Valor Econômico
Está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes a decisão sobre a competência de julgamento da denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 33 por tentativa de golpe de Estado. O regimento interno do Supremo Tribunal Federal prevê que o julgamento se dê na turma do ministro relator, no caso, a Primeira. O apelo da defesa para que a denúncia e, futuramente, a ação, sejam julgadas pelo plenário pode ser rejeitado pelo ministro. Além de Moraes, lá estão os ministros Carmen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flavio Dino. É uma composição que tende a ter maioria para manter o julgamento na Turma. A celeuma se soma ao questionamento sobre Moraes pela participação no julgamento de um caso em que aparece como vítima.
O regimento interno do STF é claro sobre a
competência da turma para o julgamento, mas o vaivém da Corte no tema levará a
controvérsias seja qual for a decisão. A de mais fácil compreensão pela
população é aquela que questiona por que os primeiros réus do 8 de janeiro
foram julgados em plenário e um ex-presidente da República o será numa turma em
que nenhum de seus indicados à Corte (Kassio Nunes Marques e André Mendonça)
tem assento. O artigo 5 do Regimento reserva ao plenário o julgamento, nos
crimes comuns, do presidente da República e o vice, os presidentes da Câmara e
do Senado, os ministros do STF e o procurador-geral da República. Esta redação,
porém, mudou quatro vezes nos últimos 14 anos.
A visão mais restritiva sobre as
prerrogativas de julgamento no plenário do Supremo foi impactada pelo Mensalão,
que paralisou a Corte por dois anos. A mudança para as turmas aconteceu, então,
em 2011. A migração, que tem no atual presidente da Corte, Luís Roberto
Barroso, um de seus mais ferrenhos defensores, está no escopo de outras
mudanças com vistas a dar celeridade à pauta de julgamentos, como a repercussão
geral e o plenário virtual. A Lava-Jato foi julgada em turma, mas o habeas
corpus do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018, foi julgado em
plenário porque o relator, Edson Fachin, assim o decidiu.
Em 2020, Luiz Fux propôs que o plenário
voltasse a julgar os crimes comuns e a Corte acatou. Até que, em 2023, houve o
julgamento de denúncia contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que
voltou a paralisar a Corte por 12 sessões. Enquanto se discutia uma nova
mudança, a Corte recebeu as primeiras denúncias do 8 de janeiro. Quando a nova
mudança para as turmas foi decidida, o plenário já havia dado início ao
julgamento de quatro ações penais.
Em meio à celeuma sobre a competência de
julgamento, Moraes enfrentará uma pressão extra vinda da Justiça americana. O
grupo de comunicação do presidente Donald Trump e a plataforma de vídeos Rumble
apresentaram, no dia seguinte à denúncia contra Bolsonaro, uma ação contra o
ministro. O processo, que foi protocolado num tribunal da Flórida, acusa Moraes
de censura e pede que o bloqueio de contas não tenha efeito legal sobre a
Rumble.
A Advocacia-Geral da União vai defender
Moraes nesta ação. As decisões da Justiça brasileira só têm validade no
território nacional, mas a ação contesta a jurisdição sobre uma empresa
americana no Brasil. Ou seja, pretende excluir empresas americanas que atuem no
Brasil do alcance da Justiça brasileira. Num momento em que Trump suspendeu a
lei anticorrupção que vedava suborno de empresas americanas no exterior, a ação
sugere que esta suspensão tenha outros desdobramentos, como a tentativa futura
de blindar empresas americanas que pratiquem suborno no Brasil da jurisdição
nacional.
A AGU tem, entre suas atribuições, a defesa
de autoridades nacionais dentro e fora do Brasil. Defende, por exemplo, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em ação contra a Meta por notícia falsa.
No caso de Moraes, porém, a defesa será feita por um escritório a ser
contratado pela AGU nos Estados Unidos.
Ainda que esteja no escopo das atribuições da
AGU, a defesa de Moraes alimentará a tese de “conluio” entre o governo e o STF
nas redes bolsonaristas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário