Constança Rezende / Folha de S. Paulo
Antecedentes não são bons', diz presidente do
Supremo após Senado aprovar restrição a decisões monocráticas
O presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal), Luís
Roberto Barroso, e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes
reagiram nesta quinta-feira à aprovação de PEC que
limita as decisões individuais dos integrantes da corte.
Barroso disse que a erosão das instituições em países que recentemente viveram
retrocesso democrático começou por mudanças nas supremas cortes. "Os
antecedentes não são bons", disse, em resposta à aprovação
da proposta no Senado.
Ele afirmou que o tribunal não vê razão para
mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento.
"O STF é alvo de propostas de mudanças legislativas que, na visão da
corte, não são necessárias e não contribuem para a institucionalidade do
país."
Barroso acrescentou que, em um país com
demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à
mudança climática que impacta a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os
problemas prioritários do Brasil estejam no STF.
"Até porque as mudanças sugeridas já foram acudidas, em sua maior parte, por alterações recentes no próprio regimento do Supremo."
O presidente do STF disse que o Senado e seus
integrantes "merecem toda a consideração institucional do tribunal",
assim como respeito às deliberações daquela Casa Legislativa.
Porém afirmou que a vida democrática é feita
do debate público constante e do diálogo institucional, "em busca de
soluções que sejam boas para o país e que possam transcender as circunstâncias
particulares de cada momento".
"Cabe ao Supremo fazer valer
Constituição, preservar a democracia e proteger direitos fundamentais. A
pergunta a se fazer é a seguinte: esses objetivos foram alcançados? A resposta
é afirmativa. Isso significa que o Supremo Tribunal Federal cumpriu o seu papel
e serviu bem ao país. Não há por que alterar o que vem funcionando bem",
disse.
Barroso também ressaltou que, nos últimos
anos, o STF enfrentou o negacionismo em relação à pandemia, "salvando
milhares de vidas, o negacionismo ambiental, enfrentando o desmatamento da
Amazônia e a mudança climática, bem como funcionou como um dique de resistência
contra o avanço autoritário".
Também falou que, por essa atuação, o
tribunal sofreu ataques verbais e "a criminosa invasão física que
vandalizou as instalações da corte", referindo-se ao 8 de
janeiro.
"Após esses ataques verbais e físicos, o
tribunal vê com preocupação avanços legislativos sobre sua atuação. Nos últimos
35 anos, o Brasil viveu situações institucionais complexas, que em outros
tempos teriam levado à ruptura constitucional e democrática: crises econômicas,
inflação descontrolada, escândalos de corrupção e dois impeachments. Apesar de
tudo o que ocorreu, o país preservou a estabilidade institucional e a
democracia", disse.
Já Gilmar Mendes disse
que o STF "não irá submeter-se ao tacão autoritário, venha de onde ele
vier, ainda que escamoteado pela representação de maiorias eventuais".
"As ditaduras são sempre deploráveis, e
elas podem existir tendo como marco o Executivo ou, também, o Legislativo.
Estou certo de que os autores desta empreitada começaram-na travestidos de
estadistas presuntivos, e a encerram, melancolicamente, como inequívocos
pigmeus morais."
Ele também disse que a medida é "a
ressurreição de um cadáver outrora enterrado" e que já havia sido
rejeitada pelo parlamento em 2020.
Afirmou ainda que o STF não se curvou à
ditadura militar e não sucumbiu ao populismo iliberal responsável pelo trágico
8 de janeiro e que a separação de Poderes é cláusula pétrea e não pode ser
objeto de emenda constitucional.
"O fato é que este STF, sempre atento às
suas responsabilidades institucionais e ao contexto que o cerca, está preparado
para enfrentar, uma vez mais e caso necessário, as investidas desmedidas e
inconstitucionais provenientes, agora, do Poder Legislativo", afirmou.
Alexandre
de Moraes disse que o aprimoramento das instituições são importantes e
instrumentos da democracia, "mas não quando escondem insinuações,
intimidações e ataques à independência do STF" e que a corte não é
composta de covardes nem de medrosos.
"Tenho absoluta certeza que, sob a
presidência de vossa excelência [Barroso], o STF demonstrará coragem na defesa
da garantia do poder judicial, não em favor do tribunal, ou de juízes e juízas,
mas da sociedade."
A PEC (proposta de emenda à Constituição) foi
aprovada com 52 votos a 18, de 49 que eram necessários. O texto agora segue
para avaliação da Câmara dos Deputados. No Senado, o líder
do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), votou a favor da proposta.
A PEC define que as chamadas decisões
monocráticas não podem suspender a eficácia de uma lei ou norma de repercussão
geral aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República —para
isso, obriga que haja decisões colegiadas.
Foram ajustados alguns trechos do texto
original, com a retirada, por exemplo, de um ponto que limitava o pedido de
vistas em julgamentos —uma vez que a ex-ministra Rosa Weber já
alterou o regimento do Supremo para restringir este dispositivo, que acabava
postergando as decisões da corte.
Outra mudança que atenuou a proposta original foi a exclusão do escopo da PEC das decisões da Presidência da República, como decretos ou nomeações, que estavam previstas inicialmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário