Folha de S. Paulo / O Globo
Manifestações políticas de militares e
destemperos de Bolsonaro devem se repetir, daí só trincando os dentes
Em janeiro, quando os mortos da pandemia já
passavam de 200 mil, olhando para a eleição do ano que vem, o senador
Tasso Jereissati avisou: “As instituições precisam ser fortes, trincar
os dentes”.
De lá para cá, Jair
Bolsonaro continuou defendendo a cloroquina, combatendo o isolamento e as
máscaras. Os mortos chegaram a meio milhão e, na segunda-feira, o
presidente teve seu momento de destempero em Guaratinguetá (SP).
Coisa parecida só aconteceu em 1979, quando
o general João Figueiredo saiu do palácio do Governo de Santa Catarina e foi
para a rua, tentando sair no braço com manifestantes que o hostilizavam. (Na
ocasião, autoridades presentes e mesmo integrantes de sua comitiva entenderam
que ele estava com um parafuso solto.)
Todo mundo precisa trincar os dentes,
porque vem por aí um ano que testará o Brasil. A
cena de Guaratinguetá, antecipada em inúmeras ocasiões, haverá de se
repetir, como sucedia nos Estados Unidos com Donald Trump. As instituições
americanas funcionaram, e desde que ele foi para a Flórida, o mundo e o país se
tornaram mais calmos e seguros.
Bolsonaro destempera-se com adversários e desentende-se com correligionários. Pouco a ver com os dois ministros da Saúde que dispensou em circunstâncias macabras. Rifou Gustavo Bebianno que se juntou a ele quando os bolsonaristas cabiam numa kombi. Dispensou o general da reserva Santos Cruz, que lhe deu apoio quando ele era visto na hierarquia como um capitão indisciplinado. O mesmo aconteceu com o vice-presidente, Hamilton Mourão, que entrou na chapa supondo que viria a ser um parceiro.
(Em
benefício do capitão, o presidente americano Franklin Roosevelt morreu em 1945
sem ter contado ao vice Harry Truman que a bomba atômica estava quase pronta. O
piloto que haveria de jogá-la meses depois em Hiroshima já treinava num B-29
sem saber para quê. Roosevelt, contudo, cultivava a própria simpatia.)
Passeatas
de motociclistas, manifestações políticas de militares e destemperos
presidenciais haverão de se repetir. Daí, só trincando-se os dentes e
contando-se os dias. Passada a eleição, contam-se os votos e em janeiro assume
o novo presidente. Caso perca, Bolsonaro já tem o roteiro (“fraude”) e ameaça
(“convulsão social”).
Se Bolsonaro deve ter argumentos para
sustentar que haverá fraude na eleição futura, bem que poderá mostrar os que
tem da eleição passada, na qual diz que saiu vencedor no primeiro turno. O
ministro Luis Felipe Salomão, corregedor do Tribunal Superior Eleitoral,
deu-lhe 15 dias para mostrá-las
O Brasil poderia ter hoje uma agenda
parecida com a dos Estados Unidos, enfrentando a pandemia e o desemprego. Em
maio de 2020 a taxa de desemprego americana era de 13,3% e caiu para 5,8%. A
brasileira era de 12,6% em março de 2020 e subiu para 14,7% em março deste ano,
a maior da série histórica. Esse percentual significa que 14,8 milhões de
pessoas não têm trabalho.
Bolsonaro chegou à Presidência numa eleição
em que se apresentava como a melhor alternativa ao PT. Sua agenda era
desconjuntada, mas parecia liberal e moralista. O presidente que se oferece
para a reeleição (instituto que combatia e prometia rejeitar) não cavalga uma
agenda, mas apenas as crises que provoca.
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