Folha de S. Paulo
Por trás do discurso contra o 'ativismo',
quer-se garrotear a atividade do STF
"Ativismo
judicial" é um termo que não sai de moda. No Brasil,
consolidou-se como um rótulo associado a um viés pejorativo, como se a
expressão galvanizasse tudo o que o Poder Judiciário não deve fazer.
Nesse contexto, a PEC
08/2021, aprovada na quarta-feira (22) no Senado, se
declara como instrumento de controle do que nomeia de "ativismo
errático" de ministros do Supremo Tribunal
Federal. O ponto de partida retórico (O que é um posicionamento
"ativista"? Ativista para quem? E em que matéria?), desmerece a
proposta. Uma alteração constitucional supõe tocar em pontos estruturais do
país e é algo muito sério para ser levada adiante por arroubos
de descontentes com posicionamentos de ministros do STF.
Há exagero no uso de decisões monocráticas? Sim. Há fluidez na seriedade da adesão ao princípio processual de colegialidade? Sim. Há temas que não deveriam ser decididos por decisões monocráticas e adquirem eficácia a perder de vista? Sim. Há motivações pouco densas que corroem o sistema? Sim.
Essas preocupações, contudo, não justificam alteração constitucional, pois não
se trata de aspectos estruturais do Estado brasileiro. A melhoria do sistema
passa por alterações nas leis vigentes, na Lei Orgânica da Magistratura e no
regimento interno do Supremo (o que já ocorre) e até nas leis que regem o
sistema de controle concentrado de constitucionalidade.
Primeiro, quer-se alterar o artigo 93
da Constituição,
que trata do chamado "Estatuto da Magistratura" para, ao lado de
aspectos essenciais como fundamentação e publicidade de decisões judiciais,
inaugurar modelo de observância de prazos de duração de decisões monocráticas
sob pena de perda de eficácia. Matéria de cunho processual, não constitucional.
Mais preocupante, ali se misturam dinâmicas política e jurídica ao se aproximar
o regime de um pedido de vista não submetido ao plenário do Supremo ao de
medidas provisórias.
Já na alteração dos artigos 97 e 102 da
Constituição, o breque na atuação do STF é mais nítido, pois se interditam
matérias em que pode haver decisão cautelar, em ofensa ao acesso à justiça
(art. 5º, XXXV). Ora, não se concebe o bloqueio da jurisdição a depender de
quem seja o ente interessado, ou o tema.
A jurisdição constitucional tem funcionamento contramajoritário (o que explica
o quórum qualificado no caput do artigo 97 da Constituição vigente, que
prestigia a presunção da constitucionalidade dos atos normativos). Mas daí a
vetar seu exercício em temas tais e quais vai um abismo, pois não se concebe
que haja ato que não possa ser passível de controle.
Dada a curiosa rapidez na tramitação da PEC,
parece não estar em jogo a atividade de crítica ao exercício da jurisdição
constitucional brasileira, mas algo pernicioso. Por trás do discurso que leva
em conta a retórica contra o "ativismo", quer-se garrotear a
atividade do tribunal.
As críticas são necessárias ao melhor
funcionamento da corte e não há como se discordar dos argumentos de cientistas
políticos sérios que há anos apontam os problemas. Mas o oportunismo político
no qual galopa a PEC é um perigo à independência na atividade jurisdicional do
STF e seus integrantes, do acesso à Justiça e à distribuição de Poderes.
Um risco
em curso à democracia.
*Mestre em direito constitucional (PUC-SP) e doutor em direito processual penal (USP), é presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)
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