julgadores não
pode ser tisnada sem que todo o processo seja comprometido, essa verdade é
particularmente relevante no julgamento de um ex-presidente acusado de tramar
um golpe de Estado.
Foi o próprio sr. Barroso, convém lembrar,
quem alimentou essa desconfiança ao se colocar pessoalmente como um dos
responsáveis por “derrotar o bolsonarismo”. Quando admoestado no exterior –
indevidamente – por um bolsonarista, Barroso repeliu a abordagem com o hoje
famoso bordão “perdeu, mané”.
Essa atmosfera de desconfiança na atuação do
STF no que concerne à denúncia contra Bolsonaro foi diligentemente cultivada
pela Corte – e só por ela há de ser dissipada. Para isso, é fundamental que
agora o Supremo se ocupe da denúncia com técnica e temperança, não se deixando
arrastar por pressões políticas ou ideológicas externas e, sobretudo, internas.
As desventuras da Operação Lava Jato, movida pela crença messiânica de que
trabalhava pela regeneração nacional, devem servir de exemplo do que acontece
quando a exceção se torna regra e, em nome da luta contra o mal – seja a
corrupção, seja o golpismo –, o Judiciário se permite ignorar o devido processo
legal.
O que está em jogo, ao fim e ao cabo, não é
apenas o futuro de Bolsonaro, mas também a própria credibilidade do sistema de
Justiça. Disso depende o vigor e a legitimidade da duríssima resposta que deve
ser dada a todos os que tentaram solapar a democracia brasileira.
O pior cego
O Estado de S. Paulo
Pesquisas mostram que cresce na população a
percepção de um ecossistema cada vez mais profícuo para a corrupção. Mas o
governo está mais preocupado em recriminar os mensageiros
O Brasil atingiu sua pior colocação no Índice
de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional (TI), caindo da
69.ª posição, com 43 pontos (numa escala de integridade de 0 a 100) no início
da série histórica em 2012, para a 107.ª (entre 180 países), com 34 pontos.
Como já virou rotina, o governo, via
Controladoria-Geral da União (CGU), abriu fogo contra o mensageiro. “Conversa
de boteco”, desdenhou o ministro Vinícius Marques, cobrando a TI por aquilo que
ela não promete: um índice de ocorrência da corrupção. A ironia é que esse
mesmo índice ora espinafrado pelo governo de Lula da Silva foi considerado
confiável e pertinente pelos petistas quando apontou problemas nos governos de
Michel Temer e de Jair Bolsonaro.
A corrupção é, por natureza, um crime
elusivo. Assassinatos ou roubos são facilmente mensuráveis, ainda que os
criminosos não sejam identificados ou punidos. Mas, quanto mais competentes os
corruptos, mais invisíveis são seus crimes.
Por isso, o IPC cruza dados de 13
organizações internacionais reputadas com enquetes com lideranças jurídicas,
empresariais e acadêmicas para medir a “percepção”. Não que ela seja uma mera
emoção sem esteio objetivo. Fatores como arbitrariedade e falta de
transparência criam um ecossistema fértil à ilicitude. Interpretando as
percepções dos especialistas, o relatório da TI elenca condições concretas de
risco ou probabilidade de corrupção, ou seja, o cardápio de “ocasiões” que
fazem os ladrões. Em 2024, muitas foram gestadas no Executivo, Judiciário e
Legislativo.
O loquaz presidente Lula da Silva não só
cultiva um silêncio ensurdecedor sobre a pauta anticorrupção, como concertou
com o Congresso o fortalecimento das emendas ao Orçamento – uma usina de
irregularidades –, omitiu-se diante de indícios de desvios na Codevasf e de mau
comportamento de seu ministro das Comunicações, premiou com benefícios
bilionários os irmãos Batista – outrora relacionados a cabeludos casos de
corrupção –, interferiu na gestão de estatais para acomodar apadrinhados, bateu
recordes de negativas a pedidos de acesso à informação e mantém nas sombras as
operações do “Novo PAC”.
Para a surpresa de ninguém, a TI constata que
“foi no âmbito do Judiciário, em particular no STF, onde mais se avançou, em
2024, o desmonte da luta contra a corrupção”. As canetadas monocráticas de Dias
Toffoli anularam no atacado provas e multas contra centenas de criminosos
confessos condenados na Operação Lava Jato. A Procuradoria-Geral da República
apresentou recursos contra todas estas decisões, mas – emaranhados em conflitos
de interesses, espremidos entre eventos de lobistas – os ministros não encontraram
tempo para julgá-los.
Já o Congresso, mesmo se dedicando
sofregamente à legalização de cassinos e bets, encontra tempo para ampliar
com apetite pantagruélico o volume e as modalidades das emendas, que, sob uma
cortina de fumaça regimental, degradam políticas públicas, pulverizam a
corrupção e distorcem a competição democrática.
À captura do Estado por corporações
oligárquicas, some-se a infiltração cada vez mais desabrida do crime organizado
nos espaços de poder.
Em sua nota, a CGU sugere que o governo está
sendo penalizado por seu afinco no combate à corrupção, já que a “exposição de
casos e investigações impacta negativamente a percepção sobre o problema”.
Longe de reconhecer a gravidade dos fatores de risco cotejados pelo IPC, a CGU
entende que ele mesmo mina a “confiança nas instituições democráticas” ao se
embasar em pesquisas com “empresários” que não exprimem a “percepção da
população” e distorcem o debate. Faltou pouco para denunciar a TI como um
agente de desinformação da extrema direita, empenhada em atacar a democracia e
conspirar contra o governo do povo.
Ironicamente, no mesmo dia, uma pesquisa do
PoderData revelou que em um ano cresceu de 39% para 45% a parcela da população
que acha que aumentou a corrupção sob Lula; e outra da Atlas informou que as
maiores preocupações da população são, de longe, a criminalidade e a corrupção,
e entre as maiores reprovações ao governo estão, ora vejam, o combate à
criminalidade e à corrupção.
Displicência com a inflação
O Estado de S. Paulo
No Brasil, inflação nunca é algo que possa
ser relativizado, especialmente pelo ministro da Fazenda
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
acredita que a inflação esteja “relativamente” dentro da normalidade brasileira
desde o Plano Real, em 1994. “O Brasil deixou de ter uma inflação de dois
dígitos. Hoje, tem inflação entre 4% e 5%, relativamente dentro da normalidade
desde que o real foi implementado”, afirmou, ao participar de um painel na
conferência do Fundo Monetário Internacional (FMI) na Arábia Saudita.
Qualquer cidadão com mais de 40 anos tem
memória vívida dos anos de hiperinflação. Felizmente, o País deixou para trás
um período em que havia remarcações diárias de itens de supermercados, seguidas
por troca de moedas, confiscos, congelamentos e tabelamentos, iniciativas tão
conhecidas quanto fracassadas para controlar os preços. A hiperinflação deixou
traumas profundos na sociedade brasileira, e não foi por acaso que o ministro
da Fazenda que lançou um plano capaz de debelá-la foi eleito e reeleito presidente
da República na década de 1990. A população estava cansada de tanto amadorismo
e, no momento em que conheceu a estabilidade econômica, passou a defendê-la
como um valor a ser preservado.
Dito isso, não se pode dizer que a inflação
esteja dentro da normalidade quando o índice está acima da meta de 3%. Meta,
como se sabe, é para ser cumprida, e os limites inferior e superior servem para
acomodar choques. Em janeiro, o IPCA acumulado nos 12 meses ficou em 4,56%, mas
o índice teria chegado a 5,13% não fosse o bônus nas contas de luz da energia
gerada pela usina de Itaipu – uma contribuição que, aliás, não se repetirá em
fevereiro.
Ademais, o IPCA espelha uma cesta de consumo
média da população, mas há muitos itens que subiram bem mais e que pesam no
bolso das famílias mais carentes, entre eles alimentos. Não parece ser mera
coincidência, portanto, que a popularidade do presidente Lula da Silva tenha
atingido o pior nível de seus três mandatos e caído mais entre mulheres e
habitantes do Nordeste.
Inflação nunca é algo a ser relativizado, mas
é especialmente preocupante quando é o ministro da Fazenda quem o faz. O gasto
público excessivo é um motor que estimula a economia e aquece a demanda, e o
governo, quando se recusa a fazer sua parte por meio de uma política fiscal
mais austera, deixa toda a responsabilidade de conter a inflação para o Banco
Central.
A atual taxa básica de juros, em 13,25% ao
ano, é reflexo disso, e nada indica que o cenário deva melhorar no curto e
médio prazos. Mesmo com a perspectiva de que o Copom eleve a Selic a 14,25% ao
ano em março, a mediana das expectativas para o IPCA deste ano subiu pela 18.ª
semana consecutiva, para 5,60%, segundo o Boletim Focus.
Com a experiência de quem coordenou o Índice de Preços ao Consumidor da Fipe por 26 anos, o economista Heron do Carmo disse ao Estadão que projeta uma inflação de 5,5% neste ano. Mas a previsão dele depende da adoção de medidas adicionais de controle do gasto público, já descartadas pelo presidente. Nada, portanto, parece relativamente dentro da normalidade, a não ser a displicência com que governos petistas lidam com a inflação.
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