O Estado de S. Paulo
A única saída é um candidato democrata
capaz de vencer Lula e Bolsonaro nas urnas
A eleição presidencial do próximo ano será
a mais importante desde a redemocratização do Brasil em 1985. Estará em jogo
não apenas a escolha dos governantes, mas o futuro da própria democracia. A
perpetuação do populismo poderá pôr em risco a existência do sistema
democrático. Tanto o lulopetismo como o bolsonarismo provaram ser tóxicos para
a democracia. Ambos buscam transformar os seus líderes em mitos acima da lei e
das críticas. Por isso atacam a liberdade de imprensa, o Congresso, o
Judiciário e acirram a polarização política. Tampouco demonstram
constrangimento ético e político para aparelhar o Estado e usar o poder para
perseguir adversários políticos, proteger seus familiares e distribuir
benefícios para comprar apoio político. Suas atitudes contribuíram para a
radicalização do discurso político entre “nós e eles”, a polarização da
sociedade e a corrosão do tecido da civilidade, da tolerância e do respeito aos
valores essenciais para o bom funcionamento da democracia.
A 15 meses das eleições presidenciais,
Bolsonaro vem sistematicamente esgarçando o tecido das nossas instituições
democráticas. Há três sinais preocupantes.
Primeiro, o discurso golpista da “fraude eleitoral”. Apesar de termos um dos melhores e mais seguros sistemas eleitorais do mundo, que vigora há 25 anos sem nenhuma denúncia comprovada de fraude, Bolsonaro questiona a legitimidade das eleições e exige a volta do voto impresso. O interesse do presidente é fomentar suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral para invalidar o veredicto do eleitor em caso de sua derrota eleitoral. “Só Deus me tira do poder”, disse o presidente.
O segundo sinal é a politização da Polícia Militar. O
perigoso grau de contaminação do vírus bolsonarista nas entranhas de uma
corporação de Estado, responsável por zelar pela lei e pela ordem, retrata a
degeneração de uma instituição aparelhada pela política partidária e por
reivindicações corporativistas. O uso indiscriminado da força policial para
atacar manifestações pacíficas de grupos de oposição ao governo (como em
Pernambuco) e a orquestração de motins em vários Estados em torno da defesa de
pautas corporativistas representam verdadeira ameaça à segurança pública.
Terceiro, a preocupante divisão das Forças Armadas. Apesar
de a maioria do comando das Forças Armadas ainda permanecer fiel ao seu papel
constitucional de manter distância da política partidária e defender o País, a
Constituição e a democracia, é preocupante a decisão do Exército de não punir
um general da ativa, Eduardo Pazuello, por sua participação numa manifestação
política pró-Bolsonaro. Ao tratar uma instituição de Estado como “meu Exército”
e permitir que militares participem do governo e de manifestações políticas,
abre-se um perigoso precedente de envolvimento das Forças Armadas na política
partidária.
Esses sinais de degeneração institucional
nos fazem lembrar o livro magistral da filósofa Hannah Arendt As Origens do Totalitarismo. Arendt
argumenta que, quando o governo usa o aparato do Estado para subjugar as
instituições democráticas e transformar mentiras e desinformação (como a
eficácia da cloroquina no tratamento da covid) em fatos inquestionáveis, a
democracia corre o risco de ser solapada. Um governo que vem minando a
educação, a cultura e cortando o financiamento de ciência, tecnologia e do
fornecimento de dados (como o censo) tem como objetivo aumentar o fosso entre a
verdade dos fatos e o misticismo populista. Como diz Hannah Arendt, um dos
principais objetivos do totalitarismo é erradicar a capacidade de discernimento
dos cidadãos entre a verdade e a mentira.
Portanto, a eleição de 2022 será
determinante para o destino da democracia brasileira. Só há um caminho: eleger
um candidato democrata capaz de vencer Lula e Bolsonaro nas urnas. Esse
objetivo só será alcançado por meio do voto consciente e da união dos
principais partidos em torno de um único candidato. Não se trata de uma missão
impossível, como dizem os cínicos. A História do Brasil e os fatos recentes nos
oferecem exemplos de união das forças políticas em momentos de ameaças à
democracia.
No Brasil, os defensores da democracia se
uniram em torno da candidatura de Tancredo Neves, em 1985, para derrotar o
candidato presidencial dos militares, Paulo Maluf. A vitória de Tancredo
encerrou 21 anos de governo autoritário no País. Nos Estados Unidos, democratas
e republicanos moderados se uniram nas eleições de 2020 para derrotar Donald
Trump e eleger Joe Biden presidente. Há duas semanas, uma coligação plural de
partidos de direita e de esquerda se uniu para destronar o poderoso chefão de
Israel, Bibi Netanyahu.
Esses exemplos demonstram que quando a democracia está em perigo o senso de urgência dita o voto consciente do eleitor, o pragmatismo dos partidos na construção de uma candidatura vencedora e da formação de um governo de união nacional. Somente assim salvaremos a democracia das garras do populismo e do autoritarismo.
*Cientista político, é autor do livro ‘10 mandamentos – do Brasil que somos para o país de queremos’
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